Por Francisco Borges (*)
Neste momento, no qual as diferenças sociais, econômicas e educacionais ficam ainda mais nítidas, o Senado aprovou o Projeto de Lei que adia a data do ENEM. Claro que os principais críticos da manutenção do exame no dia programado têm sua razão quando apontam que a pandemia aprofunda ainda mais a injustiça de um modelo de avaliação de ranqueamento baseado em um sistema educacional totalmente não equânime.
Apesar disso, é preciso observar que a manutenção da data do Enem tem um valor importante como política pública que é cobrar do Estado a conclusão do ano letivo de 2020 no ano de 2020.
Isto porque apesar das flexibilizações disponibilizadas pelo Conselho Nacional de Educação, homologadas e publicadas pelo Ministério da Educação, que abre mão dos dias letivos, desde que a carga horária mínima de cada etapa seja cumprida em 2020, as escolas ainda se sentem “engessadas e congeladas” para agir, fazendo com que o conteúdo e as atividades cheguem a todos os alunos.
A discussão deveria ser muito mais ampla do que uma simples mudança de data. Seja pela internet, via satélite, através das TVs, pelo Correio, via entregadores ou até retiradas programadas nas próprias escolas, é preciso encontrar meios para que os sistemas de ensino municiais e estaduais, públicos e privados concluam as atividades de cada um dos anos de todas as etapas. As dificuldades dos jovens que estudam nos estados da região norte, cortados por rios, das crianças que vivem nas periferias e no interior continuam as mesmas e precisam ser resolvidas e superadas.
Adiar a prova do ENEM é dar carta branca para que os sistemas de ensino públicos e privados deixem de buscar formas de superar o desafio atual. Na verdade, a manutenção da data é a melhor ação que o estado deveria propor, pois é uma forma de assegurar a conclusão do ano letivo em 2020 para centenas de milhares de alunos que precisam se dispor a estudar em 2021 no Ensino Superior. Precisamos destes alunos estudando, se motivando, focando em superar desafios e se tornando cidadãos e profissionais mais eficientes o mais rápido possível.
Se analisarmos friamente, o período que deveria ser mais fácil para as escolas se comunicarem com os alunos, de disponibilizarem materiais e atividades diversificando as formas de aprendizado é o 3º ano do médio. Nesta fase, os alunos estão mais maduros, mais autônomos e muito conectados, pois é praxe ouvirmos e lermos casos que relatam a discussão: alunos usam smart phones nas salas de aulas e agora não conseguem utilizá-los em home office?
Este tema traz a luz a grande dificuldade do setor educacional público e privado de todos os níveis de agir e reagir rápido às necessidades de cenários, os indicadores de baixo uso de recursos disponibilizados pelos alunos não é decorrente da falta de recursos tecnológicos e sim da total falta de planejamento da forma de oferta, de qualquer plano de atividades, com horários estabelecidos, com marcos de verificação de aprendizagem. Tudo isto se resume no desenho das trilhas formativas e não somente na disponibilização “sem nexo” de conteúdos nas mídias.
Alunos precisam ser guiados, orientados e acompanhados. Alunos em um museu com obras fantásticas se não tiverem orientação prévia ou no acesso durante a “visita” ficarão perdidos e até parados sem saber para onde ir. A educação de sucesso é resultado de planejamento e de rotina. Que venha o ENEM em novembro. Desta data para traz, cada escola proponha o seu calendário e plano de ensino para obter os melhores resultados, uma referência em 2020 assegurará o final deste ciclo sem comprometer 2021 também.
* Francisco Borges é consultor de políticas educacionais da Fundação FAT – Fundação de Apoio à Tecnologia.