Leandro Melito – Repórter da Agência Brasil
Durante audiência nessa quarta-feira (24) na sede da Corte Interamericana de Direitos Humanos na Costa Rica, a família de Vladimir Herzog pediu a responsabilização do Estado brasileiro pela impunidade em relação ao assassinato do jornalista por agentes da ditadura militar e a revisão da Lei da Anistia para que os responsáveis por sua morte possam ser identificados e punidos.
Em sua fala, Clarice Herzog casada à época com Vlado e presidente do Instituto Vladimir Herzog, disse esperar que a Corte exija do Estado brasileiro o fim da impunidade e preste explicações sobre as circunstâncias da morte de Herzog aos familiares. “A sociedade tem direito de saber o que aconteceu. Os familiares que tiveram essa perda nunca tiveram nada [de reparação]. Abri uma ação e depois dessa vieram outras e nunca houve uma resposta. Ignoraram tudo e nós ficamos lá no passado”, disse perante a Corte.
O procurador da República Sérgio Suiama falou perante a Corte na condição de perito e apontou a necessidade de reabertura das investigações sobre a morte do jornalista e a eventual proposição de uma ação penal para aqueles que forem identificados como autores ou participantes do crime.
Caso arquivado
O procurador da República Marlon Weichert solicitou a investigação penal sobre o caso Herzog na Justiça Federal em 2008, mas o pedido foi arquivado. “Eu discordo dos fundamentos que foram dados pelo procurador que arquivou o caso, se tratava de uma decisão proferida por Justiça incompetente”.
O pedido de investigação à Justiça Federal em 2008 foi feito por considerar que a decisão da Justiça de São Paulo sobre o caso em 1992 não impediria a reabertura do caso. “Houve um aborto precoce daquela tentativa de investigação e a Justiça estadual era absolutamente incompetente para aquela investigação e para a eventual ação penal que pudesse surgir”, disse Weichert.
Supremo
Segundo interpretação de 2010 do Supremo Tribunal Federal a Lei da Anistia vale para todos os crimes cometidos durante o período militar, tanto pela oposição política ao regime quanto pelos agentes do Estado responsáveis por crimes como tortura, desaparecimentos forçados e execuções sumárias de opositores do regime.
Weichert apontou essa decisão como o maior obstáculo para a promoção de justiça no Brasil em relação aos crimes cometidos por agentes da ditadura militar e criticou a posição do governo brasileiro em relação ao tema. Tanto Weichert quanto Suiama apontaram, durante o julgamento, a necessidade da Corte reforçar o seu posicionamento perante a interpretação da Lei da Anistia brasileira.
Decisão da Corte Interamericana de 2010 em relação à Guerrilha do Araguaia condenou o Estado brasileiro e considerou que a Lei da Anistia não se aplicaria no caso dos crimes cometidos por agentes do Estado considerados crimes de lesa humanidade.
Caso Herzog
Diretor do telejornal Hora da Notícia, veiculado pela TV Cultura de São Paulo, Vladimir Herzog foi morto sob tortura pelos militares após ser detido nas dependências do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI/CODI). Ele deixou a esposa Clarice, com os dois filhos do casal, Ivo e André, na época com 9 e 7 anos, respectivamente.
Divulgada como suicídio em comunicado do 2º Exército com a utilização de uma foto forjada na ocasião, a circunstância da morte de Vladimir Herzog – também mantida pelo Inquérito Policial Militar (IPM) feito naquele ano – foi desmontada.
Com uma ação declaratória apresentada no ano seguinte à Justiça Federal em São Paulo, Clarice Herzog conseguiu, em outubro de 1978, a condenação da União pela prisão arbitrária, tortura e morte de Herzog. Na sentença, o juiz Márcio José de Moraes declarou que o jornalista foi morto devido a graves torturas.
Em 2013, como parte dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV), a família conseguiu a retificação do atestado de óbito no qual consta que a morte do jornalista se deu em função de “lesões e maus tratos sofridos durante os interrogatórios em dependência do 2º Exército (DOI-CODI)”. O relatório final da comissão diz “não existir mais qualquer dúvida acerca das circunstâncias da morte de Vladimir Herzog, detido ilegalmente, torturado e assassinado por agentes do Estado nas dependências do DOI-CODI do 2º Exército, em São Paulo, em outubro de 1975”.