Artigo: Neutralidade na internet: será que essa lei vai pegar?

Por Dane Avanzi

O princípio da neutralidade da internet permite que acessemos a rede num ambiente de absoluta igualdade, como se todos os internautas estivessem em uma praça pública virtual. Tal princípio permitiu o florescimento de grandes oligopólios da internet como Faceboook e Google. Embora aqui no Brasil o princípio da neutralidade tenha sido assegurado aos brasileiros, nos Estados Unidos o debate anda cada vez mais acirrado.

Embora aparentemente o principal motivo de alvoroço quanto a neutralidade seja comercial, há outras razões muito mais relevantes quanto a um maior e mais efetivo controle das informações que trafegam na rede. Tanto que recentemente o presidente Barack Obama nomeou Tom Wheleer, como diretor do FCC – Federal Communication Comission – órgão equivalente a Anatel no Brasil e responsável por regulamentar qual o impacto da discussão da neutralidade para o consumidor de produtos e serviços de telecomunicações.

Em razão do background de Tom Wheleer, ex-lobista da indústria, sua nomeação soou como uma traição aos consumidores, uma vez que outrora, Obama sempre se posicionou a favor da manutenção da neutralidade. A justiça americana já determinou em sentença judicial que é lícito empresas de conteúdo, como a Netflix, por exemplo, pagarem valores adicionais para as operadoras de telecomunicações priorizarem seu acesso. O que está sendo discutido agora é se e quanto o consumidor que contrata o serviço de internet terá que pagar.

Se o FCC permitir que os conteúdos que trafegam pela internet sejam cobrados de modo separado, tudo que entendemos e vivenciamos como internet, hoje será alterada. Ao invés de uma conta única para trafegar em qualquer tipo de conteúdo, haverá cobranças distintas para cada tipo de tráfego em razão da banda que ocupa. Por exemplo: haverá um tipo de contrato para trafegar vídeo, outro para e-mails e assim por diante.

Por conta disso, o que for decidido pelo FCC certamente influenciará todo ecossistema de empresas que atuam na internet, especialmente no que tange as operadoras de telecomunicações e provedores de conteúdos. Outro mercado que cresce exponencialmente e será afetado é o e-commerce. Como estamos falando de mercados bilionários em crescimento e presentes em todo o mundo, o modo como essa indústria se organiza poderá passar por profundas transformações.

Embora haja uma lei recentemente aprovada no Brasil definindo a neutralidade como princípio basilar, ainda é muito cedo para comemorar que isso durará por muito tempo, especialmente caso as empresas americanas mudem seu modo de cobrar o acesso aos serviços. Num mundo onde tudo pode ser comprado e o acesso a qualquer bem diferenciado custa mais por isso, é de se admirar que a internet, pelo menos até o dia de hoje, tenha conseguido se manter em um espaço verdadeiramente democrático no sentido mais intrínseco do termo, onde todos os internautas possuem os mesmos direitos.

Hoje as operadoras de telecomunicações perdem bilhões de dólares por não poderem bloquear ou controlar o uso de aplicativos como Skype, Whats’up, Viber, entre outros, que possibilitam comunicação via chat ou voz em âmbito mundial. Caso as operadoras de telecomunicações possam bloquear ou taxar o uso desses aplicativos, plataformas de ensino a distância, entre outros serviços intrinsecamente entranhados no cotidiano das pessoas, estaremos hoje contemplando o fim da internet como conhecemos até então.

Dane Avanzi é vice-presidente da Aerbras, diretor superintendente do Instituto Avanzi, advogado especializado em telecomunicação e autor dos livros “Radiocomunicação digital: sinergia e produtividade” e “Como gerenciar projetos”.

OPINIÃO: A espionagem nos tempos de internet

Por DANE AVANZI*

Vivemos a era da informação e quem a controla, conduz o destino do planeta. Por conta disso, os serviços de inteligência dos países desenvolvidos possuem atividades de espionagem e contra-espionagem. Nesse contexto, enquanto a espionagem serve para descobrir informações sobre outros países, a contra-espionagem serve para passar informações falsas para os espiões de outras nações.

