* Ricardo Simões
Sair de um ponto e chegar a outro. Essa é uma das definições mais primitivas, porém realistas, do trânsito. Ao longo desse caminho, informações são geradas continuamente e o acesso a grande parte delas está ao alcance de qualquer pessoa. O curioso é que, mesmo acessíveis, elas parecem permanecer ignoradas pelos gestores urbanos. Ironicamente, talvez recaia justamente sobre elas a possibilidade de tornar o trânsito menos caótico.
Existem aplicativos que permitem a alteração de rotas, inclusive variando modais e horários preferenciais, e os que calculam os custos de determinado trajeto. Há ainda aqueles que fornecem um retrato abrangente das condições de trânsito em tempo real. Os recursos são tantos quanto a capacidade criativa permitir, e fazer uso de ao menos um deles é quase uma unanimidade na era da informação.
Quanto maior a adesão a redes colaborativas como essas, mais ricas, precisas e confiáveis são as informações compartilhadas. O resultado não poderia ser outro: deslocamentos mais eficientes. Entender a dinâmica desse ciclo concede aos aplicativos o posto de potenciais transformadores do trânsito, já que são capazes de alterar o comportamento do condutor. Se os benefícios de percorrer determinado trajeto de ônibus e deixar o carro para trás forem nítidos ao motorista, aumentam as chances da escolha dele ser essa. Isso nada mais é do que a mudança de hábito provocada pela disseminação de informação.
Por outro lado, na mesma medida em que podem promover a economia de tempo e dinheiro, esses aplicativos também podem ser um convite à negligência – e talvez seja esse o temor dos gestores de trânsito. O Waze, uma das mais conhecidas plataformas colaborativas de trânsito do mundo, disponibiliza trajetos mais rápidos, mas também permite que o motorista burle a fiscalização, se inclinado a este tipo de conduta. Tão arriscado quanto o uso inadequado do aplicativo, porém, é ignorar o poder que ele tem. Cabe aos gestores, portanto, conhecer e aproveitar essas tecnologias a seu favor, sem deixar de cumprir seu papel fiscalizatório.
Com acesso aos dados que alimentam as redes colaborativas desses aplicativos, o gestor pode tanto projetar o trânsito de maneira mais organizada, quanto prever ações que coíbam o motorista de escapar da fiscalização. É possível, por exemplo, estabelecer pontos estratégicos para as blitzes com base nas rotas utilizadas, justamente, para desviar da principal delas. A parceria com as empresas que desenvolvem aplicativos é uma solução ainda incipiente, apesar de extremamente frutífera nesse sentido.
Desenvolver e possibilitar alternativas vantajosas aos usuários e à própria organização da cidade, indo além da tecnologia em si, é outro caminho a ser percorrido para melhorar a mobilidade urbana. Incentivar a adoção da bicicleta para percorrer trajetos diários a partir do desconto no IPVA, por exemplo. Afinal, quem não quer encontrar alternativas viáveis, econômicas e que tragam praticidade ao trânsito e mais qualidade de vida?
* Ricardo Simões é gerente de produtos da Perkons e membro da Comissão de Estudos de ITS da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).