A cidade como casa comum: o direito animal na construção de espaços urbanos inclusivos

A idealização de cidade como um espaço comum a todos os seus habitantes, onde a dinâmica social deve se manifestar sobre a fundamental necessidade de entender o papel dos animais não humanos no contexto urbano, é de suma importância. Historicamente, a concepção de cidade tem sido associada sempre aos direitos humanos, mas há um amadurecimento na conscientização sobre a indispensabilidade de considerar os direitos dos animais não humanos, principalmente no cenário de extrema vulnerabilidade, como é o caso dos animais em situação de rua.

O direito à cidade é arquitetado como um direito fundamental que incorpora as relações sociais, econômicas, políticas e culturais dentro de um espaço urbano. Esse direito deve ser inserido de maneira cabal, considerando a correlação com a natureza e o meio ambiente. Em uma interpretação mais ampla e inclusiva, esse direito também se desdobra para alcançar aos seres não humanos que compartilham os territórios urbanos.

Os animais não humanos, como sujeitos de direitos, vivenciam diretamente os efeitos da dinâmica urbana. Portanto, é imperativo que o planejamento urbano e as políticas públicas incluam esses seres vivos com responsabilidade e sensibilidade. A criação de cidades justas, respeitosas, inclusivas e sustentáveis demanda reconhecimento onde se promova o bem-estar dos animais não humanos como partícipe da saúde única e da educação.

É sabido que, especialmente aqueles animais não humanos em situação de rua, tradicionalmente experimentam uma invisibilidade pública significativa nos municípios. Essa invisibilidade é ampliada pela falta de políticas públicas efetivas que assegurem o resguardo e bem-estar. Dessa maneira, um dos grandes desafios é ascender esses animais em situação de rua à condição de animais comunitários, amparado pelo manto estatal e pela sociedade.

No entanto, esse reconhecimento requer uma transformação fundamental na perspectiva das políticas públicas dos municípios, que devem incorporar a introdução dos animais não humanos no planejamento urbano e na administração pública. É indispensável que haja uma disposição conjunta de ativistas, de políticos da causa animal, da sociedade civil, de gestores públicos e profissionais na área do direito com o fito de garantir que os direitos dos animais não humanos sejam assegurados e promovidos de maneira efetiva.

Na verdade, para que haja a proteção dos seres não humanos, e que seja possível a transformação em realidade, é primordial executar políticas públicas que englobe o mapeamento dos animais em situação de rua, suas particularidades, condições de saúde e agentes de apoio comunitário. A elaboração de bancos de dados pelos municípios é um instrumento que pode auxiliar a consolidar a rede de proteção e a influenciar a comunidade, sensibilizando para a sua responsabilidade compartilhada.

Outrossim, a perspectiva deve compreender a educação animalista em todos os níveis da gestão municipal, bem como nas comunidades. Dessa forma, qualificar os agentes públicos e organizações sociais para que compreendam e empreendam esforços na proteção animal é essencial para assegurar que as políticas sejam executadas de forma exitosas.

Nesse passo, urge salientar que a legislação cumpre um papel importantíssimo como instrumento na proteção dos seres não humanos. O avanço na criação de normas jurídicas e de leis específicas para a causa animal retratam um aumento considerável no interesse político e na necessidade de regulamentação. Entretanto, ainda há uma escassez de dados estatísticos e é um desafio expressivo na criação de censos nos municípios que incorporem famílias multiespécies e o quantitativo de animais em situação de rua.

Assim, o direito à cidade deve ser concebido de forma ampla, incluindo os direitos dos animais não humanos como partícipe das políticas públicas urbanas. A construção de cidades mais justas e sustentáveis exige um esforço incessante para identificar e promover o bem-estar dos animais, assegurando que todos os habitantes, humanos e não humanos, possam viver em harmonia, respeito e com dignidade.

Ao escolher uma abordagem inclusiva e interdependente, é possível transformar as cidades em espaços verdadeiramente comuns, onde todos os seres vivos são reconhecidos e protegidos. A inserção do direito animal nas políticas urbanas não é apenas uma questão de justiça, é uma necessidade garantidora de um futuro sustentável e igualitário para todas as formas de vida.

Marcelo Augusto Rodrigues, é advogado especialista em direito ambiental e urbanístico, ex-Secretário de Meio Ambiente do Recife, e sócio proprietário do escritório de advocacia Marcelo Rodrigues Advogados.

Natural do Rio de Janeiro, é jornalista formado pela Favip. Desde 1990 é repórter do Jornal VANGUARDA, onde atua na editoria de política. Já foi correspondente do Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Portal Terra.