OPINIÃO: Geração Bar do Rock (Parte II)

Por DANIEL FINIZOLA

Meus primeiros acordes soaram ainda na escola. No meio de um intervalo, um colega chamado Victor me convidou para ver o ensaio de uma banda de rock na garagem de um outro colega, na Cohab I. Coincidentemente, eu também morava na Cohab. No segundo ensaio já cheguei sem convite e no terceiro, com a guitarra debaixo do braço.

Não demorou para que muitos que tiveram sua gestação musical naquela garagem conhecessem o Bar do Rock. Tocar no chão do bar, já que não existia palco, era algo que dava frio na barriga. Recordo de festas que eram organizadas pela galera do bar. A banda que tocávamos já tinha experimentado vários nomes e Nato nos cobrava um nome para colocar no cartaz e assim poder participar do evento. Até que Victor Hugo, aquele mesmo que me chamou para o ensaio na garagem, gritou: “Sobreviventes do I.D.R”. Surgia, assim, outra banda emblemática da geração Bar do Rock. Além do Sangue de Barro e Sobreviventes do I.D.R, também tocavam por lá o Cangaceiros do Rock, Sombra dos Anjos e Juninho Santana – que sempre deixava a guitarra por lá pra mandar aqueles clássicos do Barão Vermelho: “Mais uma dose…” – Era Massa!

Os garçons não cativavam pela qualidade do atendimento, mas pela fato de serem espontâneos, roqueiros e amigos de todos que frequentavam o bar. Com o tempo, o público foi adquirindo métodos para enfrentar aquele atendimento que sempre deixava a desejar. A tática clássica era: todos da mesa gritarem em um só coro o nome de garçom. Quando o bar estava cheio, no auge da madrugada, constantemente se escutava um coro que dizia: “CASSACO”. Esse era o apelido de um dos garçons, que ao ouvir o grito organizado, corria pra atender a mesa. Até hoje encontro Cassaco e não sei seu nome ao certo, mas sei que é um dos amigos que fez parte de um dos melhores momentos da minha vida. Além de Cassaco, fez parte da administração do bar: Peixamim, Bartô, Tiazinha, Nadnelson, Jr. Pintor, Rivelino. Esse são os que recordei com a ajuda do amigo Ivan Márcio, pessoa fundamental no desenrolar dessa geração.

O ensaio de algumas bandas passaram a acontecer no Bar do Rock. Sangue de Barro, por exemplo, era à noite e Sobreviventes à tarde. Curioso é que ensaiávamos em um quarto e as caixas de som ficavam em um corredor ao lado do quarto. Rolava todo tipo de criatividade e improviso nesse lugar, desde os nomes das festas ao baixo azul de três cordas de André Vela Branca, cuja quarta corda geralmente não fazia falta e servia a grande maioria das bandas que chegavam por lá pra tocar.

Atrás do Bar do Rock, havia uma grande área com estrutura para conserto e lavagem de carros. Algumas festas aconteciam nesse local e a galera fazia da plataforma onde se consertava carro o palco. Em um Halloween, colocaram em cima dessa plataforma uma gaiola enorme de ferro. É!!! Tocamos engaiolados e fantasiados. Era um visual e um comportamento “louco” e, até certo ponto, inocente. Só que queríamos mais…

Não perca, semana que vem, a terceira e última parte deste artigo.

Em tempo: o local onde funcionou o Bar do Rock é hoje uma loja de conserto de radiadores, não um posto de gasolina, como falei na primeira parte do artigo.

daniel finizola

 

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br

OPINIÃO: Geração Bar do Rock (Parte I)

Por DANIEL FINIZOLA

Em todo o mundo, gerações marcam o tempo através do comportamento, produção musical, teatral e cultural de modo geral. Foi assim com o Club da Esquina em Minas, com a geração de 68 na França, com hippies nos EUA, com a Bossa Nova de Jobim e companhia, só pra citar alguns exemplos. Em Recife, os anos 90 foram férteis no que diz respeito à produção cultural. A geração Manguebeat explodiu como um dos maiores movimentos musicais do Brasil. O som de cheiro tropical com elementos universais conquistou o interesse de uma grande gravadora e, pouco tempo depois, lá estava na novela para todo o Brasil ouvir o som que Pernambuco produzia.

