Por Marcelo Rodrigues
Você já brigou por causa de um quebra-cabeça? Tipo, alguém desmonta tudo que você montou e ainda fica com as peças coloridas. A justiça climática é mais ou menos isso: Um jogo onde alguns montam castelos de areia na parte seca da praia, enquanto outros tentam segurar as ondas com as mãos.
De uns tempos para cá, a percepção é que o clima virou aquela discussão de família onde todo mundo fala, mas ninguém escuta. Enquanto países ricos debatem metas em salas com ar-condicionado, ilhas inteiras desaparecem no mapa e comunidades periféricas viram alvo fácil de enchente ou calor de derreter asfalto. Não é sobre “salvar o planeta” — ele sobreviveu a asteroides, vai sobreviver a nós. É sobre quem segura a bronca enquanto o termômetro sobe.
Justiça climática é entender que a avó que planta mandioca no quintal não tem a mesma “culpa” pelo aquecimento global que uma indústria que solta fumaça 24h por dia. É reparar que o mesmo povo que não tem grana para comprar um ventilador é o que mais sofre com blackout na onda de calor. É sobre olhar para o lado e perguntar: “Quem está pagando o pato?” Quase sempre são os que menos estragaram a festa.
A administração pública tem um papel fundamental na promoção da justiça climática. A gestão financeira dos municípios deve incorporar critérios que garantam a inclusão social e a sustentabilidade ambiental. O planejamento orçamentário precisa priorizar ações que reduzam os impactos climáticos sobre os mais vulneráveis, promovendo políticas públicas que fortaleçam a resiliência das comunidades e reduzam desigualdades. Além disso, a transparência e a participação popular são essenciais para garantir que a população tenha voz nas decisões que afetam seu território e sua qualidade de vida.
A transição para um modelo de desenvolvimento sustentável passa por mudanças na arrecadação e no uso dos recursos públicos. A criação de incentivos fiscais para práticas ecológicas, a reavaliação de benefícios concedidos a setores poluentes e a adoção de mecanismos financeiros inovadores são algumas das estratégias para garantir que o meio ambiente e a justiça social caminhem juntos. Sem planejamento e ação integrada, não será possível construir um futuro em que o combate às mudanças climáticas esteja aliado à redução das desigualdades.
Ah, e não precisa ser Greta Thunberg! Justiça climática também é você escolher de quem comprar o café, questionar por que o bairro rico tem árvores e o seu não, ou até compartilhar um post que ensina a fazer captação de água da chuva ou plantar uma árvore. Pequenos gestos viram holofote quando viram coro.
No fim, é sobre lembrar que crise climática não é um filme de catástrofe — é um reality show onde todos somos personagens. E a gente pode escolher se vai ser aquele que vaza o roteiro ou o que ajuda a reescrever o final.
Da próxima vez que ouvir “aquecimento global”, troque por “resfriamento das desigualdades”. Afinal, clima justo é igual varal de rua: todo mundo tem que ter acesso ao sol e à sombra.
Marcelo Rodrigues, é advogado especialista em direito ambiental e urbanístico, consultor técnico em sustentabilidade da Prefeitura Municipal de Caruaru, ex-Secretário de Meio Ambiente do Recife.