Extinção de abono de permanência ameaça esvaziar órgãos públicos

Da Folha de S. Paulo

Uma das medidas propostas pelo governo para salvar as contas públicas de 2016, o fim do abono de permanência pode levar à aposentadoria de mais de um terço dos servidores de órgãos como o INSS e o IBGE, ameaçando a prestação de serviços.

O abono é uma espécie de reembolso da União ao servidor federal em idade de aposentadoria por seu gasto com a contribuição previdenciária, de 11% do salário total. Na prática, é como se o servidor recebesse um aumento para permanecer na ativa.

Pelas contas do governo, o fim do abono vai gerar economia de R$ 1,2 bilhão em 2016. É o que deixa de ser pago a 101 mil servidores que atendem às condições de aposentadoria, mas optam por ficar no trabalho.

Somente no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), 12.100 dos 33.424 funcionários permanecem na ativa porque recebem abono, segundo a federação dos servidores. “Estamos falando de um terço do INSS. As agências já funcionam com deficit de funcionários em vários Estados no atual quadro, imagina sem esse contingente”, disse Moacir Lopes, secretário da Fenaps, a federação dos sindicatos da área.

Na Receita Federal, 4.900 servidores estão em idade para se aposentar. Do total, 1.870 são auditores fiscais -um auditor em final de carreira recebe em média R$ 2.475 de abono.

Sem o abono, a Operação Lava Jato talvez não tivesse hoje um de seus supervisores nacionais pela Receita: a auditora fiscal Cecília Cícera da Palma, 62, que tem direito à aposentadoria desde 2004.

“Eu sempre elogiei a atitude do serviço público porque é uma forma de conseguir que as pessoas que têm experiência continuem na casa, passem seu conhecimento a outros servidores”, disse Cecília. “Sem o abono, vou considerar a aposentadoria.”

Para a economista Vilma Pinto, da Fundação Getulio Vargas, o problema da medida está na aposentadoria de médicos, professores, fiscais e servidores que demandariam reposição imediata.

“A produtividade do serviço público certamente será afetada pela falta de um plano mais equilibrado para redução de gastos de pessoal”, disse. “Seria mais eficiente cortar cargos comissionados”.
sem reposição

O governo ampliou gastos com abono nos últimos anos com a justificativa de evitar a perda de profissionais qualificados. O gasto era de R$ 955 milhões em 2012, pagos a cerca de 95 mil servidores.

Segundo cálculos do Ministério do Planejamento, repor 101 mil funcionários em vias de aposentadoria custaria mais de R$ 12 bilhões. O valor é estimado considerando os salário médios.

Por isso, ao mesmo tempo em que pretende cortar o incentivo, o governo suspendeu a realização dos concursos públicos no ano que vem.

O IBGE é um dos que mais pagam abono de permanência. Foram R$ 25,7 milhões em 2014, segundo levantamento da ONG Contas Abertas. São 5.710 servidores efetivos, dos quais 2.080 recebem abono. Há outros 5.329 temporários.

Na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), 670 professores recebem o abono, de um total de 4.000. Segundo o reitor, o número ficará ainda maior considerando os servidores que poderão se aposentador a partir do ano que vem.

No Banco Central, são 510 servidores recebendo abono, para um total de 4.260 ativos.

A aprovação do fim do abono, porém, depende de uma emenda constitucional que pode não passar no Congresso. Até porque a medida, ao gerar uma economia de curto prazo, eleva o deficit previdenciário.

Governo adia metade dos pagamentos do abono salarial para o ano que vem

Cerca de metade dos trabalhadores com direito ao abono salarial de 2015 só receberão o benefício no próximo ano. O Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) aprovou a extensão do calendário de pagamento. A mudança fará o governo economizar R$ 9 bilhões neste ano.

Em vez do cronograma tradicional de pagamento, de julho a outubro, o abono será pago em 12 meses, de julho deste ano até junho de 2016. Do total de R$ 19,1 bilhões previstos, R$ 10,1 bilhões serão desembolsados neste ano. A medida foi aprovada pelo conselho, que reúne representantes do governo, dos empresários e dos trabalhadores, em reunião na manhã de hoje (2).

Neste ano, o governo tinha tentado restringir a concessão do abono salarial, destinado ao trabalhador com carteira assinada, que ganha até dois salários mínimos e que trabalhou pelo menos 30 dias. O Congresso chegou a aprovar a Medida Provisória 665, que previa a concessão do benefício a quem tinha trabalhado pelo menos 90 dias, mas a presidenta Dilma Rousseff vetou o dispositivo, após acordo com os senadores. Parte dos parlamentares alegava que a restrição era inconstitucional.

A extensão do calendário de pagamentos ajudará o governo a reduzir os gastos para cumprir a meta de superávit primário – economia para o pagamento dos juros da dívida pública – de R$ 66,3 bilhões em 2015 (1,1% do Produto Interno Bruto, soma das riquezas produzidas no país).

Originalmente, o governo pretendia economizar R$ 16 bilhões com as novas regras do seguro-desemprego e do abono salarial. Com as mudanças no Congresso, a economia havia caído para R$ 5 bilhões.

Por enquanto, a ampliação do prazo de pagamento só vale para os benefícios de 2015. O calendário de pagamento do abono salarial de 2016 só será discutido pelo Codefat na reunião do próximo ano. O novo cronograma foi aprovado por 10 votos a 7. Os votos contrários vieram, na maior parte, dos representantes dos trabalhadores.

A decisão desagradou às centrais sindicais. Em nota, a Força Sindical criticou a extensão do calendário, classificando a mudança de retirada de direitos dos trabalhadores. “Não satisfeito com todas as dificuldades impostas à classe trabalhadora brasileira, como a redução de direitos trabalhistas e previdenciários, conquistados ao longo dos anos, o governo vem, agora, com outra pedalada para cima dos trabalhadores, penalizando, desta forma, milhares de trabalhadores de menor renda”, criticou a entidade.

Na reunião de hoje, o Codefat também aprovou o orçamento do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para 2016. No próximo ano, o fundo contará com R$ 76,4 bilhões, uma queda de 7,21% em relação ao orçamento de 2015 (R$ 82,4 bilhões). O valor leva em conta um aporte de cerca de R$ 4 bilhões do Tesouro Nacional ao fundo.

Formado por parte da arrecadação do Programa de Integração Social (PIS) e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), o FAT custeia o pagamento do seguro-desemprego e do abono salarial e financia cursos de qualificação profissional.

O Codefat elegeu ainda o novo presidente, Virgílio Carvalho, da Federação Nacional de Turismo, seguindo a política de alternar representantes dos trabalhadores e dos patrões. Ele substitui, no cargo, o sindicalista Quintino Servero.

Em nota, o Ministério do Trabalho informou que a mudança no calendário foi necessária para garantir a saúde financeira do FAT e proteger o patrimônio dos trabalhadores. “Mais pessoas, nos últimos 12 anos, ingressaram no mercado de trabalho, saltando de 23 milhões para 41 milhões de formais. Isso passou a exigir um aumento progressivo e concentrado do desembolso do FAT para atender ao benefício”, informou a pasta.