Cristovam Buarque: “A democracia entrou em crise”

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Na opinião do senador, PT é responsável pela “desmoralização” da esquerda no país (Foto: Agência Brasil)

Por CAROL BRITO
Da Folha de Pernambuco

No primeiro governo do ex-presidente Lula, uma foto do líder petista com crianças carentes no bairro de Canaã, em Caruaru, chamou a atenção do então ministro da Educação, Cristovam Buarque, que também foi ao encontro daqueles garotos, na época. De volta à Brasília, enviou uma carta ao chefe do Executivo ponderando que ele não tinha responsabilidade pela situação, mas que carregaria este peso por dez anos, se não adotasse medidas para melhorar a vida da população. No último fim de semana, Buarque voltou a Canaã e percebeu que os 13 anos do Governo do PT não mudaram a realidade local. Hoje, não poupa criticas ao PT, que considera responsável pela “desmoralização” da esquerda no País.

O que nos levou a essa crise?
Tem duas maneiras de analisar. Uma do ponto de vista histórico, estrutural. Outra do ponto de vista conjuntural, político. Do ponto de vista histórico e estrutural, eu venho há um bom tempo dizendo que se esgotou esse modelo que começamos em 1994 com o Governo do Itamar, e que atravessou Fernando Henrique, Lula e Dilma. Esse modelo do Brasil, diferente dos anos 1930 e dos militares, tinha quatro pilares de sustentação e que fizeram muito bem ao Brasil: a democracia, a estabilidade monetária, o compromisso com o crescimento econômico, baseado no agronegócio e nas indústrias do metal mecânica, e a generosidade das transferências de renda, que começam com o Sarney, mas que se consolidam com Fernando Henrique com o Bolsa Escola e o Lula com o Bolsa Família. Os quatro entraram em crise. Isso eu já venho dizendo. A democracia entrou em crise. A juventude está sem utopia e os partidos sem ideologias. Nós também temos uma Constituição e leis que obrigam a gastar mais, mesmo em crise e sem dinheiro. A transferência de renda se esgotou duplamente, porque não conseguimos tirar as pessoas da pobreza, apenas mantemos as pessoas pobres. Não se criou uma porta de saída e o custo disso é muito alto.

Qual a responsabilidade do atual Governo?
O fato de a crise estourar agora é consequência das irresponsabilidades da condução econômica em 2014 e no final de 2013. Em 2011, eu disse que a economia estava bem. Mas não estava. Ela estava bem com emprego alto, inflação controlada. Mas havia pontos que levavam ao desequilíbrio e desajuste, mas ninguém levou a sério. Um governo arrogante, uma cegueira do otimismo do Guido Mantega e da Dilma. Continuaram com desonerações fiscais altíssimas, insuflando o consumo e o endividamento. A poupança caindo, porque as pessoas consumiam e não poupavam. Era óbvio que ia acontecer isso. Agora, some-se a isso o fato que em 2014, além das irresponsabilidades de Dilma, ela cometeu um desvario na política econômica, prometendo coisas que não ia conseguir fazer e acusando os opositores de fazer o que ela agora faz. Temos a crise do modelo, na estrutura e a crise econômica do desajuste criado pelo governo. É uma crise séria de credibilidade de uma presidente que já se elege com 12 anos de um projeto político. Some-se a isso Lava Jato e a descoberta de que o PT, partido que veio para acabar com a corrupção, estava sendo mais corrupto que os outros.

Somente o Impeachment consegue solucionar uma crise tão estrutural?
Não. O impeachment não resolve, salvo um ponto que pode resolver, que é a credibilidade. Mas esse é um ponto muito pequeno de uma crise com muitos problemas estruturais. A saída dela pode trazer a credibilidade, mas não tenho tanta certeza. Eu estive com ela, faz um mês. Eu tentei fazer com que o Fernando Henrique e o Lula se encontrassem, mas não deu certo. E, finalmente, ela fez encontro com um grupo que chamo de senadores independentes. Nós levamos a proposta para que ela fosse a “Itamar” dela própria. Hoje, eu acho difícil. Nossa proposta era que ela fosse ao Congresso fazer um discurso, que ela reconhecesse os erros da condução do governo e da campanha, que ela dissesse que não é mais do PT, mas do partido do Brasil, que ela tem mais três anos e precisa de ajuda, inclusive, da oposição. Mas ela não fez. Ela fez o contrário e está virando presidente do PMDB. Não é um bom caminho. O Temer assumindo pode começar a recuperar a credibilidade, mas a crise ainda é estrutural. Vamos precisar de um debate mais profundo e isso vai levar muitos anos. Vamos levar muitos anos para reestruturar o Brasil.

