Por Maurício Rands
“O Movimento de Cultura Popular nasceu da miséria do povo do Recife. De suas paisagens mutiladas. De seus mangues cobertos de mocambos. Da lama, dos morros e alagados, onde crescem o analfabetismo, o desemprego, a doença e a fome. Suas raízes mergulham nas feridas da cidade degradada. Fincam-se nas terras áridas do Nordeste. Refletem o seu drama, como síntese dramatizada da estrutura social inteira” (abertura do Livro de Leitura, de 1962, a cartilha de alfabetização de adultos do MCP). Aí está a fonte do inconformismo que impulsionou a ação e a vida de um grande educador, político e intelectual. Que soube juntar sua consciência crítica à ação transformadora. Um católico comprometido com as melhores causas. As da emancipação do nosso povo. Que ele sempre enxergou a partir da perspectiva nacionalista, democrática e popular. Educador consciente de que só a educação liberta. Inconformado com uma humanidade lacerada entre os que “fruem e os que sofrem”. Por isso, o arbítrio de 1964 perseguiu-o e levou-o ao exílio.
Seu crime: sonhar com uma sociedade em que os deserdados se convertessem em cidadãos emancipados. Pela educação, pela cultura e pela boa política. Pelo desenvolvimento partilhado.
Compromissos assumidos desde os tempos em que organizou a I Semana de Estudos Jurídicos na Faculdade de Direito do Recife (1951), quando lançou o chamado a “uma revolução pelo direito”. Depois, na Sorbonne, conheceu grandes mestres que ajudaram-no a forjar sua concepção de educação popular transformadora (Padre Lebret, Marcel Mermoz, Joffre Dumazedier). Por dois dias, recebeu Sartre e Simone de Beauvoir em sua casa na Rua da Hora, 100. Como fundador do Movimento de Cultura Popular, com sua esposa Norma, ajudou a criar as primeiras iniciativas de educação das crianças pobres do Recife. Em 1962, o MCP alcançava 20 mil alunos em 200 escolas improvisadas em equipamentos da própria comunidade. O MCP que estendera sua ação educadora à alfabetização de adultos, numa simbiose com a pedagogia do oprimido de Paulo Freire. O aprendizado a partir da vivência concreta do alfabetizando, despertando a consciência crítica sobre as razões do analfabetismo e da pobreza. O MCP que alcançara a música, a dança, as artes plásticas e o teatro, e recriara em Pernambuco a concepção do Teatro do Oprimido de Augusto Boal. O MCP que inspirara os centros de cultura popular da UNE.
Além de educador, secretário estadual de Educação no primeiro governo de Arraes, fundador e primeiro presidente do Conselho Estadual de Educação, Germano foi também um político. Com P maiúsculo. Ativo militante da frente democrática, foi eleito duas vezes prefeito de Olinda, onde fez administrações ainda hoje lembradas pelo compromisso com as causas populares e com a cultura de uma cidade que a transpira em suas esquinas, bares, bocas e becos. Foi também professor de Direito e Economia na Unicap e na FDR da UFPE. Sempre instando os alunos a fazerem do direito um instrumento de transformação social.
Germano praticava seus ideais na esfera pública. Mas também no convívio com familiares e amigos. Sempre uma prosa agradável, fluente e instruída. A nos inspirar. Católico coerente. Dele lembro-me, como sobrinho que o admirava, o gesto de oferecer a mão para que recebêssemos a sua bênção tão carinhosa e amorosa. Foi um desses personagens públicos que se vão escasseando. De Pernambuco, foi príncipe em uma constelação de príncipes do engajamento cívico emancipatório e da consciência democrática do nosso povo. Que falta que fazem esses grandes de sua geração. Que os jovens tenham humildade para com eles aprender. Um bom começo é o excelente livro de Sidney Rocha, Germano Coelho – Jardins em Desertos (2019). Leitura prazerosa, instrutiva e inspiradora, publicado pela Cia. Editora de Pernambuco sob a gestão de Ricardo Leitão.
Maurício Rands
Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford