Esquerda volta à encruzilhada da polarização e da união

Folha de São Paulo

O debate sobre rumos da esquerda no Brasil não poderia acontecer em momento mais oportuno.

A cada vez mais antecipada queda do premiê italiano Matteo Renzi depois do referendo constitucional do dia 4 de dezembro poderá deflagrar um processo potencialmente irreversível de desagregação do projeto europeu.

Em outras palavras, o começo do fim do mais importante projeto social democrata no pós-guerra.

Inédita, a crise atual merece um paralelo histórico com a crise das esquerdas do final da década de 1910. Em Berlim, a Liga Espartaquista se insurgiu contra o governo do Partido Social Democrata de Friedrich Erbert, alegando a legitimidade superior dos conselhos ao voto democrático. Erbert respondeu lançando os paramilitares da Freikorps contra Rosa Luxemburgo e outros líderes do movimento.

O conflito aberto da esquerda contribuiu decisivamente para a polarização da sociedade alemã. Estavam criadas as condições para a emergência dos movimentos fascistas da década de 1930.

A esquerda volta a se encontrar na encruzilhada da polarização e da união.

Ela aborda essa fase crucial desposada dos seus artefatos simbólicos e dos seus instrumentos de mobilização de massa.

A ideia de Estado parece ter sido confiscada pelos conservadores, que a tornaram indissociável do etnonacionalismo. Os sindicatos entraram em situação de obsolescência, incapazes de mobilizar a geração de jovens vivendo em situação precária.

No entanto, existem dinâmicas que, somadas, parecem indicar um novo caminho.

Primeiro, a plataforma audaciosa do movimento espanhol Podemos, que mescla propostas clássicas do campo progressista –a defesa dos serviços públicos e da redistribuição social– com demandas ajustadas aos protestos desencadeados pela crise financeira global de 2008 –aprofundamento da democracia e maior transparência nas estruturas do poder político e econômico. Essa plataforma tem servido de balcão de ideias para os partidos sociais democratas em busca de renovação.

Segundo, novos movimentos sociais, que na sua origem serviam de canal de comunicação entre uma social democracia cada vez mais tecnocrática e as suas bases, estão se emancipando para dar novo impulso ao ativismo social.

Na África do Sul, o ex-líder juvenil do partido hegemônico de Nelson Mandela, o African National Congress, lançou o movimento Economic Freedom Fighters. Julius Malema, nas palavras do filósofo Achille Mbembe, voltou a fazer da política sul-africana um “carnaval de Rabelais”.

Terceiro, uma nova geração começa a se apropriar das redes sociais para lançar novas dinâmicas coletivas, como a Primaire de Gauche, movimento francês a favor de prévias abertas aos simpatizantes de esquerda. Essas iniciativas mostraram ser capazes de trazer de volta para a política acadêmicos, artistas e empreendedores desencorajados com o sistema partidário tradicional.

Dinâmicas semelhantes estão se desenvolvendo dentro da esquerda brasileira. Resta saber se as suas lideranças conseguirão realizar a síntese e concretizar a ambição de uma candidatura única para as presidenciais de 2018. Se fracassarem, elas ficarão com uma enorme responsabilidade nas mãos.

Lula critica ação policial e quer frente de esquerda

Folha de S.Paulo

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva manifestou repúdio à operação da Polícia Militar que, nesta sexta-feira (4), resultou em confronto com militantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) na escola Florestan Fernandes.

A instituição, sediada em Guararema (SP), é ligada do MST e, neste sábado (5), recebeu um evento em solidariedade ao grupo.

“A gente tem que se preocupar mais com os movimentos sociais, porque se a moda de criminalizar pessoas pega…”, disse Lula, vestido com um boné do movimento.

“Há um processo de criminalização da esquerda nesse país, em que as instituições estão totalmente desmoralizadas, o país perdeu a autoridade.”

O ex-presidente disse que o caso dele, que é réu em três ações (duas delas no âmbito da Operação Lava Jato), é “o de menos”. “Eu tenho casco de tartaruga, 71 anos de idade.”

Depois de uma fala repleta de temas ligados à política externa –ele citou negociações de que participou quando estava na Presidência, de acordos com o Irã ao fim da Alca, das eleições na OMC a negócios com países africanos e o Mercosul–, Lula defendeu a formação de uma frente política de esquerda.

