Microcefalia no Nordeste tem diagnósticos errados e atrasados

Da Folha de S. Paulo

Na sala de parto, Eliane estranhou a ausência do filho recém-nascido. Assim que chegou ao mundo, o menino teve uma convulsão e, enrolado num pano, foi retirado rapidamente do quarto.

Assustada, a mãe perguntou se ele estava vivo. “Ué, você não viu que ele chorou?”, respondeu uma enfermeira.

O alívio durou pouco. “Me levaram para outra sala. Lá, chegou uma médica de um jeito muito desumano e disse: Você sabia que seu filho não tem cérebro?”, conta.

“Tomei um choque. Quando ela disse isso, eu dei meu filho por morto”, relata.

A pergunta expressa o susto e a falta de preparo de muitos profissionais de saúde diante de um surto que tem intrigado especialistas.

Poucas horas depois do parto, o bebê de Eliane foi diagnosticado com microcefalia, má-formação do crânio que pode levar a problemas no desenvolvimento cognitivo e motor da criança.

“No momento em que eu o vi, perdi o chão. Tinha feito ultrassom, dez consultas, e não sabia. Chorei bastante.”

Casos como esses, antes raros, têm ocorrido com mais frequência nos últimos três meses no Nordeste. Em Pernambuco, por exemplo, são mais de 141 casos de microcefalia em recém-nascidos registrados desde agosto. Antes, eram nove ao ano. Também houve aumento nos registros no Rio Grande do Norte, Paraíba, Sergipe e Piauí.

A situação fez com que o Ministério da Saúde decretasse um alerta de emergência de saúde pública. A medida visa reforçar a vigilância e agilizar a obtenção de recursos para as ações.

A primeira delas é organizar a rede de atendimento.

No Recife, primeira capital a registrar casos, a recomendação é de que bebês e mães sejam encaminhados para o Imip (Instituto de Medicina Fernando Figueira) e HUOC (Hospital Universitário Oswaldo Cruz), referências em assistência e pesquisa.

A notícia do surto, no entanto, tem feito com que mães procurem esses locais por conta própria.

Ao ver na TV sobre os casos, Mirele (nome fictício) chegou ao HUOC às lágrimas na última sexta. Há dois meses, assim que o filho nasceu, o pediatra disse que tinha achado a cabeça do menino “pequenininha” –o perímetro medido era de 30 cm.

O Ministério da Saúde define como microcefalia casos em que o perímetro da cabeça é igual ou menor a 33 cm.

Mirele diz que teve manchas na pele no início da gravidez, sintoma alegado por parte das mães cujos filhos nasceram com a condição.

NOTÍCIA PRÉVIA

Enquanto algumas são surpreendidas pelo diagnóstico após o parto, outras recebem a notícia durante a gestação.

Nem sempre da melhor forma. Com oito meses de gravidez, a dona de casa Girlândia Silva, 29, recebeu o aviso: um exame havia apontado que seu bebê era anencéfalo.

“Disseram que não tinha a calota craniana e que só iria viver 24 horas”, conta.

O diagnóstico foi corrigido e confirmado após o nascimento. “Era microcefalia.”

Emilly ficou um dia na UTI. Exames a deixaram por mais 13 no hospital. Agora, são feitos toda semana. A princípio, não há danos confirmados.

Nove a cada dez casos de microcefalia estão associados a deficiências mental.

“Médicos falam que será uma criança especial, que pode ou não ter deficiência. Tento não pensar nisso, mas não consigo”, diz Girlândia.

ALTA EM PERNAMBUCO

O aumento rápido de casos de microcefalia também vem deixando assustados profissionais de saúde já acostumados a diagnosticar o problema.

“Cheguei um dia no hospital e tinha três casos na UTI com microcefalia. E, na outra semana, foram cinco casos seguidos. É uma coisa fora do comum”, relata a neurologista infantil Vanessa van der Linden, uma das primeiras a identificar o surto.

O principal impasse é a falta de explicações confiáveis para o aumento dos registros.

Em geral, casos de microcefalia podem estar ligados tanto a transtornos hereditários quanto a fatores externos, como uso de drogas na gestação, exposição à radiação e contato com bactérias e vírus.

“Chama a atenção a dispersão, com 44 municípios [de Pernambuco] com casos”, diz Carlos Brito, pesquisador da Fiocruz.

Em Pernambuco, os primeiros resultados das tomografias já realizadas sugerem uma infecção congênita -ou seja, passada da mãe para o bebê.

Exames prévios, no entanto, têm tido resultados normais para algumas causas frequentemente apontadas para a microcefalia, como toxoplasmose e citomegalovírus.

Parte das suspeitas têm recaído ao zika vírus, doença identificada neste ano no Brasil como uma nova “prima” da dengue, transmitida pelo mesmo vetor da primeira.

Segundo Luciana Albuquerque, secretária-executiva de vigilância sanitária de Pernambuco, algumas mulheres relataram manchas vermelhas na pele durante a gravidez.

O sintoma é um dos que caracterizam a zika, mas também pode estar relacionado a outras doenças.

Para Brito, é precipitado atribuir os casos a um fator específico sem analisar todos os exames.