OPINIÃO: A festa da carne

Por DANIEL FINIZOLA

Até parece que a sexta não vai acabar! Os planos e as malas já estão prontas desde a quinta à noite. O trabalho mal acabou e as pessoas já trocam mensagens de texto marcando a hora e local do encontro para partir e curtir. Na bagagem, fantasias irônicas, políticas, engraçadas e até sexuais, além de muita expectativa e alegria. A alma do brasileiro é tomada por um fenômeno que em Pernambuco ferve, na Bahia ginga e no Rio samba.

É assim que a festa da carne vai se espalhando Brasil afora, mistura irreverência, animação, culturas e uma boa dose de insanidade saudável, se é que podemos falar assim. Afinal de contas, subir e descer as ladeiras de Olinda com um calor de 40 graus no quengo, com toda aquela multidão gritando, suando, dançando e se melando, não me parece algo de muita sanidade! O nosso carnaval é muito mais que uma expressão cultural, é uma entidade que reside no inconsciente da maioria de cada cidadão e cidadã brasileira. Ao som dos clarins de Momo, ela ganha vida, toma seu corpo, se transforma em energia para enfrentar dias de muita festa – sem se alimentar direito, dormindo pouco, bebendo muito, beijando, romantizando e profetizando o Pierrô e a Colombina que residem em cada um de nós.

O cosmopolitismo é uma marca dessa festa, e em Pernambuco isso traz um tempero diferente ao caldeirão que ferve ao som de todos os ritmos. Samba, frevo, maracatu, marchinhas, caboclinho, rock, rap, eletrônico, tudo cabe no carnaval de Pernambuco, em especial o de Recife, que se notabilizou pelo slogan “Carnaval Multicultural”. Um reflexo do Leão do Norte negro, branco, indígena, cafuzo, mameluco, caboclo; um motor econômico que sempre protagonizou a produção cultural do país conectando o local com o universal. Seguimos mostrando para o Brasil e para o mundo quais as particularidades da cultura pernambucana, gerando turismo e dividendos para o Estado. Também propicia a todas as gerações de espectadores, artistas e produtores sentir novas sensações sonoras e culturais que só encontramos no carnaval multicultural de Recife.

Mas é preciso fazer uma crítica à forma como vem sendo conduzida a organização do carnaval em algumas cidades do país. Hoje, estamos vendo um fenômeno que diminui os espaços públicos em detrimento dos espaços privados. Camarotes e cordões de isolamento vêm privatizando a festa mais popular deste país. Até quando vamos permitir?

Enquanto isso, o carnaval caruaruense é marcado por uma diáspora para as praias do litoral sul. Já se tentou um pouco de tudo para ressignificar o carnaval de Caruaru. Já foi da La Ursa ao retiro espiritual, contrariando os tempos de Cacho de Coco, um grande carnavalesco caruaruense. Mas, aos poucos, a semana pré-carnavalesca em Caruaru vem ganhado força. Festa como a de Sucata, na rua João Condé, ganha – a cada ano – mais adeptos, os quais todos os anos marcam presença e desenvolvem um novo ritual carnavalesco na cidade.

O carnaval de Sucata é mais um exemplo de manifestação cultural caruaruense que merece a atenção do poder público. Vem crescendo de forma natural, feito por amigos que trazem na alma o desejo de transmitir alegria para cada rua e coração do “País de Caruaru”.

Até semana que vem.

daniel finizola

 

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br

OPINIÃO: Cibercultura do dia a dia

Por DANIEL FINIZOLA

Aquilo que emite luz e vibra não para de incomodar. O dia segue na velocidade que ele determina. Compromissos, mensagens de trabalho, cálculos, redes sociais e, às vezes, uma mensagem de amor. Há muito não enxergamos mais as belezas do horizonte. Meu olhar agora está sempre para baixo, escravo da luz que dita o meu comportamento e meus horários. Já não consigo parar de trabalhar. A todo tempo chegam demandas. A jornada de trabalho a cada dia fica mais extensa. O tempo do lazer aos pouco vai se exaurindo, roubado por pequenos dispositivos que geram simulacros de felicidade e prazer. O mundo das sensações, da interação corporal e vivência plena dos relacionamentos aos poucos vem sendo engolido pelas relações virtuais.

