Por Sérgio Loyola, gerente de Projetos Sociais da Fundação Salvador Arena
Segundo o livro SOS da ONG, de José Alberto Tozzi, especialista em terceiro setor, uma das principais características das organizações do terceiro setor é o financiamento de sua sobrevivência, e para superar esse desafio, a captação de recursos no Brasil precisa derrubar algumas barreiras que impedem o seu desenvolvimento. Concordo.
A cultura do “coitadismo” como meio de sensibilizar doadores ainda é bastante presente nas práticas das organizações sociais. O preconceito das ONGs quanto ao uso de modernas e legítimas técnicas de marketing limitam as suas possibilidades de captação de recursos e o uso racional, estratégico e pragmático das redes sociais e meios de interação virtual com os doadores também são exemplos disso.
Para se ter uma ideia, uma pesquisa realizada pela Fundação Salvador Arena com 32 entidades sociais do ABC e São Paulo, entre 2016 e 2017, revelou que:
– 70% sabem da importância de se comunicar com o público de interesse, mas não têm um plano de comunicação formal;
– 50% não têm dados das pessoas com quem se relacionam (nome, e-mail, telefone etc.) ou quando têm estão desatualizados;
– 50% das organizações afirmaram não terem os dados dos doadores (PF) com quem se relacionam (nome, e-mail, telefone etc.) ou estão desatualizados;
– 35% têm um plano básico para captação de recursos, mas os resultados não são avaliados;
– 95% necessitam de mais formação para atuar na área de captação de recursos.
Essa constatação parece responder a oito questões propostas pelo consultor Rodrigo Alvarez, em seu artigo ”Da escassez à suficiência…”, publicado na revista eletrônica “Captamos.org.br”, em outubro de 2016. São elas:
1) Você trabalha em uma organização social que precisa captar recursos para manter suas atividades, mas percebe que seus esforços geram resultados sempre insuficientes?
2) Ano após ano, sua organização precisa crescer e ampliar suas metas, mas parece que está sempre correndo muito e que nunca chega lá?
3) Na sua organização, as pessoas ganham mal (ou têm relações de trabalho precárias) e se sentem constantemente ameaçadas pela instabilidade dos projetos?
4) Você se percebe distante daquela “chama” que te levou a atuar por uma causa?
5) Os doadores individuais já não respondem da mesma forma às suas solicitações ou a sua organização não têm doadores individuais e nem sabe por onde começar?
6) Você já visitou mais de 100 empresas no último ano e parece que seu discurso não tem ressonância para o meio empresarial.
7) Na volta de cada reunião, você tem uma sensação de que ninguém se importa com a causa que você defende e que as empresas e os empresários são insensíveis e egoístas?
8) Como captador de recursos, você é cobrado por resultados, mas se sente só e desconectado do resto da organização, distante da liderança e da área de programas, e percebe que os resultados na captação de recursos precisam ser parte de um esforço integrado?
Se você respondeu com um “sim” a pelo menos três dessas questões, está na hora de rever alguns conceitos e práticas de sua organização como:
– Revisar a missão, a visão de futuro e os valores institucionais de sua organização;
– Dimensionar a sua estrutura operacional, isto é, pessoas, suas competências e engajamento à causa social da ONG;
– Desenvolver um plano de comunicação – formal, realista e aplicável – com os seus diferentes públicos de interesse e;
– Formatar um plano eficaz de captação de recursos que oriente as ações e práticas de sua organização, desenhado para os próximos dois ou três anos, pelo menos.
Ora, as organizações do terceiro setor proporcionam, indiscutivelmente, efeitos bastante positivos à sociedade. Para se ter uma ideia, “para cada um real oferecido pelo Estado como imunidade a essas instituições, há um retorno de seis reais em benefícios entregues à população”. Outros dados mostram ainda “que as atividades do setor beneficiaram, só em 2015, mais de 160 milhões de pessoas e geraram cerca de 1,3 milhão de empregos”, segundo a pesquisa realizada pelo FONIF – Fórum Nacional das Instituições Filantrópicas, de maio de 2015 a junho de 2016.
Ainda segundo a pesquisa, “na área da saúde, hoje, em 968 municípios brasileiros o único hospital presente é filantrópico, não havendo nenhuma presença pública na região. O setor concentra 53% dos atendimentos SUS em todo o País. Quando o assunto é educação, mais de 2 milhões de jovens têm a oportunidade de estudar em filantrópicas, sendo que, desse total, 600 mil são bolsistas. ”
O desafio, portanto, está na atualização dos meios, práticas e métodos de busca pela sustentabilidade das organizações a partir da revisão dos conceitos e pré-conceitos ainda presentes no setor social; mas, por outro lado, no investimento de empresas, governo e doadores individuais na capacitação das organizações do terceiro setor para desenvolvimento institucional e para boas práticas em sustentabilidade, tendo em vista que a sociedade não é composta somente por ONGs, mas também pelas organizações do primeiro setor (Estado) e do segundo setor (Mercado).
Em suma, a responsabilidade pela construção de uma sociedade que, de fato queremos, é de todos nós. Desse modo, cada setor deve prever em seus orçamentos anuais os recursos para dar cumprimento à isso evitando que esse discurso fique apenas no campo da retórica.
REFERÊNCIAS:
Tozzi, José Alberto. SOS da ONG: guia para organizações do terceiro setor. SP, ed. Gente, 2015.
Alvarez, Rodrigo. Artigo “Da escassez à suficiência: em busca de uma permacultura para as organizações sociais”. http://captamos.org.br/news/2717/da-escassez-suficincia-em-busca-de-uma-permacultura-para-as-organizaes-sociais
Fórum Nacional das Instituições Filantrópicas (FONIF). Pesquisa “A contrapartida do Setor Filantrópico para o Brasil”. Realização: Realizada pela DOM Strategy Partners. SP. 2016. http://fonif.org.br/noticias/pesquisas/2016/