“Esse momento de solidariedade ao MST, com tanta gente que veio para cá, é a hora de começar a construir uma coisa mais forte, de cada um deixar seus probleminhas de lado”, defendeu.

“Não é partido, entidade, é um movimento, como foi o das Diretas. Precisamos criar um movimento para restabelecer a democracia no país. Somos um país grande demais para termos um governo eleito por uma Câmara de forma ilegal.”

A formação de uma frente de esquerda, segundo Lula, “unificaria o país” e superaria a “torre de Babel que existe hoje, em que cada um fica gritando no seu canto”.

O petista criticou o governo Temer. Citando a “PEC 151 [em referência à PEC 241, que estabelece um teto de gastos para o governo federal]”, ele afirmou que “eles vão efetivamente destruir o que nós construímos no Brasil”.

“Os adversários foram mais fortes que a gente, enquanto a gente ficou gritando ‘Fora, Temer’, eles foram lá e tiraram a Dilma. Fizeram o golpe, mas não vão parar por aí”, disse. “Tem razões políticas, econômicas e ideológicas nesse negócio”

Para Humberto, novo mínimo sinaliza governo Dilma mais à esquerda

Assinado nesta terça-feira (29) pela presidenta Dilma Rousseff, o decreto que define o novo valor do salário mínimo para 2016 demonstra que o governo está em sintonia com uma agenda mais à esquerda.

A avaliação é do líder do PT no Senado, Humberto Costa, segundo quem a manutenção da política de valorização do salário mínimo é uma vitória contra uma corrente mais ortodoxa que existe no governo.

“Havia uma pressão para que abandonássemos os ganhos que os trabalhadores vinham tendo desde a gestão do presidente Lula, com aumentos reais no salário mínimo”, explica Humberto. “Mas Dilma não cedeu a isso, mostrou de que lado está e elevou, a partir de 1° de janeiro de 2016, o valor para R$ 880,00, em respeito a essa agenda social que mudou a realidade brasileira.”

A nova quantia é R$ 92,00 maior do que o piso pago em 2015, que é de R$ 788,00. A decisão beneficia cerca de 40 milhões de trabalhadores e aposentados, que atualmente recebem o piso nacional.

Esquerda está sendo perseguida como os judeus pelos nazistas, afirma Lula

Da Agência Brasil

O ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem (24) que a esquerda brasileira está sendo perseguida como os judeus foram perseguidos pelos nazistas e os cristãos pelos romanos, e criticou setores do país que, segundo ele, não aceitaram a vitória nas urnas da presidente da República, Dilma Rousseff.

“Quero dizer para vocês que estou cansado de mentiras e safadezas, estou cansado de agressões à primeira mulher que hoje governa esse país. Estou cansado com o tipo de perseguição e criminalização que tentam fazer à esquerda desse país. Parece os nazistas criminalizando o povo judeu e romanos criminalizando os cristãos”, disse, em discurso na posse da diretoria do Sindicato dos Bancários do ABC, em Santo André.

“Nunca tinha visto na vida pessoas que se diziam democráticas e não aceitaram uma eleição que elegeu uma mulher presidente da República”, acrescentou.

O ex-presidente lembrou de realizações de seus governos, como o ingresso de milhares de estudantes no ensino superior e a ascensão econômica de milhões de pessoas.

“Eles não suportam que um metalúrgico quase analfabeto tenha colocado mais gente na faculdade do que eles, não suportam que a gente não deixou privatizar o Banco do Brasil e comprou a Nossa Caixa e o Banco Votorantim”, disse Lula.

“Eu, sinceramente, ando de saco cheio. Profundamente irritado. Pobre ir de avião começa a incomodar; fazer faculdade começa incomodar; tudo que é conquista social incomoda uma elite perversa”, acrescentou o ex-presidente.

Lula disse ainda estar otimista com o futuro do país e compreender a apreensão de parte da população com o desemprego e com a inflação, mas ressaltou que o cenário já esteve pior.

“A inflação está 9%, com perspectiva de cair. Quando eu peguei esse país, a inflação estava a 12%, o desemprego a 12%”, declarou ele.

“Não é porque a criança está com febre que vamos enterrá-la”, concluiu Lula.