O dinheiro na urna

Por JÂNIO DE FREITAS
Da Folha de S. Paulo

É um enfrentamento educativo. As agressões verbais que o ministro Gilmar Mendes tem dirigido à OAB, com auge no julgamento das doações empresarias nas eleições, chamam atenção para mais do que o resultado que veio limitar a pessoas as contribuições financeiras para campanhas.

Na história decorrida desde o golpe de 1964, o crédito democrático e republicano da OAB é muitas vezes superior ao do Supremo Tribunal Federal. A OAB foi uma entidade à frente da luta cívica contra a ditadura e seus crimes. O STF foi uma instituição a serviço da ditadura, com raríssimos e momentâneos gestos –pessoais– de grandeza moral e jurídica.

Gilmar Mendes acusou a OAB de se pôr a serviço do PT, com a ação contra as doações eleitorais de empresas para assim asfixiar a alternância no poder presidencial. Acione ou não Gilmar Mendes, como considera, a OAB já foi, em nota, ao ponto essencial: a ação da advocacia que representa “não será sequer tisnada pela ação de um magistrado que não se fez digno de seu ofício”.

Ao fim de um ano e cinco meses em que reteve a continuação do julgamento, Gilmar Mendes apresentou por mais de quatro horas o que chamou de seu voto, mas não foi. Foi uma diatribe política, partidária, repleta de inverdades deliberadas que um ministro do Supremo não tem o direito de cometer.

Sem perceber sequer o próprio grotesco de recorrer a inverdades óbvias a título de argumentos, Gilmar Mendes é uma lembrança, que não deixa de ser útil, daquele Supremo que integrou o dispositivo ditatorial.

Os milhões empresariais nas campanhas foram extintos por oito votos a três. O de Celso de Mello e, este surpreendente, o de Teori Zavascki usaram como argumento, digamos, central, a inexistência de proibição expressa na Constituição para as doações de empresas. Mas a questão do financiamento eleitoral não estava posta com os aspectos atuais, quando elaborada a Constituição, antes mesmo da primeira eleição presidencial direta pós-ditadura. A mesma ausência na Constituição deu-se com a pesquisa de células-tronco, que o STF liberou contra a resistência religiosa.

Outro argumento comum aos dois votos respeitáveis: a proibição de contribuições empresariais não atenuará a corrupção, porque será adotado o caixa dois com novas formas de captação. Ora, ora, o caixa dois tem a idade das eleições brasileiras. E nunca foi interrompido.

A corrupção com doações empresariais até o agigantou. Quando um candidato mal sai da eleição e compra uma nova casa, alguém no STF acredita que foi mesmo com empréstimo familiar? Seja em São Paulo, na Bahia, em Pernambuco, tudo é Brasil e é caixa dois. De eleição como de corrupção, que o mecanismo é o mesmo.

Outra semelhança contraposta ao argumento dos dois ministros: assim como o fim das doações empresariais não poderá extinguir a corrupção eleitoral, a proibição do porte de arma não tem efeito absoluto. E, no entanto, foi adotada e é mantida, porque tem o efeito possível na sociedade imperfeita.

Não só as doações vão mudar. O PSDB está em campanha de filiação. Outros precisarão fazê-la, porque o movimento dos filiados será crucial para a coleta de doações pessoais. Com maior filiação, a vida dos partidos muda. E a mudança terá reflexos desde as direções até a conduta dos partidos no Congresso. Nada de imediato, mas vem aí uma saudável mudança em não muitos anos. Apesar de Gilmar Mendes, Eduardo Cunha e outros insatisfeitos com a retirada do poder econômico.

A DESCIDA

A hipótese de legalizar casas de jogo para o governo arrecadar mais já é, por si só, uma indignidade repugnante.

OPINIÃO: Uma vontade basta

Por JANIO DE FREITAS*

Previsto para hoje e tido como início do processo de votação da reforma política, seja o que for que se passe na Câmara será o ponto culminante, por ora, do período mais desrespeitoso da maioria dos deputados com o país nos anos sem ditadura.

O que está para ser votado são escolhas tão importantes como o sistema eleitoral para compor a própria Câmara. De onde e como deve vir o dinheiro para financiar as campanhas eleitorais. A validade ou extinção das coligações de partidos. A duração do mandato de senador. O número de eleitores necessários para apresentação de um projeto de iniciativa popular, e ainda mais. Questões todas muito importantes para melhoria ou maior degradação da política e da democracia por aqui.

Foi feito um relatório a ser votado, como resultado de mais de três meses de discussões em uma comissão especial. Algumas conclusões não coincidiram com o desejo pessoal do presidente da Câmara, Eduardo Cunha. O relator Marcelo Castro fez alterações obedientes, mas sobrou alguma coisa inalterada.

Eduardo Cunha não admitiu que a comissão votasse o relatório, levando-a a adiar a decisão. Já que o relator se recusava aos gestos finais de servidão, Eduardo Cunha fez saber que iria substituí-lo. Logo, porém, optou por outra exorbitância: levaria o projeto para votação direta do plenário, com a já conhecida manipulação de sua tropa, desprezando o relatório e a opção final da comissão sobre os temas nela discutidos.

Nada do que tenha sido negociado ontem, sobre o encaminhamento a prevalecer, merece confiança até hoje. A vontade de Eduardo Cunha, já se viu bastante, não tem admitido concessões mais do que aparentes.

O PT, boquiaberto, tem dois ou três deputados em luta contra o presidente da Câmara, e o restante com participação, no máximo, pela distante periferia. O PSDB, com indigestão de impeachment, não se mexe, mas, como em expectativas anteriores, dirige a Eduardo Cunha acenos de simpatia significativa. A divergência começou entre peemedebistas, e peemedebistas vão fazer o número para decidi-la. Nele, Eduardo Cunha não opina: manda na maioria. Como se dá com quase todas as bancadas pequenas.

E pronto. Temos um instantâneo da republiqueta que, desse modo, define a cara de sua democracia.

PALOCCI

Joaquim Levy acrescentou, ao seu diga ao povo que fico, a informação de que considera estar o corte de R$ 69,9 bilhões do Orçamento “na medida adequada” e “sem risco para o crescimento econômico”.

Se essa é a medida adequada, por que batalhou pelo corte de R$ 80 bilhões, no início, e “entre R$ 70 e R$ 80 bilhões”, depois? E que crescimento econômico? Só se não tem risco porque não existe, nem em perspectiva.

No Brasil, a hipocrisia é uma forma de governar a economia. Joaquim Levy: uma saudade de Palocci.

QUE JUSTIÇA

O ministro Luiz Fux reivindica, para si e para seus pares no Supremo Tribunal Federal, vencimentos (no funcionalismo não se chamam salários) e benefícios que restauram um multissecular: nababesco. Mas os acompanha de uma razão solene: “a necessidade de valorização institucional da magistratura”. Não, é mesmo e só de valorização financeira e patrimonial.

Institucional talvez seja esta outra reivindicação: se condenados por improbidade, magistrados não perderiam o cargo. Ou seja, continuariam magistrados para condenar também acusados de improbidade.

*Janio de Freitas é colunista e membro do Conselho Editorial da Folha de S. Paulo