Por Maurício Rands
A esquerda vai precisar ir além da reafirmação de seus valores. Vai precisar definir novas identidades. Novos objetivos específicos. Novas propostas. Nova concepção de desenvolvimento. Além de novas linguagens. Útil a lição de Mancur Olson, no clássico “A Lógica da Ação Coletiva” (1965). Para ele, a ação coletiva tem dificuldades de produzir os benefícios coletivos por conta da racionalidade imediatista das pessoas. Que, individualmente, têm incentivos para evitar os custos da participação. Tendem a agir como caroneiros (“free riders”) que se beneficiam dos esforços coletivos dos outros. Mas, se os instrumentos da ação coletiva (entes públicos, partidos, sindicatos, ONGs, associações, redes sociais organizadas) tiverem objetivos e identidades redefinidos, aí a participação coletiva pode ser viável. É preciso desenvolver incentivos de identidade. O senso de pertencimento a uma comunidade com objetivos comuns e solidários. O desafio é criar condições para que os agentes redefinam a natureza dos incentivos que buscam. Não mais almejar apenas os resultados individualistas. As conquistas coletivas devem passar a integrar o conjunto das aspirações dos participantes. As identidades e projetos pessoais são reconceitualizados. Na reflexão de Olson, a cooperação que viabiliza a ação coletiva é produzida com a criação de incentivos seletivos exclusivos aos que participam do esforço coletivo. Esses incentivos podem ser benefícios ou sanções. Podem ter natureza material ou simbólica. Importa que sejam capazes de motivar os indivíduos a colaborar.
Para a tarefa de redefinição da esquerda, vai ser necessária uma combinação teórica e prática de alcance estratégico. Reafirmar seus valores, princípios e programas. Mas redefinindoos incentivos e benefícios coletivos a serem buscados. Reconceitualizar os projetos, programas e objetivos específicos capazes de mobilizar e encantar. Adaptar-se ao novo ambiente sem se metamorfosear naqueles que simplesmente se amoldam ao individualismo, ao consumismo e às ambições de poder. Inovar para apresentar soluções concretas às aspirações dos trabalhadores, pobres e excluídos. Romper com a visão ultrapassada de que o Estado vai resolver tudo. Superar a resistência a reformas das instituições estatais para libertá-las da captura por estamentos privilegiados. Para que o Estado passe a retornar serviços de melhor qualidade. Sem essas profundas redefinições, as forças progressistas terão dificuldades para voltar a encantar os que foram deixados para trás. Sem essas redefinições, a esquerda não conseguirá deter o avanço dos supostos “outsiders” que se vendem como se fossem contra a política e contra o Estado ineficiente e corrupto. O espaço fica aberto às tentações autocráticas dos que usam os instrumentos da democracia para miná-la.
A esquerda precisa descobrir como reembalar os sonhos pessoais. Como combinar as entregas de bem-estar coletivo com os canais para a ascensão individual que não seja mero enriquecimento material. Mas reconhecendo que o componente material está na base das aspirações da juventude, sobretudo a da periferia excluída. E precisa resgatar o DNA republicano e apartado das práticas corruptas da política tradicional. Precisa substituir a nova religião da matéria e do culto à prosperidade aleatória por uma nova modalidade, a prosperidade compartilhada e produtiva. Do contrário, perderá a disputa pelos corações e mentes dessa juventude. E, assim, facilitará o caminho dos que prometem ilusões do enriquecimento fácil da teologia da prosperidade, das apostas online, dos influenciadores digitais, dos pastores neopentecostais multimilionários e de impostores como Pablo Marçal e Deolane Bezerra. Sem essa redefinição, a cada eleição surgirão novos personagens similares desse submundo eticamente degradado. Tarefa que lhes é facilitada pelos algoritmos alavancadores do discurso histérico das redes sociais.
Maurício Rands, advogado, PhD pela Universide Oxford, professor de Direito Constitucional da Unicap