Para o ex-deputado João Paulo, órgão precisa assumir papel ainda maior (Foto: Társio Alves/Divulgação)
Da Agência Brasil
Criada no governo do presidente Juscelino Kubitschek, extinta em meio a denúncias de corrupção e desvio de verbas e recriada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) busca se reafirmar como um dos principais órgãos indutores do desenvolvimento socioeconômico da região. Vinculada ao Ministério da Integração Nacional e sediada no Recife, a Sudene atua nos nove estados do Nordeste e no norte dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo.
Para além dos incentivos fiscais e financiamentos de grandes projetos, o novo superintendente do órgão, João Paulo Lima, defende que a Sudene precisa assumir um “papel ainda maior” para melhor compreender as características, as dificuldades e os potenciais do Nordeste. Para ele, a pobreza e a pouca participação da região nos resultados da economia precisam ser vistas com mais atenção. “O desenvolvimento do Nordeste tem que suprir essas lacunas para levar a região a superar o estágio em que está vivendo.”
Natural de Olinda (PE) e graduado em economia, João Paulo Lima é o quarto superintendente da chamada “nova Sudene”, que foi recriada em 2007 por meio da Lei Complementar 125. Filiado ao PT desde 1979, foi vereador do Recife, deputado estadual em Pernambuco por três legislaturas e também prefeito da capital pernambucana por dois mandatos seguidos, entre 2001 e 2009. No ano seguinte, foi eleito deputado federal por Pernambuco.
Nesta entrevista exclusiva concedida por telefone à Agência Brasil, João Paulo Lima destaca os desafios da sua gestão, iniciada no dia 28 de julho. Ao resgatar o papel de Juscelino Kubitschek e de Celso Furtado na compreensão do papel do Nordeste, o superintendente cita os recursos disponíveis que aguardam projetos, minimiza o debate sobre o corte de verbas no Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), incluído na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 87, e defende o uso de incentivos fiscais como instrumento de desenvolvimento regional, e não de conflito entre os estados.
Agência Brasil: A desigualdade regional, principal questão para a criação da Sudene em 1959, ainda é uma queixa no Nordeste. Por que isso ainda não foi superado? Quais os principais empecilhos para que a região tenha um desenvolvimento socieconômico pleno?
João Paulo Lima: Desde a sua fundação, em 1959, a Sudene sempre cumpriu um papel importante no desenvolvimento regional. Parte significativa do que o Nordeste é hoje – o Nordeste não é qualquer coisa, há muitas delegações estrangeiras que chegam aqui e ficam muito impressionadas com o que o Nordeste é – se deve muito a Juscelino Kubitschek [presidente da República de 1956 a 1961] e ao próprio Celso Furtado [responsável pela criação da Sudene e primeiro superintendente do órgão], que tiveram uma visão e uma compreensão de que o Nordeste tem que se desenvolver e não perder o trem da história do desenvolvimento brasileiro. Agora, é importante também lembrar que a Sudene foi extinta em 2001, pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, e só retorna em 2007 a partir do governo do presidente Lula. E ela volta com características diferentes. Ela hoje discute as políticas de desenvolvimento regional e cumpre um papel importante na implantação de projetos estruturadores. Um exemplo é um projeto que é referência aqui no Recife, da Odebrecht Ambiental, na área de saneamento de toda a região metropolitana, de mais de R$ 3 bilhões. A Sudene entra com R$ 400 milhões por meio do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE). A Sudene cumpre um papel importante mas, acima de tudo, tem uma visão estratégica do Semiárido brasileiro.
Agência Brasil: O senhor falou a respeito da extinção e da recriação da Sudene. Para o senhor, o que é essa nova Sudene? No que ela é diferente da que foi extinta e o que as duas ainda hoje têm em comum?
Lima: A Sudene tinha um papel muito grande aqui, de planejar, de estudar, de fazer pesquisas, de ter mapas cartográficos da região, de fazer estudos, pesquisas, mas também da execução das ações, como perfurações de poços. Hoje em dia, até porque também é importante lembrar que os estados nordestinos ampliaram sua capacidade de organização e de intervenção dentro do próprio estado, a Sudene retoma com um objetivo maior de planejamento e de análise de projetos através do FDNE [Fundo de Desenvolvimento do Nordeste], que é uma verba orçamentária que, este ano, é de R$ 2 bilhões para financiar projetos estruturadores. A Sudene também define as políticas do FNE [Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste], que tem R$ 13,3 bilhões, além dos incentivos fiscais, que podem reduzir até 75% do Imposto de Renda, garantir 30% de reinvestimento do imposto de renda devido e a redução de 25% no custo do frete. Nós entendemos que são alavancas muito importantes. Agora, acho que temos que retomar um pouco mais um planejamento participativo e acredito que um outro elemento, e falo com a experiência de quem foi prefeito da cidade do Recife por oito anos, é fazer uma discussão também sobre a pobreza do nosso Brasil e a pobreza do Nordeste. A nossa região, apesar dos grandes avanços obtidos, é uma região pobre e a participação do Nordeste ainda é muito pequena na produção, na exportação. Cabe à Sudene aprofundar, discutir e propor alternativas dentro do programa nacional de desenvolvimento. O desenvolvimento regional e o desenvolvimento do Nordeste têm que suprir essas lacunas para levar o Nordeste do Brasil a superar o estágio em que está vivendo.
Agência Brasil: O senhor afirma que um dos desafios da sua gestão é recuperar a importância da Sudene. Que herança o senhor recebe das três últimas gestões e o que ainda precisa ser feito para alcançar isso?
