Artigo: O mensageiro vai estar passando

Por Menelau Júnior

Esta semana, recebi uma ligação de uma instituição que se mantém através de doações. Acho importante colaborar, dentro das possibilidades de cada um, claro. A telefonista, de uma simpatia enorme, perguntou como eu ia, agradeceu contribuições anteriores e perguntou se eu “poderia estar contribuindo” este mês, para que ela “pudesse estar enviando” o recibo, já que o mensageiro “iria estar passando” até o fim da semana. E lá estava eu, sendo bombardeado por gerúndios desnecessários, mas que fazem parte do treinamento de telefonistas, atendentes, empresários.

Que se fique claro: usar o gerúndio (verbos com a terminação “-ndo”) não é crime. Nunca foi. O problema é usá-lo de forma abusiva, desnecessária. O gerúndio pode indicar uma ação em curso, que ocorre ao mesmo tempo que outra, antes ou depois dela. Quando alguém diz: “Ele sorriu com a companheira, abraçando-a carinhosamente”, as ações de sorrir e abraçar são concomitantes. Em: “Chegando em casa, então ele chorou”, o gerúndio expressa uma ação anterior a outra. São dois exemplos do gerúndio bem empregado.

O problema maior no emprego desta forma nominal é quando ela faz parte do conjunto “vou/vamos/vai + estar + fazendo alguma coisa”. No telefonema em questão, ouvi frases como “o senhor vai estar contribuindo”, “o mensageiro vai estar passando”, “nós vamos estar enviando”. Seria bem mais simples assim: “O senhor vai contribuir”, “O mensageiro vai passar” (ou “passará”), “Nós enviaremos” (ou “vamos enviar”).

A “gerundite” provavelmente veio de forma inglesa “I´ll be talking”, “I´ll be waiting”,  que, numa tradução literal, seria algo como “Eu vou estar conversando”, “Vou estar esperando”. Entretanto, ninguém pode esquecer que não é possível fazer “traduções” sem uma adequada adaptação ao idioma para o qual se traduz o texto ou a frase.

Pode parecer bobagem, mas esse tipo de construção, embora tenha caído no gosto de publicitários, empresários, telefonistas e atendentes, não acrescenta nada ao nosso sofrido idioma e, além disso, não encontra respaldo no próprio uso do gerúndio. Seria bom que nós evitássemos (e não que “pudéssemos estar evitando”).

Menelau Júnior é professor de língua portuguesa. Escreve para o blog todas as quintas-feiras. E-mail: menelaujr@uol.com.br

Natural do Rio de Janeiro, é jornalista formado pela Favip. Desde 1990 é repórter do Jornal VANGUARDA, onde atua na editoria de política. Já foi correspondente do Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Portal Terra.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *