A sentença confirmou aquilo que já era sentido pelo coração. Em fevereiro, a juíza Christiana Caribé, da Vara da Infância e Juventude de Jaboatão dos Guararapes, concedeu a adoção de uma criança de 10 anos, que vivia em uma casa de acolhimento da cidade, a um casal paulista. Na decisão, uma novidade: a criança, que, apesar de ter nascido menino, se identifica como menina, teve autorizada a mudança do prenome masculino para o feminino no documento de certidão de nascimento.
A mãe, que é transgênera, Alexya Lucas Evangelista Salvador, e o pai, Roberto Salvador Júnior, comemoraram. “Para nós, é um momento de alegria, porque se concretiza um sonho. Ainda mais por ela poder ter uma nova certidão com o prenome retificado e a identidade de gênero também. Saber que ela nunca vai passar pelo o que eu passo, pois meu prenome de registro civil ainda é masculino. Ela nunca vai sofrer transfobia nesse sentido”, ressaltou Alexya.
A mudança teve como base o acompanhamento da criança feito por psicólogos. “Não foi uma decisão simples. Foi a primeira vez que atuei em um caso desses, mas tenho a certeza de que fizemos o necessário para atender aos interesses da criança e seu desejo. Para isso, tive o amparo de relatórios da equipe psicossocial da Justiça de São Paulo e de um Centro de Referência LGBT do mesmo Estado, além do parecer favorável do Ministério Público”, destacou a juíza Christiana Caribé.
Segundo a magistrada, estar nas casas de acolhimento e acompanhar as crianças disponíveis para adoção faz toda a diferença no desempenho do trabalho. “Eu vinha acompanhando a história dessa criança por, pelo menos, um ano. Estar próxima dela fez toda a diferença para notar as particularidades e poder atender suas necessidades de forma mais plena. No fim da audiência, ela aguardou que todos saíssem para falar comigo e me agradeceu por encontrar uma mãe que a entendia”, lembrou a juíza.
O estágio de convivência foi iniciado em setembro de 2016, quando a criança embarcou com os pais para Mairiporã, em São Paulo. Antes disso, ela viveu por um ano e meio no Lar de Maria, em Jaboatão. O primeiro encontro presencial foi na casa de acolhimento de Jaboatão, no dia 22 de setembro do ano passado. Antes disso, a aproximação foi feita por meio de ligações telefônicas, trocas de mensagens e vídeos por meios eletrônicos (whatsapp), o que contribuiu para aproximar a criança do casal. “O nosso encontro foi emocionante, algo de Deus. Num primeiro momento, a convivência foi bem desafiadora. Ela não tinha referência de família, de respeito, de compromisso com a escola. Mas agora, quase cinco meses depois, é outra criança”, contou Alexya.
O programa de Busca Ativa foi o responsável por encontrar os pretendentes. A iniciativa da Coordenadoria de Infância e Juventude (CIJ) do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) tem como objetivo viabilizar a inserção de crianças fora do perfil mais procurado por pretendentes em família substituta. O foco são meninos e meninas com mais de sete anos, crianças com doenças graves, com deficiências física ou mental e grupos de irmãos. Através do programa, as equipes das varas da Infância e Juventude do país trocam informações para facilitar os encontros.
“A juíza Christiana Caribé soube do meu sonho de adotar uma criança trans e me encontrou, com o apoio da doutora Mônica Lobato, do Rio de Janeiro, e da Associação Brasileira de Famílias Homoafetivas. Agora, nosso objetivo é ajudar a nossa filha a se enxergar. Sei que a minha história vai ajudá-la a não ter os medos que tive. Sei o que é ser discriminada”, disse Alexya, que já é mãe de um menino de 11 anos e agora tenta adotar outra criança.
Em 2016, foram adotadas, em Pernambuco, 103 crianças segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os resultados levaram o Estado a ficar entre os cinco que mais concluíram adoções no país no ano passado.