Muito se fala da qualidade do Congresso em períodos como esse.
O Congresso já passou por isso, mas tínhamos o chamado Congresso dos Cardeais com Ulysses Guimarães, Tancredo Neves e Miguel Arraes que, na hora H, se reuniam e discutiam. Hoje, não temos cardeais, não temos nem bispo. Não temos lideranças. Temos pessoas que têm liderança, domínio e que se impõem, mas não têm liderança. Hoje, eu estou pessimista em relação ao trabalho dos parlamentares. Não é a qualidade das pessoas, mas dos partidos, das ideias, das pessoas. A entidade Congresso está órfã de ideais, proposta, de rumo. Todos pensando no imediato da próxima eleição e nos grupos que eles representam. Como se não houvesse 2016, 2018, 2020.

Como o senhor vê a posição PDT?
Meu partido só não é pior do que os outros. Não está bem, foi um erro grave ter entrado no governo Lula em 2006/2007. Em 2006, eu fui candidato a presidente, mas, em novembro, Lula chamou o Lupi e eu fui contra. O PDT poderia ser o partido da alternativa para o Brasil. Durante muito tempo, o Brasil ficou dividido entre o socialismo estatizante e o capitalismo liberal. O trabalhismo de Brizola e Goulart, o trabalhismo nem era estatizante, nem era do lado do capital. Era outra visão. De respeito ao lucro, ao trabalhador. É o primeiro ponto que nos faz atual. O capitalismo mostrou seus defeitos e o socialismo estatizante ninguém quer. O PDT poderia ser esse partido, mas ao entrar no Governo Lula, viramos um puxadinho do PT. Perdemos ideologia, perspectiva, é cada um por si. No Senado, nunca votamos juntos. Você não sabe o que nos une. É um partido que perdeu a identidade. Tem uma coisa boa: não entrou na Lava Jato. Agora, um dia desses, os deputados disseram que não estavam, mas já vi que estão discutindo dar um ministério para André Figueiredo. Isso não é certo e a gente está pagando o preço do processo eleitoral. O PDT deixou Brizola e Darcy Ribeiro em troca de ministério. É muito triste isso.

O senhor vê Ciro Gomes como alternativa do PDT para 2018?
Me perguntaram isso no Ceará e eu respondi que o PDT estava tão ruim que nem o Ciro piorava. Eu não vejo, sinceramente, como uma conquista boa para o partido. Ele é um político de votos, sem dúvida. Do ponto de vista ideológico, postura para o futuro, eu não vejo (como candidato). Acho Ciro atrasado em postura e não me parece ser um homem de diálogo como a gente precisa, para levar o País adiante. Se houver possibilidade, eu disputo com ele para ser o candidato. Eu não acredito que prevaleça, creio que já está arrumado. Eu acho que a entrada dele no PDT é o resultado de uma aliança do Lupi com o Lula e Ciro. Eu tenho impressão que Lula tem duas estratégias. Na primeira, a Dilma sai, ele vai para oposição ao Temer com discurso demagógico e críticas duras, dizendo que fez diferente. Não acho que o Lula se acabou, ele pode ressuscitar pela falta de alternativas. Se ele se complicar com a Lava Jato, ele pode ser o candidato. Se o PT estiver muito desgastado, ele funde o PT com PDT e PCdoB para fazer um novo partido. Ele pode dizer que o PT não acabou, mas não é mais o PT. E, se nada der certo, eles podem apoiar o Ciro. Eu topo lutar contra isso, mas não sou ingênuo de achar que ganho.

Natural do Rio de Janeiro, é jornalista formado pela Favip. Desde 1990 é repórter do Jornal VANGUARDA, onde atua na editoria de política. Já foi correspondente do Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Portal Terra.

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