Por Ayrton Maciel*
Esperança e crença não são sinônimos. A crença mora no cérebro, a esperança vive no tempo. A verdade é que vida num mundo com uma pandemia sem precedente, em mais de um século, robustece a fé e a esperança. Do próximo mundo, o pós-coronavírus, diz-se que surgirá o “novo homem” que conviverá com os outros em um “novo normal”. Solidariedade, fraternidade, justiça social, direitos humanos, harmonia entre o ser humano e o meio ambiente e entre as nações. Eis o novo mundo, o mundo do novo normal. Espero, não creio.
Mais vale ter esperança que nada esperar do mundo. Do futuro, o mais realista sobre o ser humano é que o “novo normal” dure o tempo do vírus circulando, que será o tempo da chegada da vacina. Porque o novo normal já existe, desde que o novo coronavírus se instalou e abalou o sistema no qual gira a humanidade. Água e sabão, álcool e máscaras, distanciamento e isolamento são armas para enfrentar o vírus que desnudou as estruturas sanitárias da maior parte do mundo e o muro social que segrega os ricos dos pobres.
Quando todos estiverem imunizados por uma vacina, o vírus desaparecerá, mas seremos capazes de preservar o “novo homem”? É ser realista acreditar que um novo homem virá pós-pandemia? Prefiro a esperança. A indiferença de governantes – como Trump, Lukashenko e Bolsonaro – com o ser humano inibe o otimismo. O comportamento das pessoas, como que desafiando a ciência e negando o conhecimento, por ignorância ou ideologia, aborta as chances de ser mais que esperançoso.
O policial que aperta o gatilho do fuzil nas costas do adolescente, o outro com o joelho sufoca o pescoço de um ser humano; a mãe que não protege a criança da morte porque não é seu filho, o homem que dispara a bala em uma mulher grávida; o governante que desdenha do vírus e das mortes – aos milhares – porque “esse é o destino de todos”, o líder que – para aliciar os seguidores – vê o vírus como encomenda de laboratório de um inimigo político. E tantos são os maus governantes e os indiferentes, no mundo, que a esperança é uma teimosia.
Vale lembrar o realismo de Ariano Suassuna: “Não sou nem otimista, nem pessimista. Os otimistas são ingênuos, e os pessimistas, amargos. Sou um realista esperançoso…”. É como o momento precisa ser visto: não estamos diante do fim do mundo. Passada a pandemia, não vamos começar do zero. Vamos retomar de onde paramos. Mas, as injustiças, as indiferenças e as segregações, na humanidade, serão vencidas? Prefiro ser realista.
Quando passar (ou o novo normal signifique conviver com o vírus nos assombrando), a relativização do novo corona terá cobrado uma conta grande a muitos povos. Os maus senhores do poder ficarão impunes. Porque assim tem caminhado a humanidade. A ignorância – no saber e na força bruta – termina sendo a mãe da razão, a um custo alto. Ainda que o novo coronavírus não seja uma criação de laboratório – a ciência tem dito -, alimenta o discurso da nova guerra fria da geopolítica ideológica. A terra não é plana, com certeza.
Se me perguntarem se acredito num “novo homem” no novo normal, prefiro dizer: esperança não é crença.
Ayrton Maciel é jornalista.