A afirmação acima é do mestre em Economia e colunista do Jornal VANGUARDA, Maurício Assuero. Ele analisou esta semana especialmente para o semanário, os efeitos que deverão ser observados na economia brasileira após a aprovação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, em sessão realizada no último domingo (16), na Câmara Federal dos Deputados, em Brasília.
Pedro Augusto
Jornal VANGUARDA — Apesar de já ter sido bastante falada e discutida nas últimas semanas na imprensa nacional, muitas pessoas ainda se mostram com dúvidas a respeito da chamada pedalada fiscal. Tal prática seria motivo suficiente para levar Dilma Rousseff (PT) a deixar a presidência da República?
Maurício Assuero — A questão da pedalada fiscal consiste no fato de o governo utilizar recursos que não são próprios, não são recursos do Tesouro Nacional, para efetuar pagamentos. No caso de Dilma, foram utilizados recursos da CEF e do Banco do Brasil para o pagamento do Bolsa Família. Qual o problema disso? O problema é que de acordo com o art. 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal, não é permitido haver empréstimos entre uma instituição financeira estatal e seu controlador e o governo detém a maioria do capital social tanto do Banco do Brasil como da CEF. Na prática, estes bancos pagaram o Bolsa Família sem que o Tesouro Nacional tivesse repassado o dinheiro, então, de fato, isso se configura uma operação de empréstimos sem que houvesse autorização do Congresso. Agora, fica difícil entender como a regra só vale para Dilma, se Temer fez igual. Eu sou daqueles que acham que processo de impeachment é fruto do desejo de vingança do deputado Eduardo Cunha. Ele, desde que assumiu a presidência inviabilizou o Governo e este último receoso do acatamento de algum pedido de impeachment não foi capaz de reagir. Não vejo o problema como findo, porque temos ainda uma ação no Superior Tribunal Eleitoral que pode cassar a chapa Dilma-Temer e aí teremos o deputado Eduardo Cunha como presidente do país. Se ele não for preso, enfrentaria um pedido de impeachment também. Ele na presidência também levaria a economia para um estágio de letargia.
JV — Que efeitos deverão ser percebidos na economia brasileira após a aprovação na Câmara do processo de impeachment da presidente?
MA — Seguramente Dilma não governava há muito tempo. Primeiro pela preocupação em se defender do impeachment; segundo porque ela não tinha maioria no congresso para aprovar medidas necessárias em defesa da economia; terceiro porque não implantou uma política de controle de gastos que fosse convincente para o mercado. A consequência de tudo isso foi o dólar ultrapassar os R$ 4, a queda na Bolsa de Valores, a inflação passar dos dois dígitos, o desemprego atingir 9 milhões de pessoas, etc. O mercado já não acreditava mais no governo Dilma. Então, espera-se que a Bolsa se estabilize mais rápido, assim como o mercado de câmbio, mas não há mágica para o novo Governo. A gente só vai saber mesmo uma tendência quando Temer anunciar o seu programa. Até lá, só especulações.
JV — Até a votação no Senado, qual seria a postura mais indicada para o atual Governo tratar dos assuntos relacionados à economia brasileira?
MA — Acredito que a melhor opção seria o desarme dos espíritos aguerridos. Agora já se sabe que o processo vai caminhar, então é o momento do Congresso voltar sua atenção para economia. O Congresso como o Governo não deram um grama de contribuição para resolver o problema econômico. Reforma tributária, da previdência, passou longe e as propostas apresentadas não passavam de uma amontoada de sandices que no longo prazo irão comprometer a economia brasileira. A pauta bomba adotada pelo deputado Eduardo Cunha prejudicou mais do que ajudou, porque os efeitos daquelas aberrações serão vistos em longo prazo. Como se estima 10 de maio para a votação no Senado, então o ideal seria o Governo iniciar um processo de transição. Não vejo como solução a continuidade do governo Dilma, ou seja, se o Senado não aprovar ficará muito difícil sustentar a economia, porque virá outro pedido de impeachment – o da OAB – e voltará tudo a estaca zero. Acho que a melhor saída seria Dilma renunciar. Ela precisa ter clareza de que acabou e pensar nos inúmeros trabalhadores que estão sem a mínima condição de honrar suas obrigações, porque estão desempregados. Deixa o novo Governo formar um ministério com credibilidade junto ao mercado interno e externo. Traçar um novo programa de Governo que seja crível.
JV —- Como o senhor vislumbra a economia nacional, caso Dilma deixe mesmo o Governo e o país passe a ser comandado pelo seu vice, Michel Temer (PMDB)?
