OPINIÃO: Um arco-íris no fim do túnel

Por ELAINE VILAR*

Na última sexta-feira (26), a Suprema Corte dos Estados Unidos legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo em todos os 50 estados norte-americanos. Até a decisão da Corte, 13 deles ainda proibiam o casamento entre homossexuais.

O fato, como não poderia deixar de ser, teve repercussão internacional. Afinal, a “novidade” (no Canadá, o casamento gay foi legalizado há dez anos, seguindo o exemplo da Holanda e da Bélgica) advém da maior potência econômica do planeta, cuja influência sociocultural se estende aos demais países do mundo.

Dentre as repercussões, uma campanha policromática invadiu as fotografias dos perfis das redes sociais. A ideia de colorir as fotos com as cores do arco-íris (símbolo do movimento LGBT) atiçou diversos tipos de comentários. Desde os homofóbicos, já conhecidos e até esperados, até os xenofóbicos. Dentre esses últimos, inúmeras críticas regadas ao sabor acre de teorias conspiratórias.

Não é difícil entender as ressalvas de alguns amigos de rede, pois há tempo somos fregueses do “American Way”. Consumimos os enlatados estadunidenses da indústria alimentícia, automobilística, bélica, cultural… e todas as demais que os EUA possam nos empurrar. Também se tornou comum assistir à indústria do consumo se apoderar de símbolos e personagens que historicamente representaram oposição ao sistema capitalista, transformando-os em produtos de prateleira, para satisfazer ciclos sazonais de consumo. Mas, daí a creditar a iniciativa de confraternizar-se com os irmãos ou companheiros (como preferirem) norte-americanos por sua conquista em favor da igualdade de direitos ao modismo, venhamos e convenhamos, há uma distância paquidérmica.

A moda surge da massificação de um elemento de identificação, quando na sociedade um determinado padrão ou estilo de comportamento passa a incorporar adeptos, o que pode acontecer inclusive como forma de contestação a padrões e comportamentos considerados ultrapassados pelos grupos aderentes. O modismo, variação pejorativa da moda para enfatizar seu caráter sazonal, em geral, arregimenta adeptos passivos, impulsionados pelo desejo de estar integrado a um meio ou grupo social, sem grandes reflexões ideológicas em torno do padrão a ser imitado ou seguido.

Assim, se você comprou um produto massificado com a imagem de Jesus, São Francisco de Assis, Guevara, Karl Marx, Bob Marley, dentre outros, sem nem conhecer a vida ou o significado da obra destes; ou se coloriu com um arco-íris sua foto de perfil na rede social sem compreender o significado e as consequências da decisão da Suprema Corte americana, então, não tem jeito, você realmente foi passivamente arrastado pelo modismo.

Entretanto, as inúmeras manifestações virtuais parecem ocupar posição bastante distinta do modismo passivo e egocêntrico. O colorido espalhado nas linhas do tempo provocou uma onda de emoção e comoção em diversos amigos virtuais que, assim como eu, passaram boa parte de seu tempo virtual empenhados em curtir arco-íris personalizados com manifestações de apoio à conquista norte-americana.

O significado desse colorido espontâneo pode e deve ser definido e apropriado por cada um de nós. Para mim, ele fala de identidade e esperança, pois na minha condição de mulher trabalhadora e pobre, cada conquista de um grupo marginalizado, de uma minoria discriminada, representa parte de meus anseios e de minhas próprias lutas; cada arco-íris postado e curtido fala da existência de um outro, no qual acendo minha esperança na construção de uma sociedade mais igualitária e com equidade, no que se refere aos direitos políticos, culturais e socioeconômicos.

Essa esperança impulsiona as atitudes. Por isso, acredito que, entre nós, as manifestações espontâneas de apoio ao casamento gay nos Estados Unidos se revelem como um pequeno ato simbólico de clamor diante dos dias de intolerância que vivenciamos e da iminência de um retrocesso social amparado em bases legais, em nome de uma moralidade deformada de grupos que gritam autoritariamente regras, dogmas e doutrinas, através das articulações de inúmeras bancadas (da bala, evangélica, do boi, da jaula) do Congresso Nacional, a fim de salvaguardar os interesses de seus segmentos sociais.

O exemplo norte-americano é emblemático para nós, diante de nossa conjuntura e suas contingências, e deveria fortalecer nossa identidade e identificação com os vizinhos do Hemisfério Norte, a fim de nos aproximar enquanto povo.