Mas que mundo é esse que estamos criando? Quais as identidades que nos compõe nesse contexto? Todos os dias novas tecnologias surgem para ser nosso mais novo desejo de consumo. Rapidamente, essas tecnologias também passam a representar inclusão, mas sem gerar transformação social ou política – na maioria dos casos. Passa a ser emissora de desejos, vaidades, narcisismo. Passamos a disputar com a sociedade virtual um sinal de positivo, que aumenta a sensação de aceitação e nos torna vivos no mundo conectado.

Tudo fica rápido, dinâmico, veloz. Pode mudar a qualquer momento. Basta um toque no teclado ou uma transação bilionária para que um aplicativo que milhões de pessoas usam mude sua arquitetura informacional. Rapidamente, você terá que mudar sua lógica de raciocínio para se comunicar, não porque você quis, mas porque uma empresa determinou.

A nossa cultura e comportamento está cada fez mais refém do universo digital, que aos poucos muda nossas relações com outras pessoas e com o mundo. Estamos nos tornando pessoas naturalmente agitadas de colocações e análises superficiais, cheias de achismo. Geralmente, não estamos disponíveis nem para o debate, mas produzimos e compartilhamos imagens nas redes sociais com frases de efeito para fortalecer a nossa ideia de mundo “correto”. Criamos guetos virtuais para alimentar certezas, encontrar nossos pares e negar a alteridade.

Nesse mundo conectado, até a duração do sexo pode ser suprimida ou atrapalhada por alguma mensagem do WhatsApp. Vivemos a ditadura da conectividade ininterrupta e a reconfiguração das relações de poder. Passamos a ser uma sociedade que almeja o tempo todo o imediato em detrimento do processo, da construção, da vivência, da mediação.

Na internet todos nós somos bonzinhos, inteligentes, descolados, lindos, revolucionários capazes de mudar o mundo, ou seja, é o “show do eu” que sai em busca da aprovação dos outros avatares. Precisamos de adjetivos, mesmo que sejam simbólicos, virtuais, para suprir a falta de alegria do cotidiano. No ponto de ônibus, no almoço ou no papo com os amigos, o seu smartphone pode lhe trazer a felicidade ou uma nova meta de beleza para o dia de hoje.

Onde isso vai parar?

Até semana que vem.

daniel finizola

 

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br

OPINIÃO: A Fama é grande

Por DANIEL FINIZOLA

Basta sair num sábado qualquer, à noite, passar por lá e ver que ela é merecida, apesar de irônica. A galera se espalha pelo meio da rua – que agora tem olhar panóptico – para registrar comportamentos e transgressões alheias.

Já presenciou grandes shows, amores roubados, perdidos, encontrados, poesias inflamadas, beijos que vão muito além das convenções culturais aceitas pela maioria da sociedade. É o lugar que desperta a inspiração dos noctívagos, artistas, boêmios, que, para enfrentar a opressão do dia, preferem purificar a alma com a noite e intoxicar o corpo com alguma dose.

O pioneiro é um senhor distinto, elegante, bem apreciado, sempre alegre e sorridente. No bar, sua mesa está sempre rodeada de grandes amigos que profetizam histórias regadas a aromas etílicos. Alguém pode até dizer que esse cidadão é um empresário do entretenimento, já que detém a propriedade da casa mais alegre e criativa da cidade, mas discordo. Para mim, Chico Oliveira é um mecenas às avessas, um agitador cultural. Ele e outros atores transformam a rua Silvino Macedo no maior polo cultural da cidade.

O poder dessa transformação foi tão grande que involuntariamente os frequentadores rebatizaram a rua. Hoje, o imaginário coletivo caruaruense conhece a Silvino Macedo como Rua da Má Fama. Apesar do nome, a grande maioria dos artistas que frequentam a rua produzem a arte que leva a boa fama artística de Caruaru mundo afora.

