Folha de S.Paulo
Às vezes, o saber que não se sabe é tão importante quanto aquilo que se sabe. Em outras palavras, a ignorância é coisa valiosa. Depois de uma eleição, é comum e até mesmo saudável que se produzam explicações, quase sempre lógicas, aparentemente definitivas. Assim:
O PSDB e Geraldo Alckmin foram os grandes vencedores da eleição municipal.
Abatido pelos próprios malfeitos, o PT arruinou-se e, com ele, a esquerda, seja lá o que isso signifique. A eleição de 2016 marca a ascensão de uma maré conservadora na vida nacional.
Essas três conclusões estão certas. O problema surge quando, a partir delas, projeta-se o futuro. Voltando-se o relógio para 2012 pode-se visitar a sabedoria da ocasião.
Entre o primeiro e o segundo turno da eleição municipal, o Supremo Tribunal Federal julgou o processo do mensalão, José Dirceu foi condenado e semanas depois foi para a cadeia de braços erguidos e punho fechado.
O PT saiu da eleição como o partido mais votado do país, e Fernando Haddad elegeu-se prefeito de São Paulo. Seria uma boa aposta para uma futura eleição presidencial. Se não fosse ele, poderia ser o petista Luiz Marinho, ex-ministro da Previdência e do Trabalho, reeleito para a prefeitura de São Bernardo do Campo. Na ponta do PMDB, Eduardo Paes reelegeu-se prefeito do Rio de Janeiro, com perto de dois terços dos votos. Vinham por aí a Copa do Mundo e, acima de tudo, a Olimpíada. Seria uma boa aposta para o governo do Estado em 2018, ou, quem sabe, para a Presidência da República. Por via das dúvidas, ele lançava um candidato a vice de Dilma Rousseff, na vaga de Michel Temer. Era o governador Sérgio Cabral, nos dedos de cuja senhora brilhavam os diamantes da Van Cleef presenteados por Fernando Cavendish, o bem-aventurado empreiteiro da Delta.
Esse era o mundo de 2012, e todas as projeções pareciam lógicas. Lava Jato era o nome que se dava aos lugares onde se lavavam carros, Sergio Moro era um juiz que ficara a pé na investigação das roubalheiras do Banestado, a Operação Castelo de Areia, onde a Camargo Corrêa fora apanhada pela Polícia Federal, virara pizza no Superior Tribunal de Justiça e Teori Zavascki era juiz que acabara de ser indicado para o Supremo. Sabia-se dele que falava pouco.
Deu tudo errado. Passados quatro anos, Lula, o fabricante de postes, nem sequer foi votar no segundo turno, o PT foi moído, Dirceu está conformado na cadeia, Cavendish entregou ao Ministério Público a nota fiscal do anel de madame Cabral, o presidente da República chama-se Michel Temer e Dilma Rousseff também não votou no segundo turno de Porto Alegre.
As projeções lógicas de 2012 tinham nexo, mas não tiveram futuro. As de 2016 também parecem razoáveis. Falta lembrar que vem por aí a colaboração da Odebrecht, com mais de 50 narrativas e o rastro da supercaixa do tucanato. Isso e mais a da OAS. Provavelmente, também a de Eduardo Cunha. O poderoso PSDB é o convidado de honra em todas elas. Além disso, é condômino do governo de Michel Temer, que disputa a marca de impopularidade de Dilma Rousseff. No fundo, todas as previsões são exercícios de sabedoria, mas não se deve menosprezar a eterna ignorância dos viventes em relação ao futuro.