Por João Américo de Freitas
No início desse texto quero agradecer ao amigo e grande incentivador do meu exercício na escrita, ao amigo Wagner Gil meu muito obrigado. Agradeço ainda a você leitor e leitora que dedicaram um pouco de seu tempo para ler nossos escritos nesse exercício de pensar coletivamente, muito obrigado.
No pior ano da história de nossa geração, a humanidade provou do gosto amargo e singular de viver a maior experiência coletiva em escala global de confinamento, mortes e doentes, exigindo de todos atributos e qualidades das quais não estávamos preparados. Governos, países e pessoas foram pegos de surpresa, e hoje vivemos sob a égide de novos hábitos, onde a sociabilidade, característica fundamental do ser humano, passou por uma reconfiguração redimensional.
Da banalização da vida, aos gestos de amor e solidariedade, a uma guerra insana contra a ciência, esse ano não foi fácil. Em um sobrevoo pelo ano de 2020, podemos concluir que foi um ano dos contraditórios. Por vezes, a ciência foi substituída pela ideologia, a vida pela economia, e a solidariedade pela indiferença. Estava tudo lá, em 2020, vida e morte, a distopia dos contrastes sociais, e um abre e fecha macabro e brutal. Estas serão algumas das marcas de 2020.
Visualizando os números da mortandade, poderia ter sido reduzida ou minimizada, caso o Brasil houvesse adotado, desde logo, bem cedo, a profilaxia aplicada e recomendada em outros países. Mas as lutas insensíveis e insanas do poder transformaram o vírus em um palco para plataformas políticas. E, se contrapondo ao negacionismo obscuro e barulhento, a ciência desprestigiada e desprezada foi quem ofereceu a saída/solução para por um fim/controle à Covid-19. No entanto, o negacionismo ‘sem máscara’ fez muito mais barulho. Além de negar a existência do vírus e das formas de tratamento, fez vítimas.
A COVID-19 escancarou nossas desigualdades, que tiveram como apoteose macabra e simbólica a morte do menino Miguel, filho de Mirtes, empregada doméstica de uma família de classe média alta. Mirtes passeava com o cachorro da patroa, enquanto a patroa fazia as unhas e deixou a criança a sua própria sorte. Mirtes era remunerada pela prefeitura de Tamandaré, cujo Prefeito era esposo da patroa impaciente e insensível. O caso é um retrato do Brasil em vários aspectos, da falta de isolamento social das pessoas pobres, da insensibilidade das elites brasileiras com os menos desafortunados, e a forma com que essas mesmas elites se servem do estado em benefício próprio, passando pelo chamado privilégio branco, chegando à impunidade.
Mas as lutas de 2020 não pararam. No ‘novo normal’ não há espaço para o racismo estrutural, burro e assassino. Além da onda crescente do vírus, uma onda social reacendeu a necessidade de vacinar o mundo contra o preconceito racial, fazendo eclodir, também, em escala mundial, o debate das causas e efeitos desse problema secular.
Um movimento parido por indignação e cansaço, o Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), trouxe à tona o velho, novo e sempre presente tema da discriminação racial, brutalidade policial, e a desigualdade racial no sistema de justiça criminal. Um GRITO COLETIVO DE BASTA ecoou para dizer não ao racismo. Esse deve ser nosso compromisso civilizatório com a nossa geração e com as vindouras. Devemos, hoje e agora, por fim aos atavismos históricos do chicote, da senzala e do racismo.
Para concluir, refletimos o trecho da magistral obra-prima do poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto, “Morte e Vida Severina”, quando nosso herói Severino de Maria do finado Zacarias, proclama:
“Desde que estou retirando só a morte vejo ativa, só a morte deparei e às vezes até festiva só a morte tem encontrado quem pensava encontrar vida, e o pouco que não foi morte foi de vida severina (aquela vida que é menos vivida que defendida, e é ainda mais severina para o homem que retira).”
João Américo de Freitas é advogado e analista político da Caruaru FM