Hoje, quem está na casa dos 30 viveu toda essa efervescência em Pernambuco. Em Caruaru, certamente, muita gente que soma esse tempo de vida já deve ter frequentado ou ouvido falar em um lugar chamado Estação Mangue Barro, não? Então vamos lá! Caso você pegasse uma mototáxi e pedisse ao cara para levá-lo à Estação Mangue Barro, é provável que ele não soubesse. Mas, se você dissesse “me leve no Bar do Rock”, o cara ia dizer logo: “Ah! É aquele lá perto da Fiat, né?” Essa era a forma que as pessoas conheciam o bar que ficava na av. José Rodrigues de Jesus, onde hoje funciona um posto de gasolina. O nome oficial do bar (Estação Mangue Barro), apesar de poucos conhecerem por esse nome, mostrava como Caruaru seguia os ecos do movimento manguebeat e da fase que o rock nacional passava naquele momento. Bandas como Charlie Brown Jr., Raimundos, Planet Hemp traziam um pouco da rebeldia, sarcasmos e cheiro de garagem no som, deixando as expressões musicais mais viscerais.

Foi nesse bar que várias bandas que fizeram e fazem sucesso na cidade surgiram. Lembro que num dia 18 de maio de 1998, Ivan Márcio, vocalista do Sangue de Barro, anunciava no meio de um show o nome da banda. Eu estava lá vibrando e vendo surgir uma das bandas mais emblemáticas da música caruaruense. Muitos que naquele momento faziam parte do Sangue de Barro já eram referências do rock caruaruense. Nato Vila Nova, proprietário do bar, foi fundador da Psych Acid, uma das primeiras bandas de trash da cidade. Ivan Márcio e Mago Gildo já tinham participado de projetos musicais como The Thorn e Tributo à Legião. Sem contar os que sempre chegavam por lá pra dar uma canja: Almir Vila Nova, Rivaldo, Rildo e tantos outros que não me lembro agora. Essa galera, sem dúvida, era referência para a nova geração de roqueiros que surgia na cidade.

Eu era um jovem de 18 anos, cheio de ideias na cabeça com uma guitarra nas mãos, inserido em um movimento que aos poucos adquiria corpo, identidade e saía do underground.

Quer saber mais sobre essa história? Semana que vem tem mais!

daniel finizola

 

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br.

OPINIÃO: Olhos de Bon Vivant

Por DANIEL FINIZOLA

Hoje é dia de falar dos olhos que arrebataram meu coração! Nunca vou esquecer aquele jeitinho tímido, pitada de inocência e humor particular. Começou assim: era meio-dia, sol na moleira, caminhada longa do trabalho para casa. De repente, o celular toca e um convite surge para fazer uma sequência de shows com Isabela Moraes. Pronto! Fiquei logo nervoso e perguntei: quem mesmo?

Contatos foram feitos e marcamos de nos encontrar. Sentamos e muito rapidamente decidimos o roteiro do show. Ela mostrava algumas músicas, decidíamos o tom e no intervalo entre uma coisa e outra me apaixonava por aqueles olhos que falavam a cada nota que colocávamos no violão.

Chegou o dia do primeiro show e lá estávamos nós dois nos conhecendo como artistas. Aos poucos, íamos descobrindo que na nossa relação não cabiam conquistas egoístas, apenas amor, carinho, poesia e sinergia.

Ao terminar o primeiro show, corremos lá pra casa, abrimos uma garrafa de vinho, acendi um incenso, peguei o violão e rapidamente a sinergia virou música nos olhos que precisavam se encontrar. Esse era o resultado ao final de cada show. Belinha acabou virando parceira, amiga, confidente.

Em abril deste ano, ela fez um show convidando vários artistas para dividir o palco no Teatro João Lyra Filho. Carinhosamente, pediu para que eu cantasse uma música que compus com um parceiro no seu show. Lógico que aceitei o convite e fiquei lisonjeado. Foi uma noite de grandes ideias e encontros, coisa que Belinha sabe fazer muito bem. Sempre que encontramos os amigos por intermédio dela, o dia, a noite e a madrugada têm mais luz. Já falei anteriormente aqui que foi nessa noite que surgiu o projeto Anfitrião, aquele que comentei na primeira coluna do “Mosaico Cultural”.

