OPINIÃO: Menos hipocrisia e mais beijinho no ombro (Parte I)

Por DANIEL FINIZOLA

Semana passada, um fato chamou a atenção de milhares de brasileiros nas redes sociais:o professor Antônio Kubitschek, de Taguatinga, cidade-satélite de Brasília, pôs em sua prova a seguinte questão: “Segundo a grande pensadora contemporânea Valesca Popozuda, se bater de frente é?” Era uma questão de múltipla escolha, em uma prova de filosofia. Pronto! De repente, surgiram indignados defensores da “boa cultura” e dos “bons costumes” por todos os lados. Várias pessoas compartilharam a foto da questão com frases do tipo: “Isso é um absurdo”, “É o fim da escola pública”, “Esse professor é louco”, “Não acredito!”

O que não dá pra acreditar é no tamanho da hipocrisia da sociedade brasileira, em especial, de parte da classe média que adora exercer o seu discurso “cult ostentação”. Se a música vem da periferia é logo tachada de “pouco inteligente”, “coisa de gente sem educação”. Os “intelectuais” da arena virtual não tardam em corrigir os erros de concordância das composições e se gabam do seu belo português, geralmente utilizado para criar uma relação de poder frente aos que não tiveram acesso a uma “boa” educação. Sim, boa entre aspas. Não se engane! Hoje, o ensino propagado nas escolas é refém das provas que ditam o acesso às universidades, isso é algo que distorce de forma significativa a finalidade da educação básica no país. Criamos a ilusão de que a boa educação básica é aquela que garante o acesso à universidade. Será? Cada vez mais, a leitura de mundo é individualista, segregadora e pouco colaborativa, fruto de uma educação que fortalece esses valores no seu cotidiano. O assunto é muito bom e merece um artigo só sobre ele. Mas, voltemos aos recalques sociais.

Há muitos senhores moralistas que detestam, odeiam e demonizam o funk ostentação e “inculto”, mas que adoram ouvir o bom e velho rock n’ roll. Recordo-me de uma música do Nirvana que diz “Rape me, my friend”, ou seja, “estupre-me, meu amigo”. Nessa hora, vale quem fala a frase. Nesse caso, foi Kurt Cobain que falou, então, há todo um sentido: maníaco, drogado, depressivo, que justifica a frase no contexto da música e tal. Não é mesmo? Mas, caso algum funkeiro ou funkeira utilize-se dessa frase em uma música, tendo por objetivo chocar a sociedade e chamar atenção para um problema social, não iria tardar a aparecer moralistas e “intelectuais” com a expressão “Absurdo!”, “Que música horrível!”, “Que mau gosto!”. A causa poderia ser nobre, mas a primeira coisa a ser julgada seria a origem e a estética da música, renegada por muitos “intelectuais” que geralmente costumam seguir a lógica provinciana de que bom mesmo é a música que vem de fora ou aquela feita pela nata intelectualizada do país, que adora fazer músicas com rimas ricas cheias de palavras proparoxítonas.

Olhe que o rock está cheio de expressões como essa da música do Nirvana. É só uma banda de rock gringa falar em drogas, loucuras e sexo, pra classe média cult se reunir em torno de uma boa cervejada e comentar orgulhosa as atitudes, digamos, “pouco ortodoxas”, dos seus ídolos do rock. Por outro lado, veste a carapuça da hipocrisia e não tem coragem de sentar pra debater com a sociedade a descriminalização da maconha, por exemplo. Mas adora dizer que tem cultura só porque escuta músicas do Velvet com frases do tipo: “Heroin it’s my wife”.

Esse assunto é instigante e merece que continuemos semana que vem.

Beijinho no ombro para todos e todas.

daniel finizola

 

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br

OPINIÃO: O eterno espírito jovem do grunge

Por DANIEL FINIZOLA

Quando pequeno, já gostava de música e arte de modo geral. Lá por volta dos 17 anos, eu era um adolescente calado, às vezes problemático, mas sempre observador. Tinha como trilha sonora as músicas de Zé Ramalho. Até que um dia veio o convite de um colega para assistir ao ensaio de uma banda. Lá eu conheci o vocalista, nos tornamos grandes amigos e, aos poucos, ele foi me apresentando músicas e bandas que já eram sucesso nos headfones dos adolescentes no mundo todo há muito tempo, mas não fazia parte do meu universo musical.

