Deputados: anistiar alvos da Lava Jato sem digital

Folha de S.Paulo 

A comissão especial da Câmara dos Deputados deve votar nesta terça-feira (21) o pacote de propostas contra a corrupção em meio a muita polêmica e a articulações de bastidor para aprovar uma ampla e explícita anistia a alvos da Lava Jato.

A última manobra gestada por integrantes de praticamente todas as legendas é a de aprovar o pacote no plenário —passo seguinte após a análise na comissão—de forma “simbólica”, ou seja, sem votação nominal, o que não permitirá saber como cada deputado vota. O objetivo é evitar o desgaste de terem seus nomes vinculados à anistia. A votação simbólica, permitida pelo regimento interno da Casa, funciona da seguinte maneira: o presidente da Câmara solicita aos deputados contrários a um projeto se manifestar com as mãos. Com base em sua percepção, ele declara o tema aprovado ou rejeitado.

Contra essa decisão cabe o chamado pedido de “verificação”, o que obrigaria os deputados a registrar sua posição no sistema eletrônico, com registro nominal de cada um dos votos.

A manobra, porém, será fazer uma votação nominal momentos antes da votação principal, em torno de um requerimento de adiamento da sessão, por exemplo. O regimento só permite que seja pedida a “verificação” da votação simbólica uma hora após o último pedido. Com isso, o pacote seria aprovado sem registro nominal dos votos.

POLÊMICAS

A comissão especial foi instalada para analisar o pacote de dez medidas que o Ministério Público Federal defende contra a corrupção. Entre as medidas, há redução de recursos, endurecimento de penas e simplificação de procedimentos de combate à corrupção. Em setembro, porém, a Câmara tentou aprovar na surdina uma anistia aos alvos da Lava Jato, mas a operação fracassou. Com isso, as articulações foram transferidas para a comissão.

A ideia de parlamentares dos principais partidos é aprovar uma anistia explícita a crimes de caixa dois eleitoral (uso de dinheiro de campanha sem conhecimento da Justiça) cometidos até agora, com a vedação de que a prática seja enquadrada como corrupção ou lavagem. Pretende-se ainda permitir que juízes e procuradores sejam julgados por crimes de responsabilidade.

Ex-ministros são alvos de operação da PF

A empreiteira OAS e um diretório do PT na Bahia são alvos da investigação deflagrada pela Polícia Federal na manhã desta terça-feira, 4. Já os ex-ministros Márcio Fortes (Cidades) e Mário Negromonte (ex-ministro de Cidades e atual conselheiro do Tribunal de Contas da Bahia), são alvos de busca e apreensão.

A Operação Hidra de Lerna da PF cumpre 16 mandados de busca e apreensão e investiga um esquema de financiamento ilegal de campanhas políticas na Bahia e outro de fraudes em licitações e contratos no Ministério das Cidades.

Os mandados, em razão do foro por prerrogativa de função de investigados, foram todos deferidos pela Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura, do Superior Tribunal de Justiça. A PF cumpre mandados na Bahia, no Distrito Federal e Rio de Janeiro.

De acordo com a PF, uma das linhas de investigação recai sobre supostos esquemas para financiar ilegalmente campanhas eleitorais. A empreiteira sob investigação teria contratado de maneira fictícia empresas do ramo de comunicação especializadas na realização de campanhas políticas, remunerando serviços prestados a partidos políticos e não à empresa do ramo de construção civil.

Em outra direção, a Polícia Federal pretende investigar a ocorrência de fraudes em licitações e contratos no Ministério das Cidades.

Ministério

O Ministério das Cidades informou que, até às 7h30 desta terça-feira, não havia recebido nenhuma notificação sobre operação da Polícia Federal envolvendo recursos da pasta. Em poder das informações, o ministério afirma terá condições de avaliar do que se trata e de instaurar, imediatamente, Processos Administrativos Disciplinares para investigar a denúncia.

O Ministério das Cidades ressalta, ainda “a disponibilidade em colaborar com todas as informações necessárias para garantir eficiência e transparência na aplicação dos recursos citados”.

Lava Jato: mais de cem alvos em 120 endereços

As investigações da operação “lava jato” no Supremo Tribunal Federal, onde estão os inquéritos referentes a autoridades com foro privilegiado, já resultaram na quebra de sigilos fiscal, bancário e telefônico de mais de cem alvos, além de operações de busca e apreensão em cerca de 120 endereços. Fora do universo da “lava jato”, porém, casos se arrastam na corte.

