A pandemia do Covid-19 levou o Governo Federal ao reconhecimento da ocorrência do estado de calamidade pública pelo Decreto Federal nº 6 de 20/03/2020, e acarretou uma imensurável crise financeira, afetando abruptamente as relações comerciais, em especial, as relações de emprego, em razão das medidas de isolamento social instituídas pelos Estados e Municípios.
Em razão disso, desencadeou-se milhares de demissões em todo Brasil e a grande discussão se voltou para a incidência ou não da responsabilidade do Poder Público dos Estados em indenizar ou não os empregados demitidos pelos empregadores que se encontravam impossibilitados de exercerem suas atividades por atos dos governos estaduais.
Surgiu então os questionamentos sobre a aplicação ou não do expediente jurídico em caso de força maior, estabelecida nos artigos 486, 501 a 504 da CLT, assim denominado como “fato do príncipe”, fenômeno pelo qual, se estende ao estado o dever de indenizar os encargos trabalhista, em caso de paralisação das atividades empresarias por força de ordem do governo federal, estadual ou municipal.
Haveria a responsabilidade estatal direta no pagamento dos encargos e verbas rescisórias trabalhistas no contexto da pandemia?
Sob a ótica daqueles que defendem a aplicação do fato príncipe e a consequente obrigação de ser indenizado pelo Estado tais encargos de rescisão, a indenização incide apenas quanto à metade da multa de 40% sobre o saldo do FGTS, nos termos da MP 927/2020, já para alguns, a indenização poderia alcançar todas as verbas rescisórias.
O procedimento para se buscar a indenização estatal, impõe ao empregado ajuizar ação apenas em face do empregador, não cabendo de início a inclusão do Poder Público na petição inicial da reclamação trabalhista, já que a responsabilidade pelo acervo rescisório é do empregador. A defesa, caso queira, poderá invocar a causa do fato do príncipe e, com isso, requerer também que a indenização seja de responsabilidade da Administração Pública, à luz do artigo §1º do artigo 486 da CLT.
Aliás, caso seja aceito o pedido de inclusão estatal, considerando que a alegação é decorrente de relação de emprego, a competência para analisar e julgar o caso deve ser mantida na Justiça do Trabalho, embora haja discussão e entendimento ao contrário.
No entanto, comungamos da opinião jurídica de que, para que se configure o fato do príncipe, se faz necessário que o ato administrativo seja discricionário, ou seja, que o Poder Público poderia ter evitado a medida que causou prejuízos ao particular.
Porém, a determinação de isolamento social estabelecida em várias cidades e estados brasileiros, frente ao que já ocorreu em vários países, como Itália, Espanha e EUA, onde milhares de pessoas foram contaminadas e chegaram a óbito, foi imprescindível para se conter o alastramento do Covid-19, configurando, assim, ato vinculado em favor da saúde e da vida da população, com isso ficaria afastada a responsabilidade do poder público.
Em resumo, o ato administrativo não foi específico para determinada empresa ou ramo de atividade, assim como ocorreu com o encerramento das empresas atuantes em marketing de outdoor ou com decreto de expropriação de terreno de empresa inviabilizando a continuação da atividade.
Ademais, não se pode deixar de mencionar que a autoridade pública foi tão impactada quanto empregados e empregadores. Todos fomos impactados. O episódio lesivo e inevitável, no caso a pandemia, foi sistêmico e massivo.
Não estamos diante da clássica hipótese de fato do príncipe, onde a administração pondera interesses e decide tecnicamente, mediante fria e atenta aferição prévia de conveniência e oportunidade. No caso da pandemia do Covid-19, a administração precisou tomar decisões seríssimas e urgentes em um lapso temporal mínimo.
Importante registrar, desde logo, que a implantação da técnica de confinamento social não precisa da certeza científica quanto à sua real eficácia como pressuposto de ação estatal. Basta a orientação técnica das autoridades competentes, especialmente do campo da saúde, acerca do uso dessa medida como instrumento razoável e urgente de mínimo controle sanitário, segundo o conhecimento científico do momento. Afinal, quanto ao coronavírus, há mais incertezas que certezas científicas.
Por fim, concluímos que deve prevalecer no Judiciário que a responsabilidade integral pelas verbas rescisórias neste momento de pandemia deve recair apenas para o empregador, não havendo qualquer incidência do artigo 486 da CLT.
Otavio Romano de Oliveira, mestre em Direito e Processo do Trabalho e sócio do Barbosa Advogados