A adoção é um grande passo para quem deseja exercer de modo pleno e incondicional a paternidade e a maternidade em relação a uma criança ou adolescente que, em seu histórico de vida, já teve contato com o abandono e a privação de sua família. Neste sentido, o dia 1° de setembro é um marco na vida de dois casais e de um grupo de quatro irmãos, crianças com idades entre três e nove anos, uma delas com hidrocefalia, cujos genitores foram destituídos do poder familiar. Nesta data, através de sentença proferida pela Vara da Infância e Juventude de Jaboatão dos Guararapes, Alessandra Dantas e Silvério Luiz passaram a ser pais de Gabriel*, de 8 anos, e de Carlos*, de 9 anos; e Pedro Germano e Iara Lima se tornaram pais de Ana* e João*, de 3 e 5 anos, respectivamente.
Os irmãos Ana, João, Carlos e Gabriel são quatro dos sete filhos de uma família cujos genitores viviam em situação de vulnerabilidade social. Com o objetivo de coibir toda violação ou ameaça de violação dos direitos dessas crianças, o Juízo da Vara da Infância e Juventude de Jaboatão dos Guararapes decidiu por destituir o poder familiar, e os irmãos foram acolhidos na Instituição de Acolhimento Lar de Maria, onde permaneceram até o surgimento de famílias que as desejassem como membros dos seus respectivos lares. Os três meninos foram acolhidos pela instituição no dia 30 de janeiro de 2020; e a menina Ana no dia 14 de abril do mesmo ano.
A espera de Ana e João por uma nova família terminou no dia 30 de julho de 2020. Nesta data, as duas crianças foram morar, sob guarda provisória, com o casal Pedro e Iara, ambos técnicos em Mecânica, e com 44 e 36 anos de idade, respectivamente. Já no dia 17 de agosto do mesmo ano, os outros dois irmãos, Carlos e Gabriel foram conviver com o casal Alessandra e Silvério Luiz, ela administradora, 36 anos, ele, oficial da Marinha do Brasil, 38 anos. Ambos os casais pretendentes habilitados pelo Sistema Nacional de Adoção (SNA) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e comprometidos a manter os vínculos familiares entre os irmãos, aceitaram assumir a guarda provisória das crianças, com base no artigo 157 do ECA, enquanto se aguardava o julgamento do recurso de apelação interposto pelos pais biológicos.
A titular da Vara da Infância e Juventude de Jaboatão dos Guararapes, juíza Christiana Caribé, ressalta o quanto foi importante a concessão da guarda provisória das crianças aos casais, destacando que as crianças tiveram um ganho de mais de um ano de convivência com a nova família, já que a convivência se iniciou em meados de 2020, em plena pandemia, e a sentença de destituição do poder familiar somente transitou em julgado em agosto de 2021. “Se os casais não tivessem aceitado esse desafio, as crianças teriam permanecido na instituição de acolhimento até os dias atuais, quando estaríamