“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantar-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e ter vergonha de ser honesto.” Ao externar este doído desabafo, seguramente referia-se Rui Barbosa a quanto nossa sociedade é tolerante com os maus – uma tolerância que atinge as raias da conivência.
Seja em um prosaico casamento, em uma solenidade ou comemoração qualquer, lá estão eles, finamente vestidos, frequentando os mais requintados salões, invariavelmente cumprimentados com simpatia e cerimônia pelas pessoas de bem. Os processos a que respondem, escondidos sob suas gravatas de seda; o mal que fizeram, ofuscado pelo ouro que carregam e temperado pelo cinismo com que tratam suas vítimas – todos nós.
Muitas de nossas autoridades, ocupadas demais para concederem o favor de uma audiência a um pobre miserável, dificilmente recusam seus tempos a um grande corrupto – afinal, como dizia Diderot, “cospe-se num bandido menor, mas não se pode recusar uma espécie de consideração a um grande criminoso”.
As consequências desse comportamento omisso, covarde e conivente, apontou-as com sabedoria Martin Luther King Jr.: “Nossa geração não terá lamentado tanto os crimes dos perversos quanto o estremecedor silêncio dos bondosos”. E assim porque, como advertiu Edmund Burke, “o único fator necessário para o triunfo do mal é os homens bons nada fazerem”.
Há que se ter tolerância, decerto. Porém, é também de Burke a advertência: “Há um limite depois do qual a tolerância deixa de ser uma virtude”. No Brasil, já passamos deste limite.
Estamos diante daquele grande vácuo ao qual Zarko Petan se referiu, com fina ironia: “Cabeças vazias têm grande facilidade em balançar para cima e para baixo, em sinal de sim”. Nossa sociedade, ao aceitar em silêncio a impunidade dos maus, nos traz à memória Wolfgang Herbst, a acusar que “adaptar-se é a força dos fracos”.
A estes fracos, dedico a poesia de Dante Alighieri: “Os lugares mais quentes do inferno são destinados aos que, em tempos de graves crises, se mantêm neutros”. E a eles, finalmente, Winston Churchill: “Quem põe panos quentes alimenta um crocodilo, na esperança de que o animal o deixará para o fim”.
Pedro Valls Feu Rosa