Por Maurício Rands
Em seu recente livro (Nexus, 2024), Youval Hararirelembra que o sapiens conquistou o mundo não por conseguir transformar a informação em um mapa acurado da realidade; mas, sim, pela capacidade de usar a informação para se conectar e cooperar em larga escala. Ele critica a visão ingênua sobre as redes de informação mostrando que o mero desenvolvimento de poderosas tecnologias de informação, como as de Inteligência Artificial, não vai produzir uma compreensão do mundo mais acurada. E adverte-nos de que precisaremos fazer as escolhas certas para que a IA – “maior revolução da informação da história” – não se volte contra nós que a criamos. Para que os cenários mais negativos não se realizem.
A extraordinária concentração de poderes dos superbilionários das big techs precisa ser contrastada com a articulação dos que estão sendo deixados de fora. Isso tem sido feito em alguns foros globais, como o Foro Social Mundial, o Foro Social de Davos, a Aliança Global contra a Fome. E, agora, o Foro Social do G20 que acaba de se reunir no Rio. Sua declaração final, elaborada pela sociedade civil global(https://www.g20.org/pt-br), apresenta um roteiro que deveria ser levado a sério para que as escolhas sejam feitas em linha com as advertências de Harari. Não é razoável que o mundo continue gastando US$ 2,4 trilhões por ano com armas para tantas guerras. E que, ao mesmo tempo, 75% das riquezas se concentrem em apenas 10% das pessoas. Em contraste com os apenas 2% de riquezas detidos por 50% da população. Temos recursos e produção para que ninguém, em nenhum país, passe fome e fique privado de escola, casa e assistência à saúde. Se as soluções não são implementadas, isso se deve às más escolhas que têm sido feitas até agora. Escolhas que, ademais, estão na raiz dos eventos climáticos extremos que ameaçam inviabilizar a vida humana e a de outras espécies.
A Carta do G20 Social foi elaborada com a participação dos movimentos sociais de “mulheres, negros e negras, povos originários e indígenas, comunidades tradicionais, pessoas com deficiências, LGBTQIA+, jovens, crianças, adolescentes, pessoas idosas, populações deslocadas ou em situação de rua, migrantes, refugiados e apátridas, trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, da economia formal, informal, solidária e de cuidados.” As demandas são apresentadas em três eixos. O primeiro – Combate à Fome, à Pobreza e à Desigualdade – clama pela adesão dos países do G20 à Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, com soberania alimentar, centralidade do trabalho decente nos padrões da OIT para superação da pobreza e das desigualdades. No segundo eixo – Sustentabilidade, Mudanças do Clima e Transição Justa, o documento pede os compromissos de adaptação e mitigação no âmbito da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) e do Acordo de Paris, com transição justa para substituir o modelo de produção baseado em combustíveis fósseis por uma economia de baixo carbono, e a criação do Fundo Floresta Tropical para Sempre (TFFF). No terceiro eixo – Reforma da Governança Global – a carta advoga uma “reforma das instituições internacionais para que reflitam a realidade geopolítica contemporânea”, com a promocão do multilateralismo, da reforma do Conselho de Segurança da ONU, da democracia e da participação da sociedade civil. O Foro Social do G20 também propôs que a justiça fiscal seja incluída na declaração dos chefes de governo do G-20 nessa 3ª feira. Sabe-se que a taxação progressiva de 2% da fortuna de 3 mil bilionários poderia gerar recursos para custear políticas de amparo à metade da população mundial (global.taxaosbi.org). Senti falta de propostas concretas para a juventude da periferia hoje tão susceptível aos falsos apelos da teologia da prosperidade fácil. Faltou ampliar o mapa…
Maurício Rands, advogado formado pela FDR da UFPE, professor de Direito Constitucional da Unicap, PhD pela Universidade Oxford