Entre essas bandas havia um grupo de Seattle (EUA) que era barulhenta e tinha lançado seu primeiro trabalho em 1989, intitulado “Bleach”, por uma gravadora independente. Ora, eu era um menino de nove anos que morava no interior de Pernambuco e não fazia a mínima ideia que esse grupo existia. Naquela época, não tinha internet e o acesso à informação era bem mais complicado que hoje. Dependíamos de colegas que nos apresentassem novos sons. O bom é que sempre havia amigos com grana pra comprar discos e dispostos a ampliar o leque de pessoas que pudessem curtir aqueles sons que estouravam fora do país.

Em 1991, Nirvana lança “Nevermind”. Agora, com uma grande gravadora e com novos integrantes, o trio composto por Kurt Cobain, Krist Novoselic e Dave Grohl estourou nas paradas de sucesso de todo os EUA. A música “Smells Like Teen Spirit” passou a ser símbolo de toda uma geração, que todo dia via o clipe da música na MTV. Os estadunidenses e o mundo passaram a ver e sentir a força do grunge, com seu jeito despojado, negando toda e qualquer teatralidade dos movimentos musicais anteriores. As letras cheias de angústia e sarcasmo marcaram bandas como Alice in Chains, Pearl Jam, Mudhoney, Stone Temple Pilots, Soundgarden e tantas outras.

Recordo-me que a primeira vez que vi um vídeo do Nirvana, me impressionou a “viceralidade” das notas e do comportamento dos caras no palco. Os berros de Kurt Cobain, as batidas agressivas de Grohl e o baixo marcante de Novaselic deram uma particularidade ao som do Nirvana que rompia com uma estética musical que já estava estagnada há anos. Pena que Cobain tinha dificuldades em lidar com suas crises pessoais e com o sucesso. Seguindo a maldição dos 27 anos – que levou figuras como Jimmy Hendrix e Jim Morisson –, há 20 anos o líder do Nirvana foi encontrado morto em sua casa,  no dia 4 de abril de 1994, na cidade de Seattle, depois de uma overdose de heroína.

Pois bem, alguns anos após a morte de Cobain, tive contato com toda a discografia do Nirvana graças a amigos como Emeton Kroll, Victor Hugo e Arimateia. Com esses caras, montei uma banda que inicialmente se notabilizou por fazer covers do trio de Seattle. Não faltavam no repertório músicas com “Rape Me”, “Love Buzz”, “Territorial Pissings”, “Aneurysm”, entre outras.

Não há dúvida que Cobain e sua turma foram revolucionários da música. O poder midiático estadunidense transformou essa revolução em um fenômeno mundial, que rendeu fortunas para as gravadoras e um legado que ainda vive com um espírito jovem.

Até semana que vem!

daniel finizola

 

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br

OPINIÃO: A tábua de esmeraldas

Por DANIEL FINIZOLA

Durante o final do século XIX e início do século XX, vários intelectuais brasileiros começaram a questionar os nosso modelos culturais que viviam sob forte influência da efervescência europeia que antecedeu a Primeira Guerra Mundial. No Brasil, movimentos como a Semana de Arte Moderna (1922) satirizavam e buscavam construir um discurso de valorização e identificação da cultura nacional. Essa construção também foi envolvida por vários equívocos, mas que não é nosso objetivo debatê-los agora.

No campo da música, o samba vai se constituindo como símbolo nacional, estudado por vários intelectuais brasileiros no início do século XX. A aproximação com os yankees nos leva ao desenvolvimento de um estilo musical rebuscado, meio jazz, meio samba, entrando para história como Bossa Nova. A tal “Garota de Ipanema” ganhou o mundo e deu visibilidade internacional à música brasileira.

