Assédio da ciclista é reflexo de um comportamento incoerente fruto de um transtorno coletivo, revelam especialistas



Uma mulher estava pedalando sossegada quando foi vítima de assédio por um homem desconhecido. O caso foi captado por uma câmera de monitoramento e rapidamente ganhou a internet. Dentre os mais diversos comentários, muita gente acredita que o assediador cometeu este delito na certeza de que não seria punido por isso.

No entanto, conforme define a neuropsicóloga Leninha Wagner, “vivemos numa sociedade capitalista e de cultura machista. As mulheres fizeram grandes conquistas, abriram caminhos sociais onde antes era impensada a participação delas. Hoje ocupamos postos de trabalho de nichos absolutamente masculinos anteriormente. Estudamos mais, controlamos a natalidade por meios contraceptivos, temos mais informação e formação de nível superior. Mas, isso não fez das mulheres aliadas dos homens, ainda nos veem como competidoras, uma adversária que agora é protagonista da própria história”.

Além disso, o modelo cognitivo masculino por via de regra, é de ser o macho alfa, o grande predador. “Quer, portanto, estabelecer uma relação predatória. Enquanto isso, as mulheres estão ganhando espaço, como atores sociais importantes, e isso acarreta a mente masculina, uma espécie de ameaça para a posição social ou laboral deles”. Para reverter este quadro, Leninha recomenda “modificar o modelo mental, tornar homens e mulheres, aliados, parceiros e sócios para a vida”.

A neuropsicóloga recorda ainda que atualmente as mulheres que sofreram assédio podem contar com o suporte da tecnologia: “Quando uma vítima fala e denuncia traz voz a muitas outras que se calaram. Quando ela se cala, perpetua o crime, o desrespeito, silenciando todas as outras que foram desrespeitadas, violadas. Então aproveitem que existe este espaço e não deixem de denunciar casos como este. A situação só poderá mudar quando atitudes como essa forem tomadas pelas mulheres”, completa.

Complementando essa visão, o PhD, neurocientista e biólogo Fabiano de Abreu acredita que o caso traz à tona uma outra questão pouco debatida até então: “Fala-se muito em impunidade no Brasil, mas não vejo desta forma. Até porque ninguém quer correr o risco de ser preso ou responder a um processo a não ser que lhe falte coerência e raciocínio lógico. Eu acredito que algumas ações estão relacionadas à falta de percepção das consequências, a um narcisismo exacerbado e cultural, onde a pessoa quer se destacar, pensa ter algum tipo de superioridade, cometendo atos com inconsequência”.

Além disso, ele observa que “a má qualidade no processo educacional do Brasil, uma herança antiga que já perdura décadas, vinculado à ansiedade do brasileiro relacionada à violência, economia e política, influencia ao maior consumo de internet, rede social, para a liberação de neurotransmissores da felicidade, como a dopamina, para recompensar e afastar a atmosfera negativa imposta pela ansiedade, que é uma pendência e busca através da amígdala cerebral um mapa de opções de memórias negativas para uma melhor solução. Todo esse processo prejudica a conexão do córtex pré-frontal, região racional do cérebro, com o sistema límbico, região da emoção no cérebro, acarretando em comportamentos incoerentes, como este caso”, completa.

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