Além da pioneira Mercearia Ponta de Rua, bares como Circo 93, Bar da Ritinha e boates convivem com restaurantes “classe A”, como o Horácio’s Bistrô. A Má Fama tem de tudo! Ambulante com churrasquinho de gato, banda de rock agitando a noite, banda de pífano botando o povo para dançar, classe média comendo em restaurante caro, roda de poesia, voz e violão de todas as cores, credos e ritmos.

Essa rua deveria ser exemplo de tolerância, cosmopolitismo, convivência e respeito mútuo. Pena que nem sempre isso acontece. Recentemente alguns episódios violentos marcaram o lugar, afugentando muitos que eram frequentadores assíduo. Infelizmente, quando o poder público aparece por lá, o ar repressor prevalece frente às possibilidades de diálogo que poderiam organizar aquilo que já faz parte da cultura caruaruense.

A Má Fama merecia iluminação e decoração especial, uma grande atividade mensal com cinema, música, teatro, dança. O asfalto poderia receber o colorido de uma matinê dominical, cheia de crianças e oficinas recreativas. Os gestores culturais precisam entender que muitas vezes é mais fácil estimular a cultura de um lugar do que criar novos espaços que acabam não atendendo às demandas culturais da cidade.

Deixo uma sugestão para os estudantes de comunicação social. Um trabalho de conclusão de curso sobre a Má Fama seria emblemático. Quem sabe um documentário que mostre a trajetória da rua e a origem desse nome! Alguém aí sabe?

Até semana que vem.

daniel finizola

 

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br

OPINIÃO: O ‘Som na Rural’

Por DANIEL FINIZOLA

Semana passada, um fato chamou atenção dos que curtem as manifestações culturais no Estado. De repente, uma rural velha, usada como palco e equipamento cultural, às margens do Capibaribe, no Recife, virou notícia em vários lugares desse imenso universo virtual. Alegação: a velha rural que serve de cenário e mote para o programa “Som na Rural” estava em cima da calçada da deserta rua da Aurora, descumprindo o que está posto no Código de Trânsito. Os guardas mandaram uma multa e acabaram com a festa.

Bem, em primeiro lugar, aquela velha rural Willys é muito mais que um simples carro. Ela é nada mais, nada menos que um dos maiores equipamentos culturais que Pernambuco tem hoje. É fruto da atitude e criatividade dos produtores Roger de Renor e Nilton Pereira, os quais levaram som e alegria para um lugar especial e lindo do Recife. Em segundo lugar, é preciso bom senso. Entendo que ninguém quis descumprir a lei, nem o direito de ir e vir dos transeuntes, nem mesmo o sossego de alguém, já que a tal rural está muito longe de ser um minitrio elétrico.

Parece-me que esse tipo de geopolítica urbana dos negócios do entretenimento sempre beneficiou os grupos e produtores que rezam na cartilha da indústria cultural, tipo aquelas festas com cordão de isolamento, onde alguns podem pagar pela fantasia e pela falsa sensação de segurança. Geralmente, a carestia se resolve com um crédito básico dissolvido em 12 prestações que transformam o espaço público em um espaço privado.

Na segunda-feira (10), foi realizada uma reunião entre os produtores do “Som na Rural” e os representantes da Prefeitura do Recife, tendo por objetivo resolver a questão. Também foram apontados problemas de ordem burocrática relacionados ao alvará de funcionamento como mais um dos motivos que provocou a suspensão do evento. Mas parece que tudo foi resolvido e próxima sexta-feira (14) o “Som na Rural” estará em plena atividade na rua da Aurora.

Já em Caruaru, não encontramos muitas propostas que aproveitem melhor nossos equipamentos culturais para comunicar, produzir e expandir nossa produção artística. Aos poucos, vêm sendo articuladas entre poder público e sociedade civil ações de construção de políticas culturais que tornem vivas e dinâmicas as manifestações e expressões da cidade. Esperamos que isso cresça, solidificando uma cultura de colaboração e participação na elaboração de ações culturais.

O “Som na Rural” é um bom exemplo de intervenção que estimula e mostra a veia criativa da cidade.