Lá pelos anos 70, do século passado, apareceu um disco que, no meu entender, é uma das melhores expressões da musicalidade brasileira que já ouvi. Sempre me chamou a atenção o balanço do violão associado a melodias geniais e letras que mesclam misticismo, história, cotidiano e amor. O título já faz referência a possibilidades de experiências e misturas, características que também marcam a história do Brasil e da sua música. Estamos falando do swing de Jorge Ben Jor – na época conhecido como Jorge Ben – e a sua magnifica “Tábua de Esmeraldas”.

Esse título faz referência aos textos que deram origem à prática da alquimia. Logo de cara, o disco começa com a música “Os Alquimistas”. Jorge Ben cria um composto musical com elementos que, ao longo do tempo, foram denominados de Samba Rock. O disco segue com “O Homem da Gravata Florida”, música que impressiona pelos detalhes da gravata descritos com uma maestria tropical e uma pitada de psicodelia.

A música “Errare Humanum Est” (errar é humano) nos leva a questionar o que há além do limite dos nosso olhos. Sem dúvida, essa música tem tudo a ver com o livro “Eram os Deuses Astronautas?”, do controverso escritor suíço Erich von Daniken, que levanta várias teorias sobre a chegada de extraterrestres em nosso planeta.  Será? A música começa: “Tem uns dias / Que eu acordo / Pensando e querendo saber / De onde vem nosso impulso / De sondar o espaço”. Recentemente essa música ganhou uma nova versão com o projeto Almaz de Seu Jorge e alguns integrantes da banda pernambucana Nação Zumbi. Vale a pena conferir.

Um das musas do disco chama-se “Magnólia”. Segundo Jorge Ben, alguém que haverá de chegar na primavera voando em sua nave linda e veloz com forro de veludo rosa. O lado B abre com: “A Minha Teimosia é uma Arma pra te Conquistar”. Essa é uma daquelas músicas que você cantaria o dia todo para aquela paixão que não quer saber de você. “Zumbi” é uma faixa que emociona pela simbologia histórica que carrega. A música descreve a venda de escravos, o cultivo da cana, do café e do algodão, além da violência que se imprimiu à etnia negra. Essa música acabou sendo gravada por músicos de várias gerações. Em “Brother”, Jorge Ben declara seu amor e fé em Cristo, dando ao disco um ar sincrético e internacional, já que essa música ele canta em inglês: “Jesus Christ is my Lord, Jesus Christ is my friend”. A última faixa do disco, “Cinco Minutos”, ganhou uma releitura com Marisa Monte no seu aclamado disco “Memórias, Crônicas e Declarações de Amor” (2000).

Resolvi fazer esse texto porque, em 2014, “Tábua de Esmeraldas” completa 40 anos. Sem dúvida, um disco emblemático para a música brasileira. Então não perca tempo! Vamos comemorar essa obra-prima escutando “Os alquimistas estão chegando…”

Até semana que vem.

daniel finizola

 

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OPINIÃO: Os tempos são outros (Parte II)

Por DANIEL FINIZOLA

Que a indústria fonográfica está em crise, todo mundo sabe! As grandes transnacionais já não ganham tanto dinheiro com a venda de disco. Há tempos, Caetano, com sua imaginação e genialidade, cantou: “Eu vou fazer uma canção de amor, para gravar num disco voador”. Hoje caberia a frase: “Eu vou fazer uma canção de amor, para gravar no computador”.

A tecnologia aplicada à música possibilitou um barateamento na produção de trabalhos fonográficos. Antes, era preciso muita grana para contratar horas de estúdio e fazer uso da cara tecnologia que viabilizava a produção do CD. Isso mudou. Agora os homes studios se multiplicam, facilitam e barateiam a produção. Não há mais pressa, nem gerente de gravadora dizendo o que você pode ou não fazer na música. Você está na sua casa ou no estúdio do amigo curioso. Ao mesmo tempo, muitos viraram o músico, o técnico e produtor do seu próprio disco. Os artistas de hoje vão se multifacetando e ampliando os seus conhecimentos para além da inspiração e da criação.

Aos poucos, muitas gravadoras foram abandonando os artistas, e muitos artistas também abandonaram as gravadoras. Muitos eram contratados para reproduzir o que o mercado determinava como som vendável, ou seja, estreitando o horizonte da arte em nome dos interesses econômicos das transnacionais do entretenimento. Mecanismos como o famoso jabá ditavam e ainda ditam qual será a música da moda. A popularização da internet vem mudando esse quadro. A ala dos artistas independentes vem crescendo nos últimos anos e, junto com ela, um público.

