Artigo: A maldição das redes sociais

Por João Américo de Freitas

Cantada em verso e prosa como uma coisa boa, com o fim de aproximar pessoas, as redes sociais ocupam, para muitos, o papel central de sua vida. A linha do que é real e digital é cada vez mais tênue, e em alguns momentos não dá para separar, criando uma verdadeira realidade virtual. O fato é que as redes sociais vieram para ficar, indissociáveis do ser humano moderno, que, em um futuro breve, lançará a humanidade em uma dimensão existencial virtual.

Nas divisões geracionais, a chamada geração Z, nascidos a partir de 2000 – o primeiro contato com a internet aconteceu até os 11 anos de idade. Para 77,9% daqueles que possuem entre 16 e 30 anos o primeiro contato com a internet aconteceu entre 6 e 15 anos de idade. Podemos concluir que no processo de descobrimento da vida, formação intelectual, de caráter, na educação, teremos, pela primeira vez na história, uma geração intimamente ligada à internet.

Em documentário revelador produzido pela empresa que opera na internet, a Netflix, chamado O Dilema das Redes, somos apresentados ao lado obscuro e sombrio das redes socais, que por meio de instrumentos de análise de dados, algoritmos, manipulam, direcionam e vendem coisas e pessoas sem que o “usuário” tenha consciência do que se desdobra em suas telas.

No livro Minimalismo Digital Viver Melhor com Menos Tecnologia, do professor de computação na Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos, Cal Newport, indica que as redes sociais são comparáveis ao tabaco, como uma droga que gera vício e dependência. A urgência e a necessidade em postar e depois acessar as redes socias, transforma-se, diz o professor, “numa compulsão nervosa que desfaz o tempo ininterrupto em pedaços demasiado pequenos para suportarem a presença necessária para uma vida consciente”.

O objetivo e manter você e eu o maior tempo possível conectados às redes sociais. Para isso, existem vários métodos e um deles é a exibição automática do conteúdo que você está sintonizado, mas que não pediu. O próximo vídeo do Youtube, o próximo capítulo da série na Netflix, o próximo conteúdo do Facebook e do Instagram, são alguns desses métodos viciantes de prender nossa atenção.

Mas para além da saúde metal, as redes socias exercem papel central nos processos democráticos, pois o espaço “democrático” das redes sociais deu voz aos mudos e luz aos obscuros sem espaço nas mídias formais. Os que defendem que a terra é plana, que toda vacina é ruim, e que toda ação de governos é fruto de uma conspiração, ganharam seu habitat no seio das redes sociais conseguindo adeptos e engajamento. A Fake News e o discurso de ódio têm seu locus na internet. Com robôs e impulsionamento pago, as mensagens mentirosas ou de ódio podem chegar com mais força e serem tidas como verdades. As redes sociais contestam tudo, nada é verdade, e pela falta de senso do que é verdade, a narrativa assume os contornos do que é real. O escritor e filósofo italiano Umberto Eco afirmou que as redes sociais dão o direito à palavra a uma “legião de imbecis” que antes falavam apenas “em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade”. Humberto Eco ainda, com frase célebre, afirmou: “Nem todas as verdades são para todos os ouvidos. Nem todas as mentiras podem ser suportadas”

A impressa formal é contestada, pois sempre existe um interesse escuso na informação e, desse modo, quem ocupará o papel informativo da população serão as redes sociais, que só direcionam o conteúdo do qual o usuário tem interesse, tornando turva a visão de quem recebe.

Como diz o Apóstolo dos Gentios: “Porque agora vemos como por espelho, em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei plenamente, como também sou plenamente conhecido”.

Enquanto frequentamos o espaço digital, um pequeno demônio imperceptível se inocula em nossas vidas, direcionando palavras, pensamentos, que são inundados por um rio de imagens que flui rapidamente, jorrando das névoas dos conteúdos produzidos. A sociedade, vendo só uma parte do retrato, fica desnorteada e fascinada diante de um mundo incompressível, onde tudo é mentira e conspiração, e sempre existe um lado oculto a se desvelar, além de flertar com o abominavelmente profano e ilusório.

João Américo de Freitas é advogado e analista político da Caruaru FM

Natural do Rio de Janeiro, é jornalista formado pela Favip. Desde 1990 é repórter do Jornal VANGUARDA, onde atua na editoria de política. Já foi correspondente do Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Portal Terra.

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