E que tal o “Som na Rural” em Caruaru?

daniel finizola

 

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OPINIÃO: Som extremo

Por DANIEL FINIZOLA

Lá no interior, onde a paisagem agreste toma o horizonte, é comum surgirem aqueles garotos que gostam de um tipo de música que a grande maioria das pessoas faz cara feia ao ouvir. Na adolescência deixam o cabelo crescer, seu guarda-roupa é tomado um ar dark, cheio de camisas negras com os nomes das bandas que tomam o seu headfone. Adquirindo a idade, sua pele já passa a ser marcada com as tintas que transparecem muito mais que uma imagem, mas o seu estilo de vida.

Aos poucos, “esse malucos” – assim chamados pelos ditos “normais” – vão se encontrado na cidade, trocando informações e discos. Quando o talento musical aflora, não tarda a aparecer aquela banda de vocal rouco, gutural (expressão que vem do latim “guttur” e significa garganta). A voz agressiva, comum nas bandas thrash metal, geralmente provoca aquele questionamento: isso é arte?

Lógico que sim! É uma expressão, fruto de uma subjetividade individual ou coletiva, que usualmente rema contra todo o preconceito e conceito que se construiu do que é arte. É importante entender que a arte não tem a obrigação de ser bela. No geral, o belo de hoje é uma construção discursiva fruto da arte clássica que criou padrões e modelos de beleza reproduzidos até hoje pelo mundo contemporâneo. Se mostrássemos o quadro “Guernica”, de Picasso, ao cidadão no meio da rua e pedíssemos sua opinião sobre a beleza dele, é provável que muitos dissessem “que coisa feia!”, já que ele não segue as linhas confortáveis do clássico. Mas aquela “feiura” tem muito a nos dizer.

Tendo por objetivo quebrar o gelo sobre o que é belo e feio no mundo das artes, venho falar neste espaço sobre uma das maiores bandas de thrash dessa cidade, a Psych Acid. O grupo foi fundado em junho de 1990 pelo baterista Nato Vila Nova e pelo guitarrista Wladimir Morais. Já passaram por esse projeto várias figuras carimbadas do rock caruaruense. Entre elas, podemos citar Mago Gildo, Edu Slap, Marcos Dedinho, Mário, Rutênio e Nadnelson. Hoje a banda segue com Nato nos vocais e bateria, Bruno Amorim e Anderson Diniz nas guitarras e Fábio Santos no baixo.

A banda acabou de gravar o EP “Disturbance Without”, produzido pelo guitarrista Henrique Aragão, que vem se destacando e inovado nos sons da cena musical caruaruense. Com letras que questionam as guerras e a ganância do homem, a banda volta, depois de uma longa pausa nas atividades (1997 a 2009), com força total na cena local, já tendo tocado em várias cidades da região.

Com um trabalho independente, o grupo não tardou a entender a importância da internet para divulgação do trabalho. Segundo Nato, as redes sociais facilitaram o contato com fãs, outras bandas e produtores, fazendo o trabalho circular por todo o Brasil e exterior com mais facilidade.

Confira o som da Psych Acid no link a seguir: https://soundcloud.com/laemcasa/faixa-02.

Até semana que vem!

daniel finizola

 

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OPINIÃO: Comunicação e cultura: uma revolução por vir

Por DANIEL FINIZOLA

Está mais que claro para todos e todas que o mundo digital, seus mecanismos e ferramentas vieram para ficar. Apesar da velocidade que toma essa sociedade da informação, isso “ainda” é algo novo e revolucionário. Se bem utilizado, pode trazer benefícios sociais de grande impacto. Aos poucos, essa cultura digital vem ganhado espaço nas rodas de conversa pelo Brasil afora, seja nas escolas ou nas universidades.

Um exemplo que vem ampliando anualmente o debate sobre o tema é o projeto Conexões Globais, que acontece anualmente em Porto Alegre (RS), e cuja última edição aconteceu nos dias 24 e 25 deste mês. O evento procura estabelecer o diálogo entre os vários atores que estão nas redes sociais e o novíssimo conceito de Democracia 2.0. Este ano, o evento debateu temas como Cultura de Rede Colaborativa e Digital, Jornada de Junho e o Futuro da Democracia no Brasil, Soberania Digital e Vigilância na Era da Internet. Temas pertinentes ao Brasil contemporâneo, cada vez mais conectado. Tudo transmitido ao vivo pela internet.

