Anistia: entre o perdão e a impunidade

Por Brenno Ribas

A anistia é um tema complexo que desperta debates acalorados no Brasil. Prevista na Lei nº 6.683/1979, a chamada Lei da Anistia foi sancionada durante a ditadura militar e teve um papel crucial na transição para a democracia. Seu principal objetivo era perdoar crimes políticos cometidos entre 1961 e 1979, permitindo o retorno de exilados, a libertação de presos e a reintegração de servidores afastados. No entanto, a forma como essa lei foi aplicada gerou questionamentos que permanecem até hoje.

O grande ponto de controvérsia está no fato de que a anistia não beneficiou apenas opositores do regime, mas também agentes do Estado responsáveis por perseguições, torturas e mortes. Assim, enquanto trouxe liberdade para muitos que lutaram pela democracia, também impediu que aqueles que cometeram graves violações de direitos humanos fossem responsabilizados. Esse aspecto fez com que a lei fosse interpretada como um instrumento de impunidade, protegendo crimes que, segundo tratados internacionais, são imprescritíveis, como a tortura.

Recentemente, o debate sobre a anistia voltou à tona, especialmente após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino defender que a ocultação de cadáver não pode ser protegida por essa lei. O argumento é que esse tipo de crime tem natureza permanente: enquanto o corpo não for encontrado, a infração continua acontecendo. Essa tese poderia abrir um precedente importante para responsabilizar agentes da repressão que participaram de desaparecimentos forçados durante o regime militar.

A discussão sobre a anistia, no entanto, não se restringe ao passado. Nos últimos anos, grupos políticos têm defendido a concessão de anistia para aqueles que participaram dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. O argumento central é que essas pessoas estariam sendo perseguidas politicamente. No entanto, há uma diferença fundamental entre crimes políticos e ataques às instituições democráticas. No primeiro caso, trata-se de uma oposição ao governo baseada em ideais e manifestações legítimas. No segundo, há a tentativa de subverter a ordem constitucional por meio da violência.

A anistia, por sua própria natureza, deve ser aplicada com critério e responsabilidade. Não pode ser utilizada como ferramenta para apagar crimes graves ou enfraquecer a democracia. Se, no passado, ela serviu para facilitar a transição política, hoje, o Brasil precisa decidir se está disposto a revisitar essa história e corrigir possíveis injustiças. Afinal, até que ponto o perdão pode ser confundido com impunidade?

*Por Brenno Ribas*

Advogado especialista em Direito Eleitoral e professor de Direito Constitucional do UniFavip Wyden

Natural do Rio de Janeiro, é jornalista formado pela Favip. Desde 1990 é repórter do Jornal VANGUARDA, onde atua na editoria de política. Já foi correspondente do Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Portal Terra.