Dias depois desse show, Belinha partiu para Sampa, montou o projeto Bon Vivant com o cantor Paulo Neto e o produtor instrumentista Joan Barros, que também assina a direção do show. Resultado: sucesso, muito sucesso. É um show intimista com canções próprias, bonito, cheio de cor e poesia. Pra quem não conhece o cantor Paulo Neto, vou logo avisando, ele é da terrinha. Pernambucano de Condado, recentemente lançou o seu primeiro trabalho intitulado “Dois Animais da Selva Suja da Rua”.

O projeto já esteve na casa da Musicoteca, na Sala Infinita, Julinho Club, todos espaços que valorizam a criatividade dos novos artistas brasileiros. Depois de quase um ano de projeto, Caruaru finalmente terá a oportunidade de ver o Bon Vivant. Não Perca!!!!

Quando: 15 de dezembro / 17h
Onde: Casa Mágica / Rua Santa Maria da Boa Vista, 215 – Boa Vista I
Preço único: R$ 30
Contato: (81) 9749-7162

daniel finizola

 

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OPINIÃO: Uma lei chamada Rouanet

Por DANIEL FINIZOLA

A Lei Rouanet surgiu em 1991, no governo Collor, com o objetivo de fomentar a produção cultural no Brasil. Na prática, virou um engodo cultural que beneficia a poucos e exclui da produção cultural os que não detêm uma grande estrutura para fazer a captação de recurso.

Seguindo a lógica da Lei Rouanet, é muito pouco provável que uma comunidade quilombola tenha seu projeto cultural aprovado, ou pior, é menos provável ainda que essa mesma comunidade consiga romper com todas as barreiras burocráticas impostas pela lei. Segundo o Ministério da Cultura,  apenas 14% dos recursos oriundos de renúncia fiscal são destinados para atividades como circo, pesquisa fotográfica, capacitação, cultura popular, cultura afro-brasileira, acervo e artesanato. Enquanto isso, consagrados artistas – que conseguem patrocínio facilmente – abocanham milhões via Lei Rouanet!

É bom deixar bem claro que ter seu projeto aprovado pela Lei Rouanet não significa ter a grana para a realização. Tudo vai depender do departamento de marketing da empresa financiadora, pois é este departamento que decide onde será aplicado o dinheiro público. A renúncia fiscal não agrega receita ao Estado e privatiza o recurso que poderia ser utilizado de forma mais democrática, ou seja, tudo funciona dentro de uma lógica neoliberal. Hoje, a Lei Rouanet é mais uma ferramenta de marketing privado, privilegiando uma linha mercadológica, e não funciona como uma ferramenta pública de promoção e inclusão cultural.

Ora, toda grande empresa tem um dinheiro destinado ao marketing. Se ela não investe esse dinheiro no marketing, já que é mais interessante a lógica de mecenato da Lei Rouanet (leia-se renúncia fiscal), para onde vai esse dinheiro? Quem ganha e quem perde com essa lei? Quem são as pessoas que passam a ter acesso à cultura por meio dessa lei? Só pra esclarecer, o Cirque du Soleil recebeu incentivos fiscais da lei e cobra ingressos que ultrapassam R$ 400. Quem pode pagar por esse ingresso?

E as distorções continuam! Ainda segundo o Ministério da Cultura, cerca de 70% do dinheiro proveniente da Lei Rouanet fica nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, sem contar que apenas 5% dos projetos aprovados são realizados. Hoje as empresas cada vez mais trocam a modalidade patrocínio por mecenato.

Na maioria dos casos os editais têm uma linguagem excludente que impossibilita o benefício da lei para grande maioria dos produtores de arte. Na prática, a lei gera mais desigualdade do que política pública de cultura.

Agora vejamos o resultado de anos de Lei Rouanet: apenas 14% dos brasileiros vão ao cinema uma vez por mês, 92% nunca frequentaram um museu, 93% nunca foram a uma exposição de arte, 78% nunca assistiram a um espetáculo de dança, 92% dos municípios não têm cinema. Grave, não?

Visando diminuir essas desigualdades culturais, o governo federal aposta no programa Mais Cultura, que debateremos em outro momento.

Até semana que vem, com o projeto Bon Vivant!

daniel finizola

 

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br.

OPINIÃO: Horizontes quadrados

Por DANIEL FINIZOLA

A arquitetura tem a capacidade de transformar paisagens, disseminar a cultura dos sólidos, imprimindo no concreto versos e histórias. Foi assim que os egípcios despertaram a curiosidade de todo o mundo em torno de suas pirâmides, que gregos e romanos deixaram sua marca nas colunas que sustentam e narram a constituição do mundo ocidental. A poesia da arquitetura leva diariamente centenas de pessoas à casa Batlló em Barcelona para contemplar a genialidade de Gaudí. O mesmo ocorre em Brasília, com seus traços arquitetônicos que parecem flutuar, é mais que patrimônio, é poesia no concreto justificando os diversos formatos que a poesia pode ter.