Mediante esse contexto, Caruaru terá a oportunidade de ser uma cidade polo do debate sobre comunicação, cultura digital, suas consequências e possibilidades sociais. Isso porque está para ser aprovado, pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFPE, o bacharelado em comunicação social com duas frentes de formação.

A primeira tem por objetivo a formação voltada para redes sociais, atendendo aos novos anseios da comunicação social no Brasil e no mundo, que cada vez mais aumenta a convergência de mídias e a circulação de informação no globo. Um curso como esse trará pessoas do Brasil inteiro, gerando intercâmbio acadêmico e tornando Caruaru uma cidade vanguarda na produção científica referente a esse tema.

A segunda frente é voltada para produção cultural e deve interessar muito a todas as pessoas envolvidas com cultura criativa e toda a sua cadeia, ou seja, artistas e produtores poderão ter uma formação acadêmica que melhor fundamente as suas ações de produção, comunicação, distribuição e comercialização. Caruaru pode virar um grande polo de elaboração e execução de projetos culturais, referência para todo o Brasil, já que a proposta da UFPE é nova e extremamente contextualizada com a nossa realidade. Basta analisar que a produção cultural caruaruense é pujante, e toda região sofre com a falta de profissionais qualificados para trabalhar com os novos desafios da cadeia produtiva da cultura.

Um exemplo desses novos desafios no campo da cultura é o mercado fonográfico. A crise das gravadoras e o compartilhamento de música na internet colocaram o artista em um novo paradigma de mercado que ainda precisa de muito estudo e cooperação. Um debate para o qual Caruaru pode dar grandes contribuições a nível nacional com a chegada desse curso, já que esse cenário envolve comunicação, tecnologia e produção cultural musical, algo que não falta por aqui.

O desenvolvimento que a cidade atingiu nos últimos dez anos está diretamente relacionado com o crescimento da oferta de cursos nas universidades privadas e com a chegada da UPE e UFPE. Isso gera qualificação, produção científica e inclusão social. Portanto, é importante demonstrarmos o nosso interesse, estabelecendo um debate sobre a viabilidade e importância desse curso para o “País de Caruaru”.

Para tanto, vamos nos mobilizar, enviar e-mails para a reitoria da universidade e garantir mais essa conquista para a nossa terra.

E-mail da reitoria da UFPE: gabinete@ufpe.br.

E-mail da assessoria de comunicação da UFPE: ascom@ufpe.br.

daniel finizola

 

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OPINIÃO: Cultura do cotidiano

Por DANIEL FINIZOLA

Sete horas. O despertador já tocou e a função soneca já vai na quarta rodada. O sol entra tímido pela janela, o concreto do prédio ao lado não deixa ele imperar. A cara amassada se depara com mais um dia que acaba de chegar. Levanta, vai ao banheiro. Urina com uma mão no sexo e outra na parede, tentando olhar atentamente para não errar e ter que limpar o que já não está muito limpo.

Banho quente, espelho, dente e lá vem a lâmina, o segundo grande desafio do dia, já que o primeiro foi acordar! Ferro quebrado, roupa amassada e um pouco de perfume pra manter a vaidade. Na geladeira, algumas poucas coisas. A maioria com o prazo de validade um tanto… passado! E o resto não faz muito bem à saúde, já que a meta seria executar a primeira refeição do dia. Coca-Cola na veia, pão com um embutido dentro, e tá tudo certo.

Sai do seu cubículo de concreto, caminha pelo corredor cuja luz acende sozinha e encontra o elevador, aquele espaço que fertiliza imaginações eróticas e cômicas. O jovem porteiro achou massa a camisa do Pink Floyd. A mochila nas costas carrega o necessário para um dia longe do seu ponto de apoio denominado casa.