Ao contrário do que muitos pensam, a espionagem mundial não acabou juntamente com a Guerra Fria, cujo principal marco foi a Queda do Muro de Berlim, em 1989. Ela não só existe – desde antes da invenção do Estado tal qual é hoje – como sempre existirá, porquanto os países em situação de liderança militar, política e econômica necessitam de informação para manter seu “status quo”.

Os filmes de espionagem mostram as tramas e sabotagens desse submundo financiado pelo Estado Oficial, mas que por força da própria atividade – bisbilhotar – por vezes comete ilegalidades para que seus fins sejam auferidos. Na espionagem, muitas são as ferramentas e estratégias para se obter informações sobre planos de outras nações.

Dentre todas as estratégias, até a sedução já foi utilizada no jogo de espionagem e contra-espionagem, sendo Mata Hari – o apelido de Margaretha Gertruida Zelle, uma dançarina exótica dos Países Baixos acusada de espionagem e condenada à morte por fuzilamento, durante a Primeira Guerra Mundial – a mais famosa espiã de todos os tempos.

Hoje, no entanto, novas ferramentas de espionagem tornaram o jogo bem diferente. Mesmo porque tudo mudou. Além dos países, outros “players” entraram na partida. Refiro-me ao “grupo de hackers” denominado Wikileaks, o mais famoso deles, que publica documentos secretos de vários governos do mundo obtidos ilegalmente.

A discussão sobre privacidade e sigilo das pessoas e das nações revela um paradigma dos tempos modernos, qual seja a impotência do Estado enquanto instituição de lidar com o assunto. A questão é: como lutar contra um inimigo que é invisível e não se sabe onde está, ou sequer por onde passou? Nenhum local da rede é inviolável para eles. Pentágono, Casa Branca, entre outros sites oficiais, já foram invadidos, sem falar de grandes corporações privadas também.

O episódio do ex-agente da CIA, Edward Snowden, ilustra a incapacidade dos EUA de lidar com o próprio serviço secreto que eles criaram. O espião se transformou em delator do próprio Estado que ele servia até então.

Outro fenômeno dos tempos modernos é que empresas como Google, Yahoo, Skype, Facebook, Microsoft, dentre outras gigantes, se tornaram mais poderosas pelo que elas sabem, do ponto de vista da espionagem, do que pelos serviços prestados ao público em geral. Seus servidores, com milhões de contas de e-mail cadastradas e uma infinidade de softwares mundo afora, detêm um manancial de informação inimaginável. A verdade é que elas estão no controle da informação, e não mais o Estado.

Na verdade, o Estado (qualquer que seja o serviço de inteligência, independente da nação) tenta obter alguma informação através dessas empresas, antes dos hackers e dos espiões dos inimigos – fato que num certo sentido abala a credibilidade dessas empresas, pois, a priori, seus clientes as elegeram como tutores desse precioso ativo que lhes pertence, a informação.

Não consigo enxergar uma saída para o mínimo de controle sobre a internet sem que haja uma discussão multilateral em um fórum neutro como o da UIT (União Internacional de Telecomunicações), que congrega os países da ONU. Como estamos na estaca zero – e no que tange a segurança da informação, a internet se desenvolveu desordenadamente – muito há o que se fazer.

No entanto, por mais que se tente controlar, os hackers estarão sempre um passo a frente. Primeiro porque, como todos os criminosos, eles têm a seu favor o fator surpresa, e não se sabe quando nem onde atacarão. Afora isso, conhecem a internet como ninguém e, como ela é um organismo único que se estende indefinidamente, dificilmente podem ser apanhados.

Enquanto isso, aqui nos trópicos, a CPI da espionagem que se pretende instalar no Congresso Nacional vai discutir o sexo dos anjos, o que também não é novidade. Mais do mesmo.

* Dane Avanzi é advogado, especialista em telecomunicação e diretor do Instituto Avanzi