Além dos livros, o concreto, o ferro, o cimento e as formas falam muito sobre um povo. É partindo dessa perspectiva que venho expressar minha preocupação quanto à história arquitetônica da nossa cidade, que hoje resume-se a alguns poucos prédios preservados. Grandes construções, como a Catedral de Nossa Senhora das Dores, vieram abaixo em nome de uma onda modernista pouco fundamentada, resultando em uma nova construção que não consegue se destacar dentro do contexto em que está inserida. E a coisa vai ficando pior!

O crescimento econômico e a especulação imobiliária que atingiram Caruaru nos últimos anos estão modificando radicalmente a paisagem da cidade. É cada vez mais difícil mirar o horizonte sem uma parede de concreto à sua frente. Para aqueles que estão em seus apartamentos, dependendo do andar que habitam, o horizonte torna-se cada vez menos linear e cada vez mais quadrado. Aos poucos, o azul do céu vai ficando raro no horizonte e para vê-lo é preciso erguer cada vez mais a cabeça.

Não quero dizer que sou contra o desenvolvimento urbano, mas, qual o modelo que estamos adotando e quais as consequências e comportamentos culturais que serão fruto desse padrão? Isso precisa ser estudado urgentemente em nossa cidade. Há um filme argentino, chamado “Medianeras”, que expressa bem quais os efeitos provocados por esses modelos de cidade que Caruaru e tantas outras seguem. Vale a pena conferir!

A história arquitetônica de uma cidade é escrita e reescrita todos os dias a cada prédio erguido ou preservado. É preciso instituir uma política de tombamento dos prédios históricos existentes em nossa cidade e produzir para as gerações futuras novas expressões, espaços de convivência e linhas que possam marcar de forma singular as nossas edificações. Cabe aos gestores públicos e às novas gerações de arquitetos ir além das formas tradicionais de vidro e concreto, inovar, de preferência com sustentabilidade e muita criatividade. Inspirem-se!

daniel finizola

 

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br.

OPINIÃO: Projeto Anfitrião

Por DANIEL FINIZOLA

Todas as vezes em que vamos falar sobre a cultura caruaruense logo vem aquele bairrismo recheado de expressões como Vitalino, Condé e tantos outros. Sem dúvidas, grandes expressões artísticas e culturais do nosso povo, que ajudaram a disseminar com barro, letras e músicas o que é esse “País de Caruaru”.

E o que estão fazendo os artistas de hoje? Tenha certeza que eles estão revolucionando. Tornando a cultura caruaruense cada vez mais integrada com a dimensão social e econômica que a cidade adquiriu nos últimos anos.

Nesse texto, vou usar a música como exemplo dessa revolução. Basta você escutar trabalhos como os de Rogéria, Erisson Porto, Valdir Santos, Joanatan Richard para perceber que Caruaru agora tem mais que barro em suas expressões culturais. Rogéria canta um “Futuro em Cores”, enquanto Valdir revela seu “Caniço Pensante”. Composições brilhantes, as quais mostram a pujança e a criatividade que marca essa cidade que nunca teve crise de criação.

Para melhorar ainda mais, essa turma resolveu se unir em torno de um projeto denominado de Anfitrião. Algo que vem surpreendendo e dando exemplo de que esse jeito caruaruense de fazer música é grande e merece ir muito além do “País de Caruaru”. Tudo começou com o show de Isabela Morais, que convidou vários artistas da cidade para compor sua apresentação no Teatro João Lyra Filho no início deste ano. Ao final do show, nos bastidores, todos perceberam que uma ideia foi lançada, faltava nomeá-la. Logo veio a expressão: Anfitrião. A exemplo do que aconteceu com Isabela, Pablo Patriota subiu ao palco e chamou os amigos de viola e canto. Resultado? Sucesso de público. Em seguida, vieram os shows de PC Silva e Carlinhos, Valdir e Almério.

Para fechar e consolidar a temporada 2013, todos os artistas estarão reunidos dia 21, às 20h, no teatro do Sesc, celebrando a música caruaruense. Não perca!

daniel finizola

 

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br.