O cantor Cícero é um bom exemplo de tudo isso que estamos falando. Inicialmente sem grande esquema de divulgação na grande mídia, seu primeiro disco ganhou a internet e virou febre no Brasil. Também podemos citar artistas como Wado, Criolo, A Banda Mais Bonita da Cidade, Bárbara Eugênia e os caruaruenses Almério e Valdir Santos, que produziram seus trabalhos de forma independente e vêm ganhado o universo virtual.

Mas é importante perceber que a produção de um disco é constituída de um conjunto de pessoas e ações que agregam valor à obra. Isso vai da arte impressa na capa aos arranjos aplicados à música. Muitos têm o hábito de pegar o encarte, saber quem são os compositores, ler a ficha técnica, saber quem são as pessoas que gravaram cada instrumento ou em que estúdio a obra foi concebida. Ter o registro físico de uma obra fonográfica em suas mãos é uma sensação que vai bem além da que costumamos ter ao abrir uma pastinha com músicas no computador. É fato que a música digital deu mais alcance aos artistas que não têm espaço na grande mídia, ao mesmo tempo que ampliou o anonimato de todos que participam da produção do trabalho. Nem todo mundo tem o cuidado de, ao divulgar a música na internet, registrar todos que fizeram parte da concepção do trabalho. Uma pena!

Há quem romantize o debate, apontado que, com a música digital, a produção fonográfica perdeu muito do seu conjunto enquanto obra artística (capa, o encarte e as concepções de modo geral). Há pessoas que fazem um debate econômico, mostrando a violação de direitos autorais na internet e os prejuízos que isso causa.

São os avanços e dilemas da cultura digital.

Até semana que vem.

daniel finizola

 

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OPINIÃO: Os tempos são outros (Parte I)

Por DANIEL FINIZOLA

Você que tem por volta dos trinta e poucos anos deve lembrar daquele vinil da Xuxa. Um grande fenômeno do mercado fonográfico no Brasil e na América Latina. A criançada pirava. Queria o disco da Xuxa de todo jeito. Quando a adolescência chegava, lá vinham os vinis de rock nacional e internacional. No rolezinho pela rua, costumava carregar um walkman e uma fita com um adesivo – lado B internacionais. Isso era o garoto classe média dos anos 80.

Era uma geração sedenta por novas experiências sonoras, corporais, visuais, intelectuais… Era preciso ouvir e sentir algo que libertasse a alma e o corpo para além dos discursos saturados e maniqueístas de uma Guerra Fria delirante e vergonhosa que deixou como legado para o Brasil uma ditadura sanguinária. O mundo havia assistido uma exibição de poder que nem a lua escapou de ser simbolicamente conquistada.

É nesse contexto que o mercado fonográfico internacional e nacional respira ares de bonança. Os norte-americanos fincaram no mercado ícones como Madonna e Michael Jackson, “deuses” da cultura pop que vendiam milhões de discos e entravam em nossas casas com os filmes da Sessão da Tarde. Muitos até hoje lembram de temas de filmes como “Top Gun” e “De Volta para o Futuro”.

O nosso país, aos poucos, começava a respirar democracia. O rock nacional mostrava o tamanho da sua poesia, rebeldia e mercado, consagrando-se com a realização do Rock in Rio em 1985. Queen, Ozzy Osbourne, AC/DC no palco do maior festival do país, para o delírio de toda uma geração. Era um novo Brasil, cheio de esperança e inflação.

Tempos depois, o famoso “bolachão preto” foi substituído pela pequeno disco brilhante, denominado compact disc. A sensação de comprar um CD e retirar aquele – sempre difícil – invólucro era muito boa. Virou febre. Bastava uma promoção na extinta Comeg Center, da avenida Rio Branco, para todos se amontoarem em busca do CD da banda preferida. Lojas de CD se multiplicavam e a indústria fonográfica continuava lucrando. Hoje, encontrar uma loja de CD não é tarefa fácil.