Lima: Eu acredito que as últimas gestões deram a sua contribuição, até porque nós temos projetos significativos, discutidos e aprovados, como os R$ 2,2 bilhões que saem com a aprovação aqui da Sudene para, por exemplo, a construção da Fiat, que é uma referência automotiva hoje no Brasil, em Pernambuco e no Nordeste. Agora, o que eu acho que faltou um pouco foi justamente a capitalização dessas iniciativas para que o Brasil e o Nordeste possam ter a dimensão das ações do governo federal aqui na região, e acredito que isso passou muito distante, até porque a maioria das pessoas não tem essa informação.
Agência Brasil: O senhor falou sobre incentivos, que são um dos instrumentos de ação da Sudene. No entanto, esse tipo de benefício acabou gerando a chamada guerra fiscal, na qual os estados viravam “concorrentes” na atração desses investimentos. O que é possível ser feito para que os incentivos fiscais não causem essa desagregação na região?
Lima: Nós temos a clara compreensão de que, para haver um estímulo ao desenvolvimento da região, tem que haver incentivos, senão isso não vai atrair a presença do empresariado. Agora, é lógico que tem uma medida, desde que não se provoque uma guerra fiscal que venha a impedir inclusive a viabilidade de recursos. Então, eu acho que isso é vencido com a visão de Brasil, de projeto de Brasil, de desenvolvimento regional como um todo, e não como fruto do estabelecimento de uma guerra fiscal.
Agência Brasil: Vinte municípios de estados nordestinos estudam a criação do G20 Semiárido. Cidades do Ceará, da Bahia, Paraíba e de Pernambuco querem buscar alternativas para as dificuldades e impulsionar debates sobre questões políticas relacionadas à promoção da estabilidade financeira, do desenvolvimento social e econômico. Não há capitais entre esses municípios. Qual a importância desse tipo de organização para o interior dos estados do Nordeste?
Lima: Fui procurado pelo prefeito de Petrolina, Júlio Lóssio, que me convidou para participar desse encontro e eu participarei com muito orgulho. E o que ele me falou do objetivo desse encontro é que ele quer garantir essa articulação para que esses municípios, que eles avaliam que têm um case, que tem uma referência no desenvolvimento, no crescimento, possam ajudar outros municípios que encontram mais dificuldades. Então, acho o G20 uma grande iniciativa e, a meu ver, a Sudene tem que se articular com os prefeitos dessa região.
Agência Brasil: Como a nova Sudene pode atuar para evitar a priorização de investimentos em capitais, como ocorreu antigamente?
Lima: O que nós temos que ter é justamente o planejamento, os estudos de viabilidade. A Sudene tem que cumprir um papel ainda maior, no estudo mais profundo e participativo do Nordeste, de suas semirregiões, para que possa estimular, inclusive, o setor empresarial na apresentação de projetos de desenvolvimento, além do próprio governo federal, como já vem fazendo, em obras estruturadoras, como a Transposição do Rio São Francisco, como a Transnordestina, como a Hemobras (Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia, sediada em Brasília e com filial no Recife), como foi a própria duplicação da BR-101 (rodovia longitudinal que liga o Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul pelo litoral brasileiro; também chamada de Rodovia Translitorânea). Então, acredito que essas coisas têm que se complementar e falar entre si.
Agência Brasil: O Conselho Deliberativo (Condel), órgão máximo de planejamento estratégico da Sudene, não se reúne desde 2013. O que está pendente de resolução desde essa época que será retomado agora a partir da primeira reunião do grupo?
Lima: Uma das grandes discussões vai ser o novo perímetro do Semiárido brasileiro, a partir dessas mudanças climáticas. Quero chamar também uma grande discussão sobre os efeitos do El Niño no desenvolvimento da região e acredito que o Condel vai cumprir um papel muito importante.
Agência Brasil: O senhor citou o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE) que, no primeiro semestre deste ano, recebeu R$ 3,5 bilhões, R$ 200 milhões a mais do que no mesmo período do ano passado. No entanto, a PEC 87, de autoria do Executivo e em tramitação no Congresso, tem o objetivo de retirar 30% dos recursos anuais desse fundo até 2023. Em que medida esse corte pode afetar o trabalho da Sudene e também do Banco do Nordeste, que conta com esse fundo para financiar investimentos em vários setores produtivos?
Lima: O que nós temos que entender é que o Nordeste está incluído dentro de um projeto estratégico de Brasil. E é lógico que, quando o governo faz uma medida como essa, ele tem a clara certeza do papel estratégico que tem essa medida. Agora, de qualquer forma, vai caber ao Congresso Nacional – e eu digo com experiência, porque fui deputado federal por quatro anos – definir se será feito, se será reduzido. Eu acho que a fase agora é uma fase de negociação e entendimentos.
Agência Brasil: No ano passado, foi concluído o Plano de Ciência, Tecnologia e Informação para o Desenvolvimento Sustentável do Nordeste. Entre outras medidas, o plano inclui a criação de ambientes de inovação, parques, polos de tecnologia e o apoio à implantação de centros de pesquisas privados. A Sudene já está afinada com esse tipo de investimento?
Lima: Já há uma discussão, ela está no Ministério de Ciência e Tecnologia e é um dos pontos que estamos querendo garantir no próximo Condel. Mas ainda não está confirmado, não. Mas é lógico que é um tema extremamente importante para o desenvolvimento da região.
*Entrevista feita nos estúdios da Universitária FM, em Fortaleza