Opinião: O (des)controle urbano no Município de Caruaru

Por Marcelo Rodrigues

O controle administrativo das edificações urbanas é um instrumento de tutela preventiva de direitos difusos, sociais e individuais indisponíveis por meio do qual se verifica se há observância às regras de ordenação de uso e ocupação do solo, editadas para traduzir o interesse público quanto à melhor destinação dos espaços, levando em conta as condicionantes físico-ambientais, as características socioeconômicas locais e as aspirações de desenvolvimento do Município.

Para um eficaz exercício deste poder-dever do Município, impõe-se, no plano institucional, a estruturação de um processo administrativo de licenciamento e acompanhamento de construções, ampliações, reformas e demolições bem como ações de vigilância contra obras clandestinas.

Por serem atividades que intervêm com a ordenação urbana, qualquer construção, ampliação, reforma ou demolição precisa ser previamente licenciada pelo Poder Público Municipal. A licença é comumente chamada de “alvará” de construção, reforma, ampliação ou demolição.

Grandes empreendimentos como shopping centers, escolas, universidades, negócios habitacionais de vulto, rodovias urbanas, loteamentos, condomínios fechados, construções que causem impacto visual significativo na paisagem urbana, assim como as atividades geradoras de poluição sonora ou que emitam ondas eletromagnéticas e/ou gases poluentes, por serem potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente e da qualidade de vida urbana, precisam previamente se submeter a estudo de impactos no ambiente urbano, especialmente na vizinhança (Constituição Federal, artigo 225, § 1º, IV; Lei da Política Nacional de Meio Ambiente – Lei Nacional 6.938/1981, artigo 8º, II; Estatuto das Cidades – Lei Nacional 10.257/2001, artigo 4.º, VI e artigos 36 e 37).

Trata-se de etapa do procedimento de licenciamento de empreendimento e/ou atividade na qual se avaliarão os impactos positivos e negativos do empreendimento ou atividade na qualidade de vida da coletividade que reside na vizinhança, abrangendo, no mínimo, os aspectos adensamento populacional, equipamentos urbanos e comunitários, uso e ocupação do solo, valorização imobiliária, geração de tráfego e demanda por transporte público, ventilação e iluminação, paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.

Enfim, os Estudos de Impacto de Vizinhança e os Estudos de Impactos Ambientais e seus respectivos Relatórios (EIV e EIA-RIMA) são instrumentos para se analisar se a edificação projetada e/ou a atividade que nela se desenvolverá poderá causar efeitos nocivos à dinâmica da cidade, como, por exemplo, adensamento excessivo, além da capacidade de suporte da infraestrutura e equipamentos, aumento de tráfego, emissão de ruídos e/ou de gases poluentes, etc. Emerge daí o valor desses instrumentos na tutela preventiva dos direitos à saúde, ao meio ambiente e à cidade, especialmente em suas dimensões de direito à mobilidade urbana, saneamento ambiental, moradia e trabalho.

Mesmo previamente licenciadas, as obras urbanas precisam ser fiscalizadas durante a sua execução, para assegurar-se de sua conformidade ao alvará expedido. O fiscal que inspecioná-las lavrará termo de ocorrência das irregularidades que constatar, encaminhando-o à autoridade superior, a qual, se for o caso, expedirá auto de infração e intimará o interessado para regularizar a construção, isso quando os gestores municipais têm interesse no equilíbrio sustentável, na qualidade de vida das pessoas da presente e das futuras gerações.

Depois de terminada, o Poder Público Municipal terá que verificar se a edificação foi executada em conformidade com o projeto previamente aprovado. Confirmada a regularidade, expedir-se-á a licença respectiva (“habite-se”, “certificado de conclusão de obra”, “atestado de conclusão”, etc. – a terminologia varia de acordo com a legislação de cada Município).

Além da licença que certifica a conformidade da edificação com o projeto previamente aprovado, podem ser exigidas, de acordo com a atividade que será desenvolvida no local, outras licenças complementares como o alvará de funcionamento e alvará sanitário, entre outros.

Verificando-se a ocorrência de obra clandestina (sem prévia licença) ou executada em desconformidade com a licença expedida, cumpre ao Poder Executivo Municipal embargá-la, isto é, ordenar a paralisação dos trabalhos, interditar atividades que se desenvolvam no local, bem como proceder à demolição compulsória nos casos em que não for possível a regularização.

Há a possibilidade também de previsão de sanções pecuniárias (multas) pela inobservância das regras de uso e ocupação do solo. Tudo conforme disposto na legislação local (geralmente denominada de “Código de Obras” ou a Lei de Uso e Ocupação do Solo – LUOS).

Omissões ou atuações insuficientes do Poder Público Municipal no cumprimento dessa função, tolerando indevidamente construções clandestinas e com irregularidades insanáveis, concorrem para a perda de qualidade de vida, impulsionam a degradação das cidades, gerando enormes transtornos à coletividade. Sendo assim, e por sua grande relevância para o atendimento ao direito difuso a cidades socialmente inclusivas, ambientalmente equilibradas e economicamente sustentáveis, o exercício da função administrativa de controle das edificações urbanas é objeto de fiscalização pelo Ministério Público, quando este também exerce suas funções constitucionais e seguem sua Lei Orgânica, contribuindo para uma cidade para o cidadão.

Em meio às ponderações lançadas, ficam as indagações acerca do tema em questão: Como a gestão do Município de Caruaru pode construir em áreas de APP – Área de Preservação Permanente (Rio Ipojuca)? – Como se justifica a determinação de demolição de um patrimônio celebrado no Plano Diretor da Cidade – Vila do Forró? Como permite construções de alto impacto na cidade sem as compensações exigidas na lei?