Mas os tempos são outros. Com o advento da internet e o compartilhamento de arquivos de música na rede, a indústria fonográfica gradativamente entrou em crise. Muitos acreditam que o “boom” da indústria fonográfica tenha ocorrido entre 1984 e 2000. Steve Knopper, editor da revista Rolling Stone, afirma que as gravadoras tendem a sobreviver apenas dos antigos catálogos.

A comercialização da música via internet vem crescendo rapidamente nos mercados emergentes, criando novas culturas em torno do consumo de produtos fonográficos. Existem vários pontos positivos e negativos nesse novo jeito de consumir música. Há quem diga que CD é passado, o pen drive é presente e o vinil é futuro, será?

Semana que vem tem mais sobre esses novos tempos do mercado fonográfico.

daniel finizola

 

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OPINIÃO: Capoeira

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Mestre Bimba é recebido pelo presidente Getúlio Vargas: luta pela liberação da capoeiragem

Por DANIEL FINIZOLA

Há alguns dias, fui convidado para uma roda de diálogo sobre capoeira. Fiquei impressionado com o nível de organização e o compromisso que os grupos têm, todos conscientes da necessidade de debater o tema com a sociedade. Confesso que fiquei emocionado ao ver o brilho nos olhos de cada pessoa que falava. Senti que naquele momento não estávamos debatendo apenas a capoeira, mas a identidade cultural do meu país.

Hoje, Caruaru possui cerca de 16 grupos de capoeira. Entre eles encontramos: Falcão Negro, Balé Capoeira, Voo da Águia, todos grupos genuinamente caruaruenses. Cada grupo adota um estilo dentre os que se desenvolveram ao longo do tempo no país. De modo geral, a capoeira é um esporte, um misto de luta e dança com golpes acrobáticos cheios de ginga embalados por uma sonoridade de origem africana. A capoeira foi muito utilizada no Brasil pelos negros no período da colônia e no império como instrumento de luta. Com a proclamação da República, a capoeira passou a ser proibida pelo Código Penal brasileiro em seu capítulo XIII:

“Capítulo XIII – Dos vadios e capoeiras

Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercício de agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação Capoeiragem: andar em carreiras, com armas ou instrumentos capazes de produzir lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal”.

A prática da capoeira podia render 300 açoites ou até mesmo uma prisão com trabalhos forçados na ilha de Fernando de Noronha. A partir dos anos 30 do século passado, o mestre Bimba encabeça a luta pela descriminalização da capoeira no contexto nacionalista da era Vargas. Pouco tempo depois, a capoeiragem foi liberada e reconhecida como esporte nacional.

Em Caruaru, o Narcab (Núcleo de Apoio e Resistência à Cultura Afro-Brasileira) vem fazendo o trabalho de conscientização com oficinas e rodas de diálogo. A luta é para que o Estatuto da Igualdade Racial seja de fato respeitado. Estatuto que aponta na seção IV a necessidade de fomentar a capoeira – seja como luta, dança esporte ou música.

Recentemente, vimos atos de preconceito contra jogadores de futebol em cadeia nacional. Pior é ouvir uma galera batendo no peito e afirmando que “esse lance de racismo não existe mais no Brasil”. Agora, pergunte se os jogadores que sofreram racismo comungam dessa mesma ideia? Em 2003, foi criada uma lei que propõe novas diretrizes para o estudo da história, da cultura afro-brasileira e africana. Lembre que no seu livro didático do ensino fundamental e médio dificilmente você via um capítulo que tratasse da história da África. Um absurdo, não? Já que a etnia negra é tão importante na nossa constituição cultural. Isso é fruto de uma historiografia eurocêntrica que determinou os rumos da visão histórica durante anos, violentando a identidade dos indígenas e negros. Cabe às escolas abrir o diálogo sobre temas como racismo, que lamentavelmente ainda assola a sociedade.

Hoje, os jogos escolares estão cheios de modalidades esportivas oriundas de vários lugares do mundo. Acho ótimo! Nada contra. Mas, por que não colocamos a capoeira, esporte genuinamente nacional, como modalidade? É um grande exercício físico, atende a parâmetros curriculares educacionais, fortalece e preserva nossa identidade cultural.