Agora chegou a hora de entrar em outra dimensão. Fone no ouvido. Um som depressivo, globalizado, progressivo ou pesado vai conduzindo o cidadão gradativamente a uma surdez. No metrô, além da música vetor, há o momento redes sociais via smartphone. Esse é o momento em que sorrisos motivados pela leitura das redes são distribuídos gratuitamente no metrô. Mas a questão é: ninguém vê esses sorrisos. Estão todos ocupados e solitários demais com seus celulares para erguer a cabeça no meio da multidão espremida na minhoca de metal.

No trabalho, a tristeza veste tanto quanto a farda, já que é difícil superar o poder que oprime a partir da necessidade de sobrevivência. O cheiro de batata frita e hambúrguer de fast-food engorduram sua perspectiva e entopem os meandros políticos que podem fazer a vida ter outro rumo. A cada cliente que se empanturra de valores, bacon, pão, queijo e verdura, o cansaço toma o corpo que, depois de horas, só pensa nas possibilidades e possíveis dificuldades que possam atrapalhar a volta para seu ponto de apoio.

A noite lhe cobre com fumaça de cigarro temperada com cerveja, lendo as certezas políticas, científicas, amorosas e filosóficas que só encontramos nas redes.

A cultura do cotidiano revela quem é esse homem moderno que se reproduz pelas grandes cidades do mundo. Cada vez mais solitário e com dificuldades de desenvolver relações culturais coletivas, além daquelas que a sobrevivência exige.

O cansaço, a má qualidade de vida, o calor do concreto, o frio, o som do dia e da noite fazem do cotidiano urbano um desafio físico e mental.

Até semana que vem!

daniel finizola

 

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OPINIÃO: Ele não é nosso!

Ao lado de “Abaporu”, de Tarsila do Amaral: quem não lembra dessa imagem nos livros de literatura?

Por DANIEL FINIZOLA

Por conta da fome de América, de sua totalidade, diversidade, interpretações e cores, acabei em Buenos Aires para passar uma pequena temporada de estudo. Uma cidade com pessoas frias, como qualquer metrópole no mundo. Cheia de cinzas no ar e preto no chão. Nessa época do ano, não seria preciso colocar a bandeira no mastro na frente da Casa Rosada, já que ela passa o dia estampada no céu de toda a cidade. Os portenhos gostam de seguir noite adentro, com seus kioskos 24 horas, sua fome de dólar e a agitação cultural na av. Corrientes, tornando esse um dos cantinhos da América que mais produz, consome e exporta cultura.

Gosto de passear pelos museus desta cidade. Um deles, em especial, me chama muita atenção: o Malba (Museu de Arte Latinoamericano de Buenos Aires). Não é pra menos! Nesse museu, encontramos obras de Diego Rivera, Frida, Antônio Berni, Cândido Portinari e nada mais, nada menos que “Abaporu”, de Tarsila do Amaral. Sim! Aquele homem de cabeça pequenina e pé grande, sentado no tropical. Quem não lembra dessa imagem nos livros de literatura do ensino médio? Pois é! Vamos colocar assim: digamos que a nossa Mona Lisa não está conosco. Está com os hermanos argentinos. Mas, há um consolo: a Mona Lisa de Da Vinci também não está com os italianos, mas com os franceses, no Louvre.

Brincadeiras à parte, esse quadro é fundamental para significar o movimento modernista no Brasil – e por que não dizer na América Latina? Arrematado por uma bagatela de US$ 1,5 milhão, em 1995, pelo colecionador argentino Eduardo Constantini, passou a ser o quadro brasileiro mais bem avaliado no mundo. A Fundação Constantini, mantenedora do museu, se preocupa em revelar cada vez mais a importância da arte que surgiu no início do século XX na América Latina. Aberto ao público em 2001, seu acervo conta com pinturas, esculturas, fotografia, além de uma área para exposições temporárias.