Por menos expressivo que possa parecer o casamento homossexual para alguns, ele representa uma pequena concessão que surge como fruto da organização de uma parte significativa da sociedade americana que é discriminada e exterminada todos os dias. É sempre bom lembrar que as conquistas da população estadunidense não são benesses do Tio Sam, pois fomos condicionados a imaginar as terras de lá como um celeiro de oportunidades, onde as bandeiras da democracia e da liberdade de expressão tremulam soberanas. Contudo, essa imagem guarda imensa distância da realidade.

Nos Estados Unidos, onde o fundamentalismo puritano encravou-se desde seu povoamento, negros, homossexuais, estrangeiros e pobres são vítimas constantes de grupos organizados em torno de ideologias eugenistas, o que tem resultado historicamente em chacinas e na exclusão destas minorias dos espaços de poder institucional. Semelhanças conosco? Algumas. Por isso, nestes tempos de fundamentalismo congressista, que as conquistas da comunidade LGBT estadunidense nos inspire a lutar por um arco-íris no fim do túnel.

*Elaine Vilar é jornalista e servidora do TJPE

OPINIÃO: Ao “Meu Caruaru”

(Da série: “Ainda não conheci o mundo, mas há quem diga que ele começa em Caruaru”)

Por ELAINE VILAR*

O que seria de nossas vidas sem suas contingências? Essas situações cujo resultado final depende de eventos futuros incertos. Sem elas, estaríamos condicionados a uma existência taticamente orquestrada em busca de metas inabaláveis, a uma monotonia caquética ao ritmo do balanço da rotina ou do pêndulo do relógio.

Por conta delas (as contingências), o frio na barriga, os suores gélidos, o rosto em brasa, todos os demais sintomas do inesperado e do novo ou do velho repaginado, revestido, relido e, nem por isso, apartado de suas diferenças e peculiaridades. Elas escorregam, evaporam e se diluem sem que possamos dominá-las. Ora nos agraciando, ora nos amaldiçoando, vão rebulindo e revirando nosso ser em nós e no mundo, desafiando-nos a correr quando paramos; parar quando corremos; chorar quando sorrimos ou sorrir quando choramos.

Foram essas arteiras que, aos poucos e rapidamente, tal como perdição de virgem, trouxeram-me da capital política à capital do Agreste, juntando um tanto de medo com um muito de vontade. O resultado? Uma coragem voluptuosa, cega e eufórica que, de tão maliciosa, vicia e encanta. Quando se vê, já foi. Está feito para as alegrias ou as desventuras, de acordo com a disposição do coração.

Por conta dessa sedução acoitada pelas contingências aqui estou, nestas terras de Caruaru. Encantada por seu sotaque, seus ares, seus sons, cores e gosto, seu povo e sua aspereza. Quase dominada por uma vontade contida de chamá-la minha ou meu (ô cidade andrógina!), a semelhança do primeiro “eu te amo” dos enamorados. Minhas pupilas dilatadas de paixão por esse “Meu Caruaru”, esperando por seu abraço quente, que parece constrangido pela presença invisível de outro grande amor: o “Meu Recife”.

E assim dividida, silencio essa paixão. Dia após dia, aproveito o cheiro de novidade. Desfruto das manhãs orvalhadas de curiosidade e das noites enluaradas de poesia, apreciadas pelo olhar de viajante, forasteira, desbravadora. Entretanto, aos poucos, as mãos do convívio revelam mazelas, defeitos e vícios escondidos pela paixão pueril de donzela. É nesse casamento aliançado pelo cotidiano que se desvenda o “Meu Caruaru”, acordando em suas cuecas velhas e desbotadas, com mau hálito e mau humor, após uma noite de roncos e flatulências.

Ahh! Por que o cotidiano insiste em ser tão rude? Onde está seu romantismo? Parece uma tia velha, enrugada em suas cismas e desconfianças, a tagarelar: “São todos iguais, só muda a localização no mapa!” E em um piscar de olhos, relampeja-me os sinais do descuido para com a nossa relação. “Meu Caruaru” despreza meus sentimentos de esperança e enlevo. Grandes e pequenos incidentes me levam a crer que ele tem uma amante vulgar, interessada em sugar-lhe os recursos.

