Fábio Medina Osório, demitido do posto de advogado-geral da União após discutir com o chefe da Casa Civil Eliseu Padilha, levou os lábios ao trombone. Disse à revista Veja que foi mandado para o olho da rua porque decidiu cobrar de empreiteiros e políticos envolvidos na Lava Jato o ressarcimento ao erário do dinheiro público roubado. “O governo quer abafar a Lava Jato”, declarou o agora ex-ministro. “Tem muito receio de até onde a Lava Jato pode chegar.”
Na versão de Fábio Medina, seu estranhamento com Padilha começou há cerca de três meses, quando a Advocacia-Geral da União foi à Justiça contra as construtoras enroladas no petrolão. Na sequência, o doutor pediu e obteve no Supremo Tribunal Federal acesso aos inquéritos em que figuram como protagonistas políticos que lambuzaram no petróleo. A maioria deslizou suavemente do apoio ao governo Dilma Rousseff para o condomínio que dá suporte congressual à gestão de Michel Temer.
Fábio Medina planejava mover contra os políticos ações por improbidade administrativa, com pedidos de bloqueio de bens. Obteve na Polícia Federal a lista dos seus primeiros alvos —14 parlamentares e ex-parlamentares, dos quais 11 estão integrados ao bloco governista. São três do PMDB: Renan Calheiros, presidente do Congresso, Valdir Raupp e Aníbal Gomes; oito do PP: Arthur Lira, Benedito de Lira, Dudu da Fonte, João Alberto Pizzolatti Junior, José Otávio Germano, Luiz Fernando Faria, Nelson Meurer e Roberto Teixeira; e três do PT: Gleisi Hoffmann, Vander Loubet e Cândido Vaccarezza.
Responsável pela indicação de Fábio Medina para a chefia da AGU, Eliseu Padilha chamou-o para uma conversa no seu gabinete, no quarto andar do Palácio do Planalto, na noite de quinta-feira. Após discutirem, o chefe da Casa Civil demitiu o interlocutor. Travaram o seguinte diálogo, de acordo com o relato do demitido:
— Pois é, Padiha, a sua opção é equivocada. Se nada for feito, o governo vai acabar derretendo.
— Você está me ameaçando?
— De jeito nenhum. Você está me demitindo porque estou fazendo a coisa certa.
Fábio Medina manifestou o desejo de conversar com Michel Temer. E Padilha, em timbre peremptório:
— Não, ele não vai falar com você.
Temer só conversaria com o doutor na sexta-feira. Pelo telefone, confirmou a demissão que Padilha anunciara na véspera. Medina refere-se a Temer de forma respeitosa: “Ele é uma pessoa que admiro muito, elegante, bem-intencionado, quer fazer o bem para o Brasil, ao contrário do Padilha.”
Autorizado pelo ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no Supremo, a apalpar os dados disponíveis nos inquéritos, Medina esbarrou no que parecia ser a tarefa mais simples. Precisava copiar os processos num HD. A tarefa estava a cargo da advogada Grace Fernandes Mendonça, que demorava a executá-la. Ela alegava, sempre segundo a versão de Medina, que não conseguia encontar o aparelho necessário, um HD externo.
Medina enxerga as digitais do chefe da Casa Civil na protelação. “Me parece que o ministro Padilha fez uma intervenção junto a Grace Mendonça, que, de algum modo, compactuou com essa manobra de impedir o acesso ao material da Lava Jato”, acusou o demitido. Consumada a demissão, quem vai à chefia da AGU uma mulher. Justamente a doutora que não conseguiu providenciar o HD.
A troca foi formalizada num comunicado curto da Secretaria de Comunicação Social da Presidência. Diz o texto: “O presidente Michel Temer convidou hoje para ocupar o honroso cargo de advogado-geral da União a doutora Grace Maria Fernandes Mendonça, distinta profissional e servidora de carreira daquele órgão. O presidente agradece os relevantes serviços prestados pelo competente advogado doutor Fábio Medina Osório, que deixa o cargo.”
Com a cabeça já separada do pescoço, Medina foi crivado de menções desairosas feitas por auxiliares de Temer. Em privado, o “competente advogado” foi chamado de gestor relapso. Os “relevantes serviços prestados” viraram pó em relatos que incluíam uma suposta barbeiragem de Medina, cuja imperícia retardou a troca de comando na EBC, a Empresa Brasil de Comunicação.
Fábio Medina não se dá por achado. Ele assegura que Eliseu Padilha lhe havia informado que sua decisão de perscrutar os políticos da Lava Jato “tinha causado desconforto” no governo. O chefe da Casa Civil dizia que “não era o papel da AGU.” Algo de que o demitido discorda: “Expliquei que não podia me omitir. Poderia ser acusado de prevaricação. Percebi, depois disso, que virei alvo de ataques, intrigas e fuxicos que saíam do próprio palácio.”
Mas, afinal, cabe mesmo à AGU ajuizar pedidos de ressarcimento em escândalos como o petrolão? “Claro”, responde Fábio Medina. “Por força da lei, a AGU tem a obrigação de buscar a responsabilizaçãoo de agentes públicos que lesam os cofres federais. A AGU é um órgão de Estado, deve atuar à luz dos princípios que regem a administração pública, quais sejam, impessoalidade, moralidade, eficiência, legalidade. Ou seja, não é vinculada a critérios de conveniência e oportunidade, muito menos a parâmetros políticos ou discricionários do governo.”
O que o ministro demitido afirma, com outras palavras, é o seguinte: Eu queria cumprir com a minha obrigação. Mas o ministro Padilha, hoje o mais influente auxiliar do presidente da República, quis me forçar a prevaricar, em nome da tranquilidade que o governo precisa assegurar aos políticos suspeitos que o apoiam no Congresso. Tudo isso apenas dez dias depois da efetivação de Michel Temer no cargo de presidente da República.