Eu defendo essa ideia. E você?

daniel finizola

 

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OPINIÃO: A festa da carne

Por DANIEL FINIZOLA

Até parece que a sexta não vai acabar! Os planos e as malas já estão prontas desde a quinta à noite. O trabalho mal acabou e as pessoas já trocam mensagens de texto marcando a hora e local do encontro para partir e curtir. Na bagagem, fantasias irônicas, políticas, engraçadas e até sexuais, além de muita expectativa e alegria. A alma do brasileiro é tomada por um fenômeno que em Pernambuco ferve, na Bahia ginga e no Rio samba.

É assim que a festa da carne vai se espalhando Brasil afora, mistura irreverência, animação, culturas e uma boa dose de insanidade saudável, se é que podemos falar assim. Afinal de contas, subir e descer as ladeiras de Olinda com um calor de 40 graus no quengo, com toda aquela multidão gritando, suando, dançando e se melando, não me parece algo de muita sanidade! O nosso carnaval é muito mais que uma expressão cultural, é uma entidade que reside no inconsciente da maioria de cada cidadão e cidadã brasileira. Ao som dos clarins de Momo, ela ganha vida, toma seu corpo, se transforma em energia para enfrentar dias de muita festa – sem se alimentar direito, dormindo pouco, bebendo muito, beijando, romantizando e profetizando o Pierrô e a Colombina que residem em cada um de nós.

O cosmopolitismo é uma marca dessa festa, e em Pernambuco isso traz um tempero diferente ao caldeirão que ferve ao som de todos os ritmos. Samba, frevo, maracatu, marchinhas, caboclinho, rock, rap, eletrônico, tudo cabe no carnaval de Pernambuco, em especial o de Recife, que se notabilizou pelo slogan “Carnaval Multicultural”. Um reflexo do Leão do Norte negro, branco, indígena, cafuzo, mameluco, caboclo; um motor econômico que sempre protagonizou a produção cultural do país conectando o local com o universal. Seguimos mostrando para o Brasil e para o mundo quais as particularidades da cultura pernambucana, gerando turismo e dividendos para o Estado. Também propicia a todas as gerações de espectadores, artistas e produtores sentir novas sensações sonoras e culturais que só encontramos no carnaval multicultural de Recife.

Mas é preciso fazer uma crítica à forma como vem sendo conduzida a organização do carnaval em algumas cidades do país. Hoje, estamos vendo um fenômeno que diminui os espaços públicos em detrimento dos espaços privados. Camarotes e cordões de isolamento vêm privatizando a festa mais popular deste país. Até quando vamos permitir?

Enquanto isso, o carnaval caruaruense é marcado por uma diáspora para as praias do litoral sul. Já se tentou um pouco de tudo para ressignificar o carnaval de Caruaru. Já foi da La Ursa ao retiro espiritual, contrariando os tempos de Cacho de Coco, um grande carnavalesco caruaruense. Mas, aos poucos, a semana pré-carnavalesca em Caruaru vem ganhado força. Festa como a de Sucata, na rua João Condé, ganha – a cada ano – mais adeptos, os quais todos os anos marcam presença e desenvolvem um novo ritual carnavalesco na cidade.

O carnaval de Sucata é mais um exemplo de manifestação cultural caruaruense que merece a atenção do poder público. Vem crescendo de forma natural, feito por amigos que trazem na alma o desejo de transmitir alegria para cada rua e coração do “País de Caruaru”.

Até semana que vem.

daniel finizola

 

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OPINIÃO: Cibercultura do dia a dia

Por DANIEL FINIZOLA

Aquilo que emite luz e vibra não para de incomodar. O dia segue na velocidade que ele determina. Compromissos, mensagens de trabalho, cálculos, redes sociais e, às vezes, uma mensagem de amor. Há muito não enxergamos mais as belezas do horizonte. Meu olhar agora está sempre para baixo, escravo da luz que dita o meu comportamento e meus horários. Já não consigo parar de trabalhar. A todo tempo chegam demandas. A jornada de trabalho a cada dia fica mais extensa. O tempo do lazer aos pouco vai se exaurindo, roubado por pequenos dispositivos que geram simulacros de felicidade e prazer. O mundo das sensações, da interação corporal e vivência plena dos relacionamentos aos poucos vem sendo engolido pelas relações virtuais.

