Por Magno Martins
Se vivo fosse, o ex-ministro de Tancredo que virou de Sarney, pelo destino da vida dado por Deus e não traçado pelo homem, o apaixonado e apaixonante Fernando Lyra faria hoje 81 primaveras bem vividas.
Sim, Lyra era um bom-vivant. Dentro e fora da política, sabia transformar o amargo em doce, o desafio em conquista. Amou e foi amado. Virou celebridade saindo do país de Caruaru para o Brasil que o adotou e dele fez ponte para descobrir que Tancredo Neves era o político mais talhado para operar a transição democrática.
Lyra não inventou Tancredo, é verdade. Mas seu olho vesgo, como parecia, enxergou mais do que um olho grande feito o de Brizola, de quem foi candidato a vice-presidente, quando foi a Minas dobrar Tancredo para disputar o colégio eleitoral contra Maluf.
Lyra era um animal político. Tinha o raciocínio rápido, agudo e um senso de humor que combinava a altivez pernambucana com o que o humor tem de melhor: a auto-depreciação.
Não falava mal de ninguém. como bem disse Paulo Henrique Amorim, um dos seus melhores amigos, que recentemente bateu à porta do céu a sua procura para matar a saudade:
“Nas conversas, jogava as cascas de banana e fazia o interlocutor dizer o que ele queria ouvir”.
Tinha dois ídolos: o pai, João, líder político que saiu de Caruaru, como ele, e Tancredo Neves. E duas paixões: Caruaru e Márcia, sua companheira de todas as horas.
Fernando era dos naipes de políticos que invejam o deserto de homens públicos vocacionados de hoje. Fez dela um sacerdócio, nunca se envolveu em escândalos financeiros. Construiu o bem, soube frutificar o imprescindível a todo político: a arte de convencer pelo diálogo, não pelas armas.
Frasista temido, mas admirável, deixou algumas pérolas já nos compêndios de história, como esta: “Sarney é a vanguarda do atraso e Fernando Henrique o atraso da vanguarda”.
Lyra era tão sabido que ouvia muito ficando calado, só falava na hora certa para dizer o certo por linhas tortas. Aprendi muito com ele, com quem não convivi tanto como o marqueteiro Marcelo Teixeira, seu cunhado, que guarda na memória um baú de causos maravilhosos compartilhados com ele na política.
O saudoso Lyra nos deixou em 2013, mas dele guardo a repreensão quase que dogmática de que a questão politica central é a desigualdade social do Brasil.