Por João Américo
A música popular do cancioneiro nacional Regra Três, de Toquinho e Vinícius, pode retratar o atual momento da operação lava jato. Diz o início da música: “Tantas você fez que ela cansou”. A Lava Jato cansou e dá os últimos suspiros. A falta de um juiz ativista deslumbrado pela fama, embriagado no seu próprio eu, aliado a uma briga fraticida no seio do Ministério Público, com divergência de rumos e métodos, tudo isso engendrado em um ambiente de ocultação de informações, abuso de poder, egocentrismo institucional e diminuição por desinteresse do apoio popular estão levando a Lava Jato para o fim.
A Lava Jato de hoje é uma sobra pálida do que já foi um dia. As preocupações atuais da operação que mudou o rumo da política no Brasil, e que colocou o combate à corrupção em outro patamar, são internas, e o seu maior inimigo, o mais atual e iminente, é o Procurador Geral da República (PGR) Augusto Aras, que abriu uma campanha conflagrada contra os “menudos de Curitiba”. No projeto de asfixia institucional da lava jato, já existe uma proposta, em Brasília, de centralização das operações anticorrupção no âmbito federal, com a criação de um órgão central que substituiria os modelos atuais de forças-tarefas, a chamada Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (UNAC). Se a centralização for colocada em prática, eliminará a Lava Jato e todas as forças tarefas do Brasil. O projeto já tem empenhada a concordância do Procurador Geral da República, contado com sua simpatia e entusiasmo.
Ainda internamente, a Lava Jato sofreu com decisão recente do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que considerou irregularidades na forma de distribuição de processos, com tentativas de alteração do sistema, e determinou a suspensão de casos para a Lava Jato de São Paulo. Hoje, são três pedidos de providências que tramitam no (CNMP) contra a Lava Jato de Curitiba, ainda sem contar com o controverso caso de camuflagem de nomes, pessoas que não poderiam ser investigadas pela operação por conta do foro, mas tiveram os nomes deliberadamente “camuflados”, tais como “Rodrigo Felinto” ou “Davi Samuel” ou Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. Nessa camuflagem haveria até nomes incompletos de ministros do STF, que podem ter tido seus sigilos quebrados de maneira irregular.
Outra controvérsia atual acerca da autointitulada “força-tarefa” da “Lava Jato” diz respeito ao uso de equipamentos de gravação para monitorar ligações que depois desapareceram, e a parceria oculta com agências de inteligência dos Estados Unidos, sem respeito a uma legislação correlata ao tema.
E, além do desidratado apoio institucional interno, a Lava Jato vem amargando derrotas em série ao longo de 2019. O Supremo Tribunal Federal (STF), antes o grande aliando dos ares de Curitiba, impôs revés à operação com decisões acerca do caixa dois, prisão em segunda instância e delação premiada, e a mais recente decisão do Ministro Dias Toffoli que determinou que a Lava Jato, em todas as suas extensões, compartilhe dados com a PGR.
Foi ainda no ano de 2019 que a reportagem do Intercept demonstrou a relação nada republicana e viciada entre o Juiz Moro e os Promotores, com uma constante troca de mensagens, mostrando a intimidade de quem acusava e de quem julgava, em uma ciranda onde a defesa não era chamada a participar, mas no final, era quem dançava.
Por todos esses motivos, podemos vislumbrar que a saída de Moro, a politização consentida por promotores, que deixaram a Lava Jato sair do campo “neutro” da Justiça para ser capturada pela pauta das conveniências políticas, são alguns dos pecados da Camelot da República de Curitiba, e o fim da operação, que nasceu reta, vai morrer torta.
A múscia referência no início desse artigo termina assim:
“Tinha deixado raízes no seu penar/ Depois perdeu a esperança/ Porque o perdão também cansa de perdoar.”
João Américo é advogado