Mas que mundo é esse que estamos criando? Quais as identidades que nos compõe nesse contexto? Todos os dias novas tecnologias surgem para ser nosso mais novo desejo de consumo. Rapidamente, essas tecnologias também passam a representar inclusão, mas sem gerar transformação social ou política – na maioria dos casos. Passa a ser emissora de desejos, vaidades, narcisismo. Passamos a disputar com a sociedade virtual um sinal de positivo, que aumenta a sensação de aceitação e nos torna vivos no mundo conectado.

Tudo fica rápido, dinâmico, veloz. Pode mudar a qualquer momento. Basta um toque no teclado ou uma transação bilionária para que um aplicativo que milhões de pessoas usam mude sua arquitetura informacional. Rapidamente, você terá que mudar sua lógica de raciocínio para se comunicar, não porque você quis, mas porque uma empresa determinou.

A nossa cultura e comportamento está cada fez mais refém do universo digital, que aos poucos muda nossas relações com outras pessoas e com o mundo. Estamos nos tornando pessoas naturalmente agitadas de colocações e análises superficiais, cheias de achismo. Geralmente, não estamos disponíveis nem para o debate, mas produzimos e compartilhamos imagens nas redes sociais com frases de efeito para fortalecer a nossa ideia de mundo “correto”. Criamos guetos virtuais para alimentar certezas, encontrar nossos pares e negar a alteridade.

Nesse mundo conectado, até a duração do sexo pode ser suprimida ou atrapalhada por alguma mensagem do WhatsApp. Vivemos a ditadura da conectividade ininterrupta e a reconfiguração das relações de poder. Passamos a ser uma sociedade que almeja o tempo todo o imediato em detrimento do processo, da construção, da vivência, da mediação.

Na internet todos nós somos bonzinhos, inteligentes, descolados, lindos, revolucionários capazes de mudar o mundo, ou seja, é o “show do eu” que sai em busca da aprovação dos outros avatares. Precisamos de adjetivos, mesmo que sejam simbólicos, virtuais, para suprir a falta de alegria do cotidiano. No ponto de ônibus, no almoço ou no papo com os amigos, o seu smartphone pode lhe trazer a felicidade ou uma nova meta de beleza para o dia de hoje.

Onde isso vai parar?

Até semana que vem.

daniel finizola

 

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OPINIÃO: A Fama é grande

Por DANIEL FINIZOLA

Basta sair num sábado qualquer, à noite, passar por lá e ver que ela é merecida, apesar de irônica. A galera se espalha pelo meio da rua – que agora tem olhar panóptico – para registrar comportamentos e transgressões alheias.

Já presenciou grandes shows, amores roubados, perdidos, encontrados, poesias inflamadas, beijos que vão muito além das convenções culturais aceitas pela maioria da sociedade. É o lugar que desperta a inspiração dos noctívagos, artistas, boêmios, que, para enfrentar a opressão do dia, preferem purificar a alma com a noite e intoxicar o corpo com alguma dose.

O pioneiro é um senhor distinto, elegante, bem apreciado, sempre alegre e sorridente. No bar, sua mesa está sempre rodeada de grandes amigos que profetizam histórias regadas a aromas etílicos. Alguém pode até dizer que esse cidadão é um empresário do entretenimento, já que detém a propriedade da casa mais alegre e criativa da cidade, mas discordo. Para mim, Chico Oliveira é um mecenas às avessas, um agitador cultural. Ele e outros atores transformam a rua Silvino Macedo no maior polo cultural da cidade.

O poder dessa transformação foi tão grande que involuntariamente os frequentadores rebatizaram a rua. Hoje, o imaginário coletivo caruaruense conhece a Silvino Macedo como Rua da Má Fama. Apesar do nome, a grande maioria dos artistas que frequentam a rua produzem a arte que leva a boa fama artística de Caruaru mundo afora.

