ARTIGO: “Eu só quero é ser feliz / Andar tranquilamente na favela em que eu nasci…”

Por João Américo de Freitas

A operação policial na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, é um apanhado do Brasil de ontem, de hoje e, se nada for feito ou refletido, poderá ser do Brasil de amanhã.

Antes de lançar um olhar acerca da operação, propomos, nessas tênues linhas, indagar: como se chegou a esse estado de coisas? Antes de discutir erros e acertos, eficácia ou não da operação, devemos nos perguntar quais os motivos históricos, culturais e estruturais que resultaram em 28 mortes, 27 de homens, todos pobres, todos negros e do policial morto em serviço.

O primeiro ponto é reconhecer a existência de uma crise na segurança pública, crise essa que se alastra por tanto tempo e sem solução, com a qual aprendemos a conviver, ignorar e até normalizar os seus reais problemas. A crise no sistema de segurança pública passou a ser o seu status quo, se tornando, desse modo, permanente. O ambiente caótico da segurança pública e a omissão do Estado pariram monstros como PCC (Primeiro Comando da Capital), FDN, Família do Norte, Novo Cangaço, CDL – Comando Democrático pela Liberdade, e fortaleceu outros grupos criminosos, tais como: Terceiro Comando, ADA – Amigos dos Amigos, Comando Vermelho, Falange Vermelha.

No meio do caos entre a fadiga das facções criminosas e a falta de atuação estatal para reprimir a violência, agentes do estado, em alguns momentos, desejosos em conviver harmoniosamente com o mundo do crime, por meio do suborno e da corrupção, criaram outra propulsão e pulsação de violência, as Milícias.

Em artigo científico apresentado à Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, denominado Milícias: Poder Paralelo e Omissão do Estado, a autora ROBERTA MIRANDA CATTERMOL DA ROCHA FERREIRA apresenta um cenário de luta territorial em comunidades carentes por grupos paramilitares, formados principalmente por policiais militares, policiais civis, bombeiros, ou seja, as milícias.

A crise do sistema de segurança não pode ser vista como uma mera disfunção pontual, circunstancial e de fácil resolutividade. O que existe é uma cadeia caótica, interconectada, interdependente e até fundida, com condenações nas contradições históricas, atávicas, sociais, estruturais que não foram superadas. Pobreza gera desigualdade, desigualdade gera moradias precárias, que geram favelas (comunidades). Omissão do Estado gera “alguém” que substitua o papel do Estado, e esse substituto gera facções, que geram violência e milícias. E a violência gera medo, que gera imobilismo nas comunidades atingidas pela violência.

As disfunções de ordem econômica e social podem ser as causas mais antigas e conhecidas da violência nas comunidades do Rio de Janeiro, mas não são as únicas. Em uma crise permanente, funcional e estrutural, nos termos que estamos apresentando, se mostra muito útil para geração de lucros, tanto na venda de bens e serviços, como no chamado combate e repressão. Podemos então concluir que tem gente lucrando com a crise.

Com o objetivo de frear a força desproporcional que resulta em mortes na atuação de agentes de segurança em operações de repressão policial, o Supremo Tribunal Federal, na ADPF 635, determinou que as operações policiais em comunidades no Rio de Janeiro, durante a pandemia do Covid-19, só poderiam ocorrer em situações excepcionais. O Supremo avalia, ainda, estender os efeitos da decisão no plano nacional, visando à redução da letalidade policial e controle de violações de direitos humanos pelas forças de segurança.

Voltando à operação em Jacarezinho, no Rio de Janeiro, podemos concluir que foi um fracasso, tanto pela morte do policial em serviço, quanto pelas 27 vidas que foram perdidas. A Defensoria Pública alega que há indícios de execuções, e segundo relatos médicos, das vítimas, pelo menos 5 mortos apresentaram “faces dilaceradas”, “dilacerações”, ferimentos em membros inferiores compatíveis com disparos de arma de fogo e “desvios ósseos em membros superiores”. As vidas perdidas não irão resolver o problema da segurança pública, nem a curto, médio ou longo prazo.

Ao fim e ao cabo ficamos com as valorosas lições do Professor e Juiz de Direito do Rio de Janeiro RUBENS R. R. CASARA, no magistral livro Estado Pós-Democrático, Neo-Obscurantismo e Gestão dos Indesejáveis: “A crise apresenta-se como uma situação ou momento difícil que pode modificar, extinguir ou mesmo regenerar um processo histórico, físico, espiritual ou político”.

“… Minha cara autoridade, eu já não sei o que fazer / Com tanta violência eu sinto medo de viver / Pois moro na favela e sou muito desrespeitado / A tristeza e alegria aqui caminham lado a lado / Eu faço uma oração para uma santa protetora / Mas sou interrompido à tiros de metralhadora /
Enquanto os ricos moram numa casa grande e bela / O pobre é humilhado, esculachado na favela / Já não aguento mais essa onda de violência / Só peço a autoridade um pouco mais de competência.”

João Américo de Freitas é advogado e comentarista político na Caruaru FM

Natural do Rio de Janeiro, é jornalista formado pela Favip. Desde 1990 é repórter do Jornal VANGUARDA, onde atua na editoria de política. Já foi correspondente do Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Portal Terra.

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