MA — Temer passaria a governar numa situação mais confortável, porque ele terá maioria no Congresso. Ele tem mais jeito político do que Dilma, então fica mais fácil negociar. É provável que a mudança do Governo traga um novo rosto para a economia, não obstante, o alto índice de rejeição que ele tem (87% dos brasileiros declararam não confiar nele). Não vamos esquecer, todavia, a postura dos movimentos sociais. A CUT, por exemplo, já fala em greve geral. Outros falam de invasão a gabinetes, terras dos deputados que se posicionaram a favor do impeachment, etc. Enfim, será necessário muita conversa para equalizar tais questões, caso contrário teremos uma crise social sem precedentes. Cabe dizer que, em minha opinião, Dilma não enxergou que a política monetária poderia ser um instrumento mais adequado para ela tirar o Brasil da crise. Como ela não tinha maioria no Congresso poderia ter feito uso de uma política monetária mais adequada visto que esta seria implantada pelo Banco Central, cujo presidente era ministro do seu governo.
JV —- Diante da atual realidade financeira do país, programas sociais como o Bolsa Família, o Minha Casa, Minha Vida, que costumam dinamizar bastante a economia nacional, estariam ameaçados com a troca de bastão no Governo?
MA — Vai ser preciso mexer em muita coisa. É preciso acabar com secretarias com status de ministério, acabar com cargo com status de ministro (presidente do Banco Central, por exemplo), reduzir ministérios sem acomodar aqueles que só sugam o erário, não trocar o aparelhamento atual por um novo aparelhamento, etc. O governo Dilma tem 31 ministérios e a alguns deles existem apenas para dar sustentação política. Se não tiver coragem para mudar isso, então trocaremos seis por meia dúzia. Os programas sociais estão ameaçados há muito tempo. Não vamos esquecer que foi um deles o fato gerador do processo de impeachment. O Minha Casa, Minha Vida, não pode sumir nem parar, porque ele movimenta o setor da construção civil que é fundamental para a economia. Quanto ao Bolsa Família, não se trata de acabar, mas de reformular inclusive com o fito de coibir os desvios. Não podemos esquecer que este programa foi responsável pela melhora nos indicadores de qualidade de vida no Brasil, agora se faltou dinheiro para honrá-lo, como o novo Governo vai fazer? Ou seja, se faltou dinheiro para Dilma, vai sobrar para Temer? De forma alguma! A economia está em queda e isso afeta a arrecadação do Governo, portanto, eu vejo como ameaça a continuidade do Bolsa Família sem que se faça os ajustes necessários na máquina.
JV —- Antes mesmo da votação ocorrida no último domingo (17), na Câmara dos Deputados, o vice-presidente Michel Temer, já estaria se articulando para escolher o novo ministro da Fazenda. Em sua opinião, qual seria o perfil de ministro mais indicado para este momento de transição?
MA — O PMDB tem o Henrique Meirelles, que foi ministro de Lula, nos seus quadros. Aliás, Lula queria o Meirelles no lugar do Barbosa e ele só não assumiu a pasta por conta de diferenças pessoais com a Dilma. A questão é que Meirelles foi ministro quando tudo favoreceu o crescimento econômico e agora a situação é outra. Em paralelo, também vêm existindo especulações a respeito do nome do Armínio Fraga que tem um reconhecimento muito bom junto a investidores internacionais (pela sua relação com George Soros). Ambos poderiam dar ao mercado um sinal extremamente positivo. Agora, o ministro não fará muito se o Governo não tiver articulação. O PMDB, por ser coadjuvante, nunca pensou num programa de governo para o Brasil. Vai precisar apresentar um, no máximo, em uma semana.
JV — O senhor acredita que a relação do Brasil com o mercado internacional deverá melhorar ou piorar com a provável substituição de Governo?
MA — O Brasil teve seu risco reavaliado para baixo pelas diversas agências de risco de investimento. Saiu de AAA para BBB, ou seja, saiu do paraíso para o inferno. Eu creio que esta avaliação tende a melhorar, mas não imediatamente. O que pesa não é apenas a governabilidade, mas fundamentos econômicos que precisam ser observados como, por exemplo, o nível da dívida pública. Há quatro anos Obama negociou com o Congresso Americano um aumento da dívida pública (é como se ele tivesse pedido um aumento no limite do cheque especial), porque havia risco de quebra da economia americana. Aqui, o novo governo pode fazer o mesmo? Como se nossa dívida já ultrapassa R$ trilhões… A melhora nessa imagem passa pela austeridade do Governo e dificilmente ele será austero sem medidas impopulares. Creio que a comunidade externa vai observar como o novo Governo vai se portar para começar a indicar investimentos por aqui. A mudança do Governo melhora a governabilidade, mas não apaga os males que a economia enfrenta.