Por João Américo
Um cidadão foi preso em flagrante acusado de vender drogas. Mas que o flagrante foi ilegal, a prisão ocorreu ao arrepoio da lei, pois, no momento da prisão, não foi respeitada a regra básica e elementar da inviolabilidade do domícilo. E o caso chegou a um Juiz justo e correto, que, diante da absoluta ilegalidade do fato, determinou a soltura do encarcerado e a devolução do que foi apreendido com ele.
Ocorre que a decisão do Juiz continha um erro material e, em uma leitura apressada, aparentava que o Juiz havia determinado, junto com a soltura, a devolução da droga apreendida. Esse erro foi corrigido. O Juiz, em despacho, completando a decisão de sultura, determinou que o cidadão fosse solto e que a droga continuasse apreendida. O que houve foi uma mudança da palavra “MESMO” por “MENOS”, ou seja, o cidadão deve ser solto, devolvendo-se tudo que foi apreendido com ele “MENOS” a droga, diferente do primeiro verso decisório, e não “MESMO” a droga.
Por conta desse erro gráfico, logo eclodiram manchetes em todo o país, em uma escala inimaginável, as quais, em síntese, aduziam: “Juiz manda devolver a droga ao preso”, ou ainda mais absurdas: “Juiz manda polícia devolver drogas apreendidas ilegalmente, mas depois recua” e “Juiz manda polícia soltar traficante e devolver a droga para o criminoso”.
No processo do “Tribunal Midiático” não existe o contraditório e a ampla defesa, e toda essa gritaria poderia ter sido silenciada se quem divulgou as matérias se desse ao trabalho de ouvir o Juiz, e assim, o erro estaria esclarecido. Mas preferiram a proliferação da notícia, sem oportunidade de esclarecimento ou manifestação de quem proferiu a decisão, no caso, o Juiz.
O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros determina, no artigo 2º, que a divulgação de informação deve ser precisa e correta, e no artigo 3º do mesmo Código, lança-se as bases de que a informação divulgada deverá ser pautada pela real ocorrência dos fatos. A REGRA DE OURO de ouvir sempre todas as pessoas objetos de acusação jornalística é prescrita no artigo 14 do Código de Ética, que estabelece, ainda, o dever de “Tratar com respeito todas as pessoas mencionadas nas informações que divulgar”. Faltou respeito ao Juiz, que virou alvo da virulência da internet, produzindo contra o magistrado uma verdadeira Cyberstalking, e alguns incautos e desavisados iniciaram um movimento de Stalking ao magistrado, com ataques pessoais e profissionais.
O que existe em curso hoje no Brasil é uma engrenagem digital a serviço do ódio, da fake news, com viés autoritário e de linha político ideológica clara. Toda a notícia, verdadeira ou não, que sirva ao propósito dos “Engenheiros do Caos” (título do livro que trata das fake news, ódio e outras questões digitais, do autor Giuliano Da Empoli), são capturadas e amplificadas por uma “Máquina do Ódio” (título do livro da jornalista Patrícia Campos Mello), que tem na internet a plataforma para ampliar um discurso obscuro e devastar biografias.
No “Tribunal Midiático” em que o Juiz foi julgado, pouca ou quase nenhuma relevância se deu ao fato de que a prisão do “criminoso” (chamado de forma irresponsável por alguns), ocorreu de forma ilegal, abusiva e sem conformidade com o que determina a Constituição da República. Muitos ficaram caolhos e mudos ao procedimento ilegal que foi adotado pela polícia.
O Brasil ocupa, de forma desonrosa, o terceiro lugar em número de pessoas encarceradas, e muitos são os motivos para essa terrível marca. Mas nessa conta devem entrar os erros praticados pelo judiciário, ou pior, quando juízes convalidam ilegalidades praticadas pela polícia. Outro fato que ilustra os erros na condução de processos judiciais ocorreu no estado coirmão, Paraíba, onde um homem foi solto 7 anos após ter sido inocentado por crime de latrocínio. De quem foi o erro?
Voltando ao nosso caso e ao nosso personagem. O Juiz agiu de forma correta, prezando e zelando pela lei. A sua atuação foi corajosa e precisa ao corrigiu dois erros, o da prisão ilegal e o erro de digitação em sua decisão, e a fez chegar a quem de direito.
Infelizmente, no “Tribunal Midiático” de processos céleres e sentenças injustas não cabe apelação, sobrou sensacionalismo, faltou honestidade jornalística. Só nos cabe “dizer bem alto que a injustiça dói”, mas o Juiz é madeira de lei que a mídia injusta não rói.
João Américo é Advogado e comentarista da Caruaru FM