As pistas e rastros de sua lascívia estão por toda parte. São torres erguidas sem planejamento, amontoadas em quarteirões de ruas estreitas, sem infraestrutura, comércio e serviços, originando bairros mortos de vida. Veículos seguem sem orientação, empilham-se e ocupam todos os espaços, imperiosos pela convicção de que a cidade lhes pertence. Construções entopem as veias do Ipojuca, despreocupadas com a iminência de um enfarto.

Conheço esses sintomas, já os vi! Deles e de outros o “Meu Recife” padece, convalesce e arqueja seus últimos fôlegos, antes de tombar aos pés dessa amante voraz que promete os prazeres da modernidade em troca “apenas” da qualidade de vida de seus amantes. “Meu Caruaru” tão jovem e já tão enfermiço! Contaminado pelas venéreas dos antros políticos e da promiscuidade econômica.

Tento não amá-lo para poupar-me o sofrimento já bem conhecido. Chamo a razão. Ela não vem. A emoção tapou-lhe os ouvidos. Então a paixão me impulsiona a questionar: “Onde está o Plano Diretor da cidade? Quem por ele responde? Onde está a Justiça? Não haverá por ele outros amores? Onde estão os que resistem e lutam?” “Onde estão os que amam?”

Já não posso ver-te, “Meu Caruaru”, com os olhos pudicos da paixão juvenil. Por isso, sonho viver contigo um amor maduro. Um amor que espere receber na medida daquilo que se possa dar. Assim, ainda desejo tanto o teu abraço e a oportunidade de dizer-te meu.

*Elaine Vilar é jornalista e servidora do Tribunal de Justiça de Pernambuco.

OPINIÃO: Datas, significados e memórias

Por ELAINE VILAR*

Nascido como um dia de luta dos trabalhadores, o 1º de Maio foi inicialmente proposto pela segunda Internacional Socialista, reunida em 1889 na cidade de Paris, para homenagear as lutas sindicais ocorridas nas ruas de Chicago, em 1886, pela redução da jornada de trabalho de 10 para 8 horas diárias. Os primeiros de maio dos anos seguintes se destacaram devido a manifestações trabalhistas convocadas por correntes e partidos comunistas em diversos países.

Em 1891, uma dessas manifestações, no norte da França, foi marcada pela morte de dez manifestantes como consequência da forte repressão policial ao evento. O fato fez com que a Internacional Comunista de Bruxelas adotasse a data como dia internacional de reivindicação de condições de trabalho.

Em 1919, o Senado francês ratificou o dia de 8 horas de trabalho e, para inibir as manifestações “comunistas”, proclamou o dia 1º de Maio como feriado. No ano seguinte, a União Soviética transformou o dia em feriado nacional e diversos outros países lhe seguem o exemplo.

Da história e significado original da data, pouco tem se mantido nos últimos anos. Na contemporaneidade nacional, assistimos centrais sindicais que promovem verdadeiros eventos de “Pão e Circo”, com show de bandas e artistas com cachês bem distanciado do salário dos trabalhadores, premiações e sorteios que nada fazem lembrar as bandeiras e reivindicações ou sacrifícios dos homenageados.

Chegamos ao ponto de nos perguntar: comemorar o que no primeiro de maio? Dia do Trabalho? Dia do Trabalhador? A data deveria nos lembrar que tantos direitos, hoje aparentemente banais, estão na mira das letras aniquiladoras de emendas e projetos de lei, a fim de atender interesses que nem se dão mais ao trabalho de se dizerem ocultos, uma vez que guardam seus espaços legais de poder e decisão nas bancadas da Câmara e do Senado Federal, pública e publicitariamente divulgados como um trunfo.

Mas se a memória falha ou se deixa corromper, a história não abre mão de suas sínteses trágicas e episódios irônicos. Episódio como o vivenciado pelos professores do Paraná parece querer reacender nossa memória e alertar-­nos para o significado original de lutas que não podem ser relegadas às regiões mais obscuras e profundas da memória, pois os ataques contra diretos de toda natureza não cessam.

A truculência do Governo do Paraná contra os trabalhadores da educação demonstra aterradoramente a necessidade de nos manter alerta a certas ressignificações ou, pelo menos, de reavivarmos o significado histórico desta e de outras datas.

*Elaine Vilar é jornalista e servidora do Tribunal de Justiça de Pernambuco