O Supremo demorou 12 anos para quebrar os sigilos bancário e fiscal do senador Romero Jucá (PMDB-RR), em um inquérito que investiga desvio de recursos destinados à prefeitura de Cantá, em Roraima.

Além disso, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), até hoje não virou réu num inquérito sigiloso em que foi denunciado por ter tido despesas de uma filha supostamente pagas por uma empreiteira. Maurício Quintella, ministro dos Transportes, é suspeito de superfaturamento e desvio na compra de merenda escolar em Alagoas.

Alvos da Lava Jato se chamavam por apelidos

Da Folhapress

Desde o início das investigações sobre o maior esquema de corrupção no País, o Ministério Público e a Polícia Federal tentam desvendar não apenas o caminho percorrido pelo dinheiro desviado da Petrobras como o codinome adotado por envolvidos nas irregularidades na empresa. O objetivo era dificultar ao máximo a identificação dos personagens da trama. A estratégia foi incorporada por doleiros, operadores, executivos das grandes empreiteiras e da Petrobras, além dos próprios políticos.

Segundo relatórios de inteligência, os integrantes do esquema do petrolão tinham cautela, “no sentido de não mencionar expressamente nomes e assuntos tratados, optando pela utilização de apelidos e siglas”. Considerado umas das principais peças do escândalo, o doleiro Alberto Youssef, que virou delator, era conhecido no mundo político e entre empreiteiros como “primo”. Essa era a senha utilizada por seus operadores na entrega de dinheiro a políticos.

Braço direito de Yousseff, Rafael Angulo Lopes era chamado e se identificava em suas missões como “véio”. Segundo revelou aos investigadores, o apelido foi escolhido pelo doleiro, por ser seu funcionário mais antigo. Angulo contou ainda que o colega João Procópio Junqueira Prado, outro servidor apontado como operador, era Vô ou JP.

Youssef, que quase brigou com políticos e operadores pela distribuição de suposta propina, ainda era tratado nas planilhas de Angulo como BBB. O auxiliar teria repassado aos investigadores uma “agenda BBB” detalhando movimentações do chefe.

A escolha de siglas, no entanto, não era apenas uma referência a iniciais de nomes envolvidos: o grupo de Youssef decidiu batizar os políticos de “bandidos” e registrou em planilhas e na contabilidade os pagamentos feitos com a denominação “band”, seguida das iniciais dos políticos beneficiados. Assim, “band JP” era uma referência a pagamentos para o ex-deputado João Pizzolatti (PP-SC). “Band MN” indicava como destinatário o ex-ministro Mario Negromonte. Os dois são alvos do Ministério Público e da PF.

Inocentado por falta de provas da acusação de pertencer à organização criminosa e praticar lavagem de dinheiro, Adarico Negromonte -irmão do ex-ministro- era tratado como “olheiro”. Funcionário de Youssef, ele era considerado internamente como um “espião” do irmão. Segundo relatos, o salário de Adarico seria, inclusive, rachado entre o ex-ministro de Dilma Rousseff e o doleiro.

Ex-assessor do PP e apontado como um dos principais arrecadadores do partido, João Claudio Genu recebeu um apelido específico: o gosto por carros da Mercedes-Benz rendeu a ele o codinome “Seu Mercedão”. Segundo delatores, ele também era identificado como João, Gordo ou Ronaldo na planilhas do esquema de corrupção.

BRAHMA

O uso de referências também foi um recurso adotado por executivos de empreiteiras e da Petrobras. O ex-presidente Lula era o “Brahma”, para diretores da OAS. Na Petrobras, a escolha era feita em tom de deboche.

Renato Duque, ex-diretor da estatal, era chamado de My Way por Pedro Barusco, em homenagem à canção consagrada na voz de Sinatra. Barusco, ex-gerente da estatal, ficou conhecido como Sabrina, nome de uma ex-namorada.

Outra figura feminina escolhida foi a de Angelina Jolie -o nome da atriz era utilizado pela doleira Nelma Kodama em mensagens de e-mail. A proximidade com Yousseff rendeu um tratamento “carinhoso” ao ex-deputado Luiz Argôlo, que era chamado de “bebê Johnson”.

Apesar da lista extensa de apelidos identificados após mais de 500 dias da Lava Jato, os investigadores ainda tentam desvendar alguns codinomes, especialmente de emissários de propina.