Além da pioneira Mercearia Ponta de Rua, bares como Circo 93, Bar da Ritinha e boates convivem com restaurantes “classe A”, como o Horácio’s Bistrô. A Má Fama tem de tudo! Ambulante com churrasquinho de gato, banda de rock agitando a noite, banda de pífano botando o povo para dançar, classe média comendo em restaurante caro, roda de poesia, voz e violão de todas as cores, credos e ritmos.

Essa rua deveria ser exemplo de tolerância, cosmopolitismo, convivência e respeito mútuo. Pena que nem sempre isso acontece. Recentemente alguns episódios violentos marcaram o lugar, afugentando muitos que eram frequentadores assíduo. Infelizmente, quando o poder público aparece por lá, o ar repressor prevalece frente às possibilidades de diálogo que poderiam organizar aquilo que já faz parte da cultura caruaruense.

A Má Fama merecia iluminação e decoração especial, uma grande atividade mensal com cinema, música, teatro, dança. O asfalto poderia receber o colorido de uma matinê dominical, cheia de crianças e oficinas recreativas. Os gestores culturais precisam entender que muitas vezes é mais fácil estimular a cultura de um lugar do que criar novos espaços que acabam não atendendo às demandas culturais da cidade.

Deixo uma sugestão para os estudantes de comunicação social. Um trabalho de conclusão de curso sobre a Má Fama seria emblemático. Quem sabe um documentário que mostre a trajetória da rua e a origem desse nome! Alguém aí sabe?

Até semana que vem.

daniel finizola

 

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OPINIÃO: O ‘Som na Rural’

Por DANIEL FINIZOLA

Semana passada, um fato chamou atenção dos que curtem as manifestações culturais no Estado. De repente, uma rural velha, usada como palco e equipamento cultural, às margens do Capibaribe, no Recife, virou notícia em vários lugares desse imenso universo virtual. Alegação: a velha rural que serve de cenário e mote para o programa “Som na Rural” estava em cima da calçada da deserta rua da Aurora, descumprindo o que está posto no Código de Trânsito. Os guardas mandaram uma multa e acabaram com a festa.

Bem, em primeiro lugar, aquela velha rural Willys é muito mais que um simples carro. Ela é nada mais, nada menos que um dos maiores equipamentos culturais que Pernambuco tem hoje. É fruto da atitude e criatividade dos produtores Roger de Renor e Nilton Pereira, os quais levaram som e alegria para um lugar especial e lindo do Recife. Em segundo lugar, é preciso bom senso. Entendo que ninguém quis descumprir a lei, nem o direito de ir e vir dos transeuntes, nem mesmo o sossego de alguém, já que a tal rural está muito longe de ser um minitrio elétrico.

Parece-me que esse tipo de geopolítica urbana dos negócios do entretenimento sempre beneficiou os grupos e produtores que rezam na cartilha da indústria cultural, tipo aquelas festas com cordão de isolamento, onde alguns podem pagar pela fantasia e pela falsa sensação de segurança. Geralmente, a carestia se resolve com um crédito básico dissolvido em 12 prestações que transformam o espaço público em um espaço privado.

Na segunda-feira (10), foi realizada uma reunião entre os produtores do “Som na Rural” e os representantes da Prefeitura do Recife, tendo por objetivo resolver a questão. Também foram apontados problemas de ordem burocrática relacionados ao alvará de funcionamento como mais um dos motivos que provocou a suspensão do evento. Mas parece que tudo foi resolvido e próxima sexta-feira (14) o “Som na Rural” estará em plena atividade na rua da Aurora.

Já em Caruaru, não encontramos muitas propostas que aproveitem melhor nossos equipamentos culturais para comunicar, produzir e expandir nossa produção artística. Aos poucos, vêm sendo articuladas entre poder público e sociedade civil ações de construção de políticas culturais que tornem vivas e dinâmicas as manifestações e expressões da cidade. Esperamos que isso cresça, solidificando uma cultura de colaboração e participação na elaboração de ações culturais.

O “Som na Rural” é um bom exemplo de intervenção que estimula e mostra a veia criativa da cidade.

E que tal o “Som na Rural” em Caruaru?

daniel finizola

 

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br