Bolsonaro perdeu guerra política que criou

Por Fernando Castilho*

Pronto. João Doria conseguiu a foto que tanto desejava e o fato político é que o presidente Bolsonaro perdeu a aposta que ele mesmo fez, e que dobrou, ao tentar obter 2 milhões da vacina da AstraZeneca.

É importante destacar isso. O presidente que, em dez meses, não fez a divulgação de uma só mensagem de aplicação de nenhuma vacina e inventou uma guerra com o governador de São Paulo. Se a gente lembrar, Doria quase que implorou a Bolsonaro para comprar as vacinas do Instituto Butantan e ele recusou a oferta.

Bolsonaro fez mais: atrasou os processos de aquisição do imunizante e nessa campanha destruiu a carreira de seu ministro da Saúde, Pazuello, submetendo-o a uma humilhação consentida que transformou o general numa figura patética. E levantou publicamente suspeitas infundadas sobre a eficácia da vacina.

O presidente não precisava fazer isso. A eleição é em 2022 e, dependendo das condições, talvez nem ele nem Doria estejam numa disputa sobre quem será o próximo presidente. Mas ele fez e perdeu. Atrapalhou o processo e se atrapalhou no projeto de faturar o início de uma campanha de vacinação que não ajudou a construir.

O presidente, talvez, por não acreditar em vacina, não fez nenhum movimento para que o Brasil tenha também uma vacina para a covid-19 como, alias, fizeram os demais países do BRICs como Índia, China, Rússia e África do Sul. Estimulo federal zero.
Bolsonaro também atrapalhou as conversas com a Pfizer. E orientou Pazuello a discutir preço. O resultado é que hoje estamos pendurados na vacina da SinoVac e, em breve, da AstraZeneca.

Mas isso é passado. O Brasil tem 209 mil mortes (10 mil delas em Pernambuco), 8,4 milhões de infectados e enfrenta uma segunda onda de contaminação maior que a primeira porque Bolsonaro insiste em não colaborar com a mensagem de usar máscara e não se aglomerar.

E é por isso que Pazuello não tem qualquer autoridade moral de criticar Doria porque ele fez uma solenidade para aplicar a primeira vacina. Até porque o governo federal não pagou pelo lote de 6 milhões que foi objeto da autorização do uso emergencial.
Então o que precisamos é saber quando o Butantan começa a produzir as vacinas regularmente, o que vai dar efetividade à aplicação da vacina. Sem isso, ficaremos na portaria de ataque à pandemia.

Temos uma outro problema como revelou hoje o colunista Merval Pereira no jornal O Globo: no caso da AstraZeneca não tem ainda a garantia de envio do chamado Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) para a Fiocruz iniciar a produção das doses de vacinas porque ele não foi liberado pelas autoridades da China.

Interessa pouco a linha de produção da Fiocruz já estar pronta para produzir vacina. E aí tem uma detalhe que só agora se sabe e que mostra a contradição do governo Bolsonaro.

A Fiocruz escolheu o “sítio” (na linguagem técnica) da China como responsável pelo contrato do envio porque temia os Estados Unidos de Donald Trump. Ninguém na Fiocruz acreditava que a fábrica dos Estados Unidos pudesse mandar o IFA sem correr o risco de o presidente hoje derrotado travar.

Na verdade, corremos o risco que as 50 milhões de doses que a Fiocruz pretende produzir até abril vão vacinar o dobro das pessoas inicialmente previstas.

Na época estava viva a imagem dos Estados Unidos mandando aviões e requisitando material e respirador. Imagina vacina. Então, a questão é quando é que vem o IFA da China. Claro que eles virão. Mas o problema é prazo para chegada do princípio ativo e o envasamento.

Mas temos também problemas com o IFA do Butantan. Temos o desafio de receber o IFA da SinoVac e iniciar uma produção regular. Afinal, temos uma meta de produção de pelo menos 350 milhões de doses.

Mas hoje é dia de comemorar. Mônica Calazans, de 54 anos, moradora de Itaquera, com perfil de alto risco para complicações da covid-19 e enfermeira negra do hospital Emílio Ribas, que está há oito meses na linha de frente do combate ao coronavírus, foi a primeira brasileira a receber neste domingo, 17, uma dose da vacina Coronavac.

A aplicação ocorreu minutos após a Anvisa autorizar o uso emergencial desta e também da vacina de Oxford por unanimidade. E é importante destacar que Monica, quando começaram os testes clínicos da vacina Coronavac pelo Instituto Butantan, também se voluntariou para os testes e estava no grupo que recebeu placebo.

Portanto, é justo que a primeira dose fosse aplicada nela. Foi uma notícia importante. Nessa semana de tanta coisa ruim e que Bolsonaro se esmerou em produzir mais ainda.

*Jornalista. Titular da coluna JC Negócios, do Jornal do Commercio.

Natural do Rio de Janeiro, é jornalista formado pela Favip. Desde 1990 é repórter do Jornal VANGUARDA, onde atua na editoria de política. Já foi correspondente do Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Portal Terra.

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