Elba Ravane
A Proposta de Lei do deputado Nilson Leitão (PSDB-MT) é inconstitucional e imoral. Fere a dignidade da pessoa humana, fere o direito que todo/a trabalhador/a tem a um salário mínimo , capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social (Art. 6º da CF/88).
Ao estabelecer em seu artigo Art. 3.º que “Empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural ou agroindustrial, sob a dependência e subordinação deste e mediante salário ou remuneração de qualquer espécie.” Acaba por admitir que patrões usem outras formas de remuneração que não o salário.
Precisamos ter bastante cuidado, nenhuma norma é descontextualizada da cultura, é preciso ter a clareza que a norma é produto da cultura, pode transforma-la ou pode reforça-la e a cultura vigente no campo quando o tema é a relação de trabalho, é de injustiça, exploração e raras vezes empregados/as recebem salários, salários mínimos, salários justos pelos trabalhos prestados. Se trabalha muito em troca de um pedacinho de terra para o plantio da família do/a empregado/a, se trabalha muito em troca da casinha para a família ter um teto, se trabalha muito cuidando de rebanhos de gado em troca de um filhote. Ao admitir como propõe a lei que o pagamento seja feito por outra espécie que não o salário, legaliza-se as injustiças nas relações de trabalho no campo.
O Projeto de Lei do representante dos ruralista que ardilosamente trata da relação de trabalho do campo separadamente das relações de trabalho recentemente aprovadas na infame reforma trabalhista, ainda admite o aumento até 12 horas da jornada diária, por “motivos de força maior ou necessidade imperiosa” e a força maior será aquela ditada pelo patrão/coronel, pois de acordo com o que estabelece o § 1.º do artigo 7º, “A necessidade imperiosa compreende condições climáticas adversas como períodos de chuva, frio ou de seca prolongados, previsão oficial de chuvas ou geadas, bem como o combate às pragas que exijam medida urgente, além de outras situações emergenciais peculiares.” Ou seja, se chove o/a trabalhador poderá (deverá se imposto pelo patrão) trabalhar 12 horas e se estiver seco, também vai trabalhar 12 horas.
Já o § 2º do Artigo 8º, abre uma brecha para o fim do repouso semanal que pode ser substituído por um período contínuo de até 18 dias de trabalho seguidos, a redação do artigo é uma armadilha, pois, dispõe que “A fim de possibilitar melhor convívio familiar e social, o trabalhador rural que desenvolva sua atividade laboral em local distinto de sua residência poderá, mediante solicitação e sujeito à concordância do empregador, usufruir dos descansos semanais remunerados em uma única vez, desde que o período trabalhado consecutivamente não ultrapasse 18 (dezoito) dias.” Qual empregador tem possibilidade de realizar tal negociação com os patrões?.
O/a trabalhador/a será forçado/a a trabalhar durante seu repouso semanal, o que afetará sua saúde física e mental e já que de acordo com o artigo 16, § 5º ele venderá suas férias o repouso seguido será o único tempo de restabelecer suas forças físicas, psicológicas e espirituais junto da família.
É a barbárie, é a escravidão arcaica em tempo presente. Como filha de agricultores meu coração sangra, porque os/as trabalhadores/as do campo que colocam a comida na nossa mesa, merecem mais respeito, mais dignidade e mais solidariedade por parte dos/as demais trabalhadores/as, é revoltante e precisamos nos revoltar.
Elba Ravane – Filha de Agricultores e advogada mestra em Direitos Humanos.