Para muitos, causa estranheza ver a maioria das obras desse museu. Rostos disformes, corpos retorcidos, surrealismo… Política e arte se misturam pra falar sobre uma geração que bebeu da arte europeia, porém já tinha história e subjetividade mais que suficiente para desenvolver um novo conceito de interpretação do cotidiano latino-americano. Muitos, como já ouvi várias vezes, podem até dizer: “Oxe! Isso aqui eu faço. É fácil demais!” A questão não é simplesmente fazer a peça, mas entender a origem, o sentido, o sentimento que levou o artista a expressar aquela obra moderna. A subjetividade por trás da peça é tão importante quanto o objeto em si. É preciso entender isso. Sem contar que toda obra de arte acaba virando um recorte histórico de sua época. Observe que esse é um período no qual as representações humanas ficaram deformadas na visão dos artista de vanguarda. Por que será?

O homem abriu o século XX com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Todo o projeto de sociedade industrial, positivista e científica, chegava a uma situação de barbárie, como nunca antes registrado na história da humanidade. Pensamentos clássicos e formas “perfeitas”, as quais fundamentavam muito do homem desse período, começavam a ser questionados e deram lugar a uma nova interpretação do real. Não foi à toa que Tarsila pintou “Abaporu” com aquela inversão de formas. Há várias interpretações, sobre as quais prefiro não discorrer aqui. (Seria preciso muito mais que um artigo para isso). Mas convido a todos para deixar suas interpretações nas redes.

Debater a arte brasileira é sempre bom. Fortalece nossa identidade diante dessa globalização voraz.

Até semana que vem, diretamente de Buenos Aires.

daniel finizola

 

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br

OPINIÃO: O artista além do homem

Por DANIEL FINIZOLA

Tudo começou nas noites de quinta-feira, que costumavam ser as melhores na história da boemia recente de Caruaru.

“Olha, tem um menino muito bom cantando no bar Na Feira. Vamos”? Me arrumei e fui ver quem era o menino. Logo na calçada fiquei impressionado com o som. Chegava aos meus ouvidos um violão de nylon harmonizando a energia, o balanço e alegria de uma banda de pífanos. A voz e a interpretação impressionavam. Corri rapidamente pra ver quem estava fazendo aquele som e encontrei a banda de pífanos Zé do Estado, Dinho no violão e Almério soltando a voz.

O tempo, a música e as noitadas, aos poucos, foram nos aproximando e, de forma natural, fui conhecendo mais de perto o talento do menino que veio de Altinho em busca de oportunidades. Na verdade, ele encontrou muito mais que isso. A inquietude inventiva, o compositor, o arranjador e o grande intérprete logo acharam lugar para se expressar no teatro, que não tardou a perceber o compromisso e o nível de doação de Almério quando o assunto é arte. O tempo construiu um artista multifacetado, que busca suas iluminações no cotidiano das ruas caruaruenses – as quais envolvem e inspiram canções como “Invólucro Caruaru” – e na cor do sol de sua terra natal, que banha o rosto de Seu Jofre, personagem de uma de suas composições.

É, pessoal, estamos falando do esperado e já aclamado trabalho de Almério, que acaba de chegar ao mercado. A produção gráfica – linda! –, assinada por João Bento, figurino de Gabriel Sá e fotos de Breno César, enriqueceu ainda mais a produção musical, que recebe a outorga de Lucky Luciano, figura queridíssima da cena musical caruaruense. Afora o já conhecido sucesso “Além-Homem”, de autoria do próprio Almério, o CD abre com a música do caruaruense Valdir Santos, que alerta: “O importante é continuar a busca”, a mesma que trouxe Almério a esse momento ímpar de sua carreira.

A compositora e cantora Isabela Morais presenteou Almério com uma de suas mais belas canções: “São João do Carneirinho”, que recebe o reforço vocal da consagrada cantora Ceumar. Lançando mão da tecnologia, ela gravou a voz e enviou diretamente de Amsterdam, ou seja, boas energias e muita musicalidade é o que não faltam nesse trabalho.

Já tenho minha música preferida: “Não há muito o que fazer”. Swing, groove e cadência marcam essas confusões tão humanas que a música descreve. Apesar do título parecer algo conformista, na verdade, a música é um convite à reflexão para melhor entender quais os personagens que povoam nosso ser. Muito bom! Outra música que destaco é “Aparecida”. Feita em parceira com a compositora Dani Torres, descreve várias imagens poéticas e telúricas.

