Por Wolney Queiroz*
No bojo das justas homenagens ao inesquecível Fernando Lyra, atrevo-me a juntar uma singela, porém sincera, contribuição.
Eu era criança quando conheci Fernando Lyra, portanto, sempre o vi com admiração. Sob ótica infantil, Fernando era, além de adulto, o melhor dos adultos, visto que os demais sempre estavam em roda para escutá-lo.
Tanto ele quanto meus pais tinham apartamento no famoso edifício Marlin, na praia de Piedade, em Jaboatão dos Guararapes. Fernando e Márcia, moravam no 101 e meus pais, em cima, no 201. “Menino, pelo amor de Deus, pisa devagar para não incomodar Fernando”, era a frase que eu e meu irmão, Wolmer, ouvíamos de mamãe todos os dias.
Eu tinha sete ou oito anos de idade e três coisas são absolutamente marcantes nas memórias que tenho dele: o fio de telefone de uns vinte metros, que possibilitava que o aparelho passasse da sala de jantar à de sala de estar e à varanda (não havia telefone sem fio nessa época); o cheiro agradável de colônia Eau Sauvage, Cristian Dior; e o charmoso hábito de virar rapidamente o rosto para a esquerda, enquanto piscava os dois olhos e arrumava a gola da camisa com a mão direita.
Com sua eloquência e gestual, Fernando me hipnotizava. Como eu gostava de quando papai dizia: “Vou lá embaixo, conversar com Fernando” e perguntava “Quer ir?” Eu não perdia uma!
O ano era 1986, eu já era adolescente, Fernando Lyra liderava o grupo político do qual fazíamos parte. Deputado federal de muitos mandatos, respeitado por suas posições e sobretudo pela sua verve, Fernando era venerado pelos jornalistas estaduais e nacionais. E muito mais ainda por nós, seus liderados.
Ouvir as suas opiniões sobre o cenário político-eleitoral, seus causos e sua vivência no parlamento eram um deleite para mim, que àquela altura já ambicionava uma carreira política.
Fernando era nosso farol. Já houvera sido ministro da justiça de Tancredo Neves e estava num patamar que nenhum dos seus contemporâneos e conterrâneos ousava imaginar chegar.
Três anos depois, Fernando migrava para o PDT, vindo a ser candidato a vice-presidente da república de Leonel Brizola. Todos nós o acompanhamos nessa travessia partidária – deixando o PMDB e cerrando fileiras no trabalhismo – embora só eu e Zé Queiroz tenhamos permanecido no partido de Brizola.
Fernando era a síntese do que, pra mim, significava o bom político: coerente e respeitado, era bem relacionado e com posições firmes. Todavia, o seu ponto forte era sua sagacidade e lucidez na leitura dos acontecimentos e cenários políticos.
No ano de 1992, meu pai, Zé Queiroz, vencia, sem o apoio dos Lyra, as eleições para o seu segundo mandato como prefeito de Caruaru. Naquela eleição eu me elegi vereador.
No ano seguinte, iniciou-se uma briga política que logo descambou para o campo pessoal. Os Queiroz e os Lyra passaram a ser dois grupos políticos diferentes e antagônicos.
Embora a paz seja melhor que a guerra, foi graças à essa última que eu pude disputar e ganhar minha primeira eleição de deputado federal, em 1994, aos 21 anos de idade. Fernando também se elegeu, ele para o seu sexto mandato, mas devido à briga, não nos falávamos. Sequer nos cumprimentávamos.
Um dia, no início do mandato, eu fui entrevistado pelo jornalista Carlos Monforte no Bom dia Brasil, da TV Globo. Quando foi à noite, o jornalista Magno Martins me telefonou dizendo: “Olha, falei com Fernando Lyra e ele elogiou tua entrevista. Disse que você rapidamente se consolidaria em Brasília”.
Para mim, aquilo era a dupla glória. Primeiro a entrevista à Globo, numa quarta-feira de manhã. E depois, tão ou mais importante, a aprovação do meu adversário.
A nossa briga durou mais alguns anos, até que no primeiro semestre do ano 2000, chegamos à conclusão que separados perderíamos a eleição para Tony Gel. Era necessário superar as desavenças e diferenças para conseguir vencer o adversário comum.
O escritório do jornalista Zé Nivaldo e do publicitário Marcelo Teixeira era o terreno “neutro” para a primeira conversa entre João Lyra e Zé Queiroz depois de anos de troca de acusações e insultos. Temendo um desfecho desagradável, eu fui ao escritório de Fernando, no edifico Sete, também na Ilha do Leite, em Recife. Conversamos muito.
Fernando discorreu longamente sobre a trajetória comum aos dois grupos, contou histórias, e ressaltou a importância de nos unirmos, nos reagruparmos, para manter o comando da nossa cidade. Aquela foi a minha primeira conversa com Fernando Lyra de homem para homem. Conversa franca, direta e sem testemunhas.
Saímos do seu escritório no mesmo carro e chegamos juntos à sede da Makplan, para perplexidade de João Lyra, Zé Queiroz, Zé Nivaldo e Marcelo Teixeira, que aguardavam a nossa chegada (separados, claro) para o início da reunião.
A união foi feita, o candidato tertius foi Jorge Gomes, porém mesmo unidos, perdemos para Tony Gel. A partir dali, passei a ter bom convívio com Fernando, o que perdurou até o seu falecimento.
Teria muito mais a dizer das qualidades políticas e humanas de Fernando Lyra. O que palavras não podem traduzir são o quanto Fernando Lyra inspirou e iluminou, não apenas a minha carreira, mas toda uma geração de filhos da Democracia.
*Secretário-executivo do Ministério da Previdência
Wagner Gil
Natural do Rio de Janeiro, é jornalista formado pela Favip. Desde 1990 é repórter do Jornal VANGUARDA, onde atua na editoria de política. Já foi correspondente do Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Portal Terra.