Folha de S. Paulo
O risco, aqui mencionado há uma semana, de que às crises política e econômica se junte a crise institucional, não existe mais. O risco passou a ser fato consumado. O uso de uma portaria, pelo procurador-geral Rodrigo Janot, para criar uma força-tarefa de ação no Congresso, torna oficial o que era apenas informal: o embate entre parlamentares e procuradores federais desejosos de decisões que os privilegiem, em meio a medidas anticorrupção e contra a anistia ao dinheiro “por fora” nas eleições.
O Congresso não precisou dar resposta direta à investida da Procuradoria-Geral da República. A boa acolhida, na Câmara, ao projeto contra abuso de autoridade, que os chefiados de Janot significativamente não aceitam, já valeria como resposta. Há mais, porém. É o início de um movimento de deputados em reação à retirada, no relatório de Onyx Lorenzoni, do artigo que prevê crime de responsabilidade para procuradores e juízes, como existe para ministros do Supremo e procurador-geral. O deputado gaúcho curvou-se à pressão levada ao Congresso pelo procurador Deltan Dallagnol, alegando para a sujeição um “consenso” (Folha, 18.nov) inexistente na Câmara.
A anistia ao “caixa dois” é, sim, desejada por muitos no Congresso. O “por fora”, afinal de contas, é regra na prática eleitoral, também com a finalidade menos confessável de enriquecimento tão ilícito quanto fácil. A pretensão de impedi-la com confronto institucional corresponde à inclinação para a direita e o autoritarismo, cujas evidências chegam ao cúmulo de propor a aceitação de provas ilícitas –como consta das dez medidas que os procuradores apresentaram e querem aprovadas no Congresso. Mesmo um jurista conservador como Ives Gandra Martins diz dessa pretensão da Lava Jato: “Provas ilícitas tornam quem as obteve também um criminoso” (Folha, 16.nov).
A vigilância contra a anistia é um bom pretexto para a portaria do Batalhão Janot, mas o que nela parece secundário é de fato o principal: a pressão pelas dez medidas. E o troféu não é só esse. Os procuradores querem ainda o fim do chamado foro privilegiado, sobretudo para congressistas e exceto apenas para os cargos mais elevados nos Três Poderes. A explicação, claro, refere-se ao funcionamento e ritmo dos tribunais superiores. Em particular, o Supremo e seus armazéns de processos encalhados, onde se acasalam foro privilegiado e impunidade.