O trabalho de Almério é mais um que afirma a boa fase da música caruaruense. Mostra bem como se produz uma música universal, sem perder as raízes que constroem o imaginário do homem e do artista.

Muito sucesso para aquele que já é um dos maiores artistas que essa cidade conheceu!

Até semana que vem!

daniel finizola

 

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OPINIÃO: Geração Bar do Rock (Parte III)

Por DANIEL FINIZOLA

Chegou a hora do terceiro e último artigo da série “Geração Bar do Rock”. Vejamos quais os saldos que essa geração deixou para a cultura caruaruense.

1998, sem dúvida, foi o auge do local que foi chamado de Avenida Bar, Estação Mangue Barro, mas que entrou para o imaginário de uma geração com o nome de Bar do Rock. Após o fechamento do bar, os grupos musicais, frequentadores assíduos, estavam sedentos e cheios de criatividade. A disposição e inspiração musical agora ia muito além das noitadas no bar.

Duas bandas saíram de lá certas que era a hora e o momento de fazer com que outras pessoas da cidade conhecessem seu som. Sobreviventes do IDR e Sangue de Barro começaram a “invadir” outros espaços na cidade, como a extinta boate Nocturnos e o Arsenal, espaço que ficava dentro do que hoje chamamos de North Shopping. Aos poucos, aquelas bandas iam construindo um público fiel que sempre frequentava os shows. Lembro-me de ver várias vezes a galera do skate erguendo os shapes nos shows.

As bandas se organizavam e viam a necessidade de pensar de forma mais profissional o fazer musical. A ficha caíra e a garagem onde muitos começaram já era uma lembrança distante. Gradativamente, os covers nos repertórios eram substituídos por músicas próprias e os meninos do bar agora queriam gravar CD e correr o Brasil fazendo o seu som.

Toda a energia e história dos integrantes do Sangue de Barro resultara no seu primeiro trabalho lançado no Clube Intermunicipal, no dia 23 outubro de 2004. Noite mágica. Teve banda de pífano e muito rock and roll. Tenho essa festa na memória como um divisor de águas para aquela galera que tinha saído do Bar do Rock. Nessa mesma noite, Ivan Márcio anunciava, no meio do show, a chegada do disco “O Manifesto”, da banda Sobreviventes do IDR. Com letras cheias de reflexões sociais e crítica no nome, a Sobreviventes lançou seu CD no mesmo ano, em um teatro que existia no galpão onde hoje é realizado o Palco Alternativo no São João. Foi uma noite cheia de guitarra distorcida, alegria, realização e muito, muito calor! Ano que vem, esses dois CDs estarão fazendo dez anos. Um show comemorativo das duas bandas juntas seria uma boa!

Alguns hits saíram desses trabalhos, como “Cordel Virtual”. Quem não lembra dos pulos que a galera dava – e dá – quando o vocalista da Sangue de Barro, Ivan Márcio, grita: “Eu vou levar pra vender na feira”? Enquanto isso, a Sobreviventes lançava mão do funk e do rock pra cantar “Então me engole…” Hoje, essa música ganhou uma nova versão e vem sendo tocada pela banda caruaruense Tio Xico.

Com o CD na mão, um show pronto e uma vontade de mostrar ao mundo o que Caruaru estava fazendo, essa galera partiu para Sampa. Participou de festivais e fez vários shows no interior e na capital. Trouxe na bagagem a certeza que o Brasil precisa conhecer mais a arte que Caruaru produz. Pena que ainda sofremos com a falta de uma politica cultural que alavanque a economia criativa da cidade. Quem exporta cultura marca seu lugar no mundo e gera dividendos.

Hoje, a Sobreviventes do IDR não está mais na ativa. Sangue de Barro passou por mudanças de integrantes e continua fazendo show, compondo, gravando EP e produzindo clipe. Essa geração ainda tem muito pra mostrar e fazer.

Sigamos em frente compondo o futuro.

Semana que vem tem Almério no “Mosaico Cultural”.

Em tempo: Devido a problemas técnicos no blog, a coluna só pôde ser publicada hoje. Na próxima semana, voltaremos ao normal.

daniel finizola

 

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br