Opinião: A morte do país de Caruaru

Durante o fato acontecido da derrubada do Relógio, fiquei pesquisando o que foi circulando nas diversas falas tais como: Dr. Emanuel Leite, os memoristas da cidade, os historiadores, os analistas políticos, os jornalistas, os que foram se colocando contra ou a favor, os órgãos responsáveis pelo poder público municipal, e por ai fui.

Confesso que fazer uma análise dos discursos nesse momento é tarefa quase impossível. São muitas arbitrariedades, falta de respeito com o cidadão de 73 anos, que foi empurrado, detido e humilhado. São muitas versões, defesas e ataques. Quero afirmar que respeito todas as falas e opiniões, porém não concordo com muitas versões e por isso trago a minha.

Mundialmente a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) é o órgão responsável pela definição e regras de proteção e patrimônio. No Brasil existe o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), atuando na proteção e preservação cultural. Duas entidades que poderiam ter sido consultadas nesse caso.

Vale aqui trazer uma definição da palavra Patrimônio “Patrimônio Histórico pode ser definido como um bem material, natural ou imóvel que possui significado e importância artística, cultural, religiosa, documental ou estética para a sociedade, tudo que tem um vinculo afetivo, histórico é considerado patrimônio”.  Será que o nosso relógio não é contemplado nessa definição?

A “estória” que o poder público, tenta, passar para sociedade é que o relógio era feio, velho, que não correspondia aos padrões de renovação ou modernidade; que ele causava poluição visual; que o relógio era um equipamento publicitário, utilizando o espaço público no privado; que a requalificação do espaço precisa se adaptar ao novo conceito mundial.

Essas respostas estão sem critério e sem musculatura nenhuma a meu ver, até porque em nossa cidade, alguns, espaços públicos são utilizados para o privado, basta apenas citar os estacionamentos da feira de artesanato, da sulanca, do parque 18 de maio, da Rua 15 de novembro, o espaço da estação ferroviária, as campanhas em período natalino quando as empresas “adotam um poste” e colocam suas marcas, além da propaganda na ponte ‘Irmã Gerônima’, entre tantas outras, e aqui nada contra as marcas, as empresas e seus empresários, estamos refletindo Espaços Públicos!

O relógio da Rua da Matriz, ponto tradicional da cidade, existia desde 1969. O relógio não era apenas uma máquina e sim um monumento que marcava o tempo, um equipamento para além do simples ato de saber da hora. Significava ponto de referência, orientando e marcando o tempo e seus desafios. A concepção de melhor aproveitar aquele espaço e que com o relógio precisava de outros olhares, concordo plenamente. O próprio Dr. Emanuel Leite já estava convencido disso. Mas, a forma que foi “PENSADA” e “EXECUTADA” a demolição fere, agride, humilha e nos desafia o sentimento de indignação humana e política.

Em Caruaru o desrespeito com a memória e a política de demolir os bens públicos vem se apresentando como uma prática “normal”! Na década de 1960 foi demolido o Museu de Arte Popular para se fazer o prédio da Prefeitura, na mesma época a derrubada da Igreja de Nossa Senhora das Dores(Igreja da Matriz), construída em 1848, no mesmo tempo foi retirado o espaço de convivência do jardim Siqueira Campos. Para os mais saudosistas o 1° grupo escolar Joaquim Nabuco de 1895 que funcionava na Rua Sergio Loreto(Praça do Rosário) também foi demolido,  depois veio abaixo o Curtume Souza Irmãos na Rua Preta, A Casa dos Maquinistas, onde hoje funciona um posto de gasolina. Depois veio ao chão a casa que nasceu os Condés, na Rua da Matriz, dando espaço a uma farmácia; o antigo mercado de carne perdeu a sua referência; em 1993 o pavilhão Central da Caruá foi demolido; entre tantos outros espaços.

Recentemente assistimos o trator da tirania e da demolição passar em nossa frente com a retirada do Muro da Estação Ferroviária, depois em 2011 a derrubada da Vila do Forró, a derrubada da mansão onde funcionou a Prefeitura, a Faculdade de Direito de Caruaru e a Clínica Psiquiátrica de Dr. Veloso, dando espaço para um estacionamento privado para uma rede de supermercado. E agora na calada da noite a derrubada do Relógio na Rua da Matriz.

Assim, fico a me perguntar, cadê a participação popular nessas discussões? Cadê o poder legislativo que não propõe abrir o debate na elaboração das leis ou chamar para audiência pública sobre preservação e patrimônio? Cadê os representantes dos clubes sociais como: Rotary, Lions entre outras entidades que não são ouvidas e não se posicionam? Temos em Caruaru entidades e pessoas responsáveis que precisam ser ouvidas, tais como; Instituto Histórico, ACACCIL, Sindicatos e associações que merecem participar do processo de construção, preservação, e não se procura ninguém? Algo está fora de prumo não é!

Lembro-me que na construção do Shopping Difusora no começo dos anos 2000, existia a idéia de derrubar o prédio. Ai entre em campo a força tarefa dos artistas em manter viva a história da primeira rádio AM em Caruaru. Depois de muito debate e participação popular, foi determinado pelo proprietário da área Luciano da AVIL, que faria a construção do shopping, mas preservaria o espaço, uma realidade entre o novo e a tradição, convivendo lado a lado sem perder a estética, a beleza e a cultura.

Ainda temos alguns espaços e prédios para se preservar e que merece toda atenção tais como; o prédio do Hospital São Sebastião, o prédio da FAFICA, da ASCES, algumas casas históricas na Rua da Matriz e na Rua 15 de Novembro, o prédio do Convento dos Capuchinhos, algumas fachadas de casas com arquiteturas européias históricas que ainda permanecem de pé vigiando o tempo e seus desafios.  Se for antigo porque não tem mais valor ou porque é velho, será que é preciso derrubar esses prédios? Ou preservar e adaptar as novas formas de instalações e conceitos?

Outra contradição da atual gestão, no que se diz respeito à derrubada e a não preservação do nosso patrimônio, foi na reinauguração da Praça do Rosário. A prefeitura deixou uma ‘Bomba de gasolina’, simbolizando que naquele lugar funcionou um posto! Sim um posto de gasolina? E ai será que o nosso relógio na Rua da Matriz, não merecia ser retirado e ter sido levado para outro espaço de melhor convivência? Essa não seria uma das tantas alternativas e talvez mais viável?

Eita! Ainda há quem pense que o “País de Caruaru”, como bem disse o escritor Nelson Barbalho, está se transformando em vila, depois lugarejo e no final, rodeados de casas.

E só para trazer mais uma reflexão, na Europa se preserva o passado em todos os aspectos, é política real. Até os cemitérios por lá são motivos de visitação e espaços turísticos. Aqui não se respeita os vivos quem dirá os mortos.

 

Hérlon Cavalcanti é jornalista e escritor.

Natural do Rio de Janeiro, é jornalista formado pela Favip. Desde 1990 é repórter do Jornal VANGUARDA, onde atua na editoria de política. Já foi correspondente do Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Portal Terra.

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