Por João Américo de Freitas
Quando as notícias da China chegaram, o comerciante não deu importância, seu foco era aumentar o depósito de seu comércio, precisava armazenar mais para vendeR mais e mais rápido.
Católico e temente a Deus, o comerciante foi tomando por um sentimento de profunda preocupação, quando viu, nos noticiários, o Papa em uma caminhada solitária na praça de São Pedro, no Vaticano. O Papa rezava lá e o comerciante aqui. A pandemia havia chegado.
Com muitos anos bem vividos, o comerciante não conhecia ou não tinha ouvido falar de lockdown, nem tinha vivido a experiência da quarentena, isolamento e distanciamento social. Solidário e sem entender muito o que estava acontecendo, teve, por instinto e respeito ás autoridades que ficar em casa, e assim paralisou suas atividades.
Ao reabrir, teve que viver com novos hábitos. Álcool em gel, máscara e lavar a mãos constantemente passaram a fazer parte de sua rotina. Ao chegar em casa, a esposa, cuidadosa, e a filha, amorosa, não deixavam o marido e pai relaxar. Sem sapatos ao entrar em casa, e nada de perambular pela residência com a roupa da rua.
A atividade comercial diminuiu, e a prioridade do comerciante, que antes era construir, agora era se manter. Sua meta se resumia em tentar pagar, em dia, a faculdade de sua filha, que estudava arquitetura. Agora em casa muito mais tempo, o pai via a dedicação e esforço de sua filha, isso lhe enchia de orgulho, mas logo vinha a preocupação, “meu Deus, não posso atrasar a faculdade da milha filha, me ajude”.
Pouco a pouco, viu seu pequeno quadro de funcionários diminuir, não poderia pagar. Tristeza, preocupação, “e agora”, pensava ele. Quando o presidente falava em economia, no meio da pandemia, para o comerciante fazia muito sentido. Os amigos comerciantes também aderiram à fala presidencial, e logo se criou no nosso comerciante uma simpatia pelo presidente, que falava de suas necessidades. “Ele tem razão”.
O “abre e fecha” era mortal para o seu negócio. O comerciante temia que o pior ocorresse – que ele fechasse as portas. Estava muito complicado sobreviver. Mas essa preocupação era só sua, não a dividia com a família, e, sempre que perguntado, dizia que as coisas estavam difíceis, mas iria ficar tudo bem.
Mantendo a tradição familiar, no carnaval, foram às praias. Sua filha e um punhado de amigas e amigos se encontraram e levaram um pouco de alegria para o coração preocupado do pai. Fizeram uma “festinha”, ou melhor mais de uma. Para o comerciante, a felicidade de sua filha estava em primeiro lugar, e vê-la feliz era sua prioridade.
Na volta, boletos e problemas se avolumaram, estava tudo muito difícil, queria sua vida de volta ao normal.
No meio do dia, a esposa do comerciante lhe liga e diz que a sua filha estava muito mal. Pegou COVID-19. Nada mais importava, o comerciante queria a saúde de sua filha de volta.
João Américo de Freitas é advogado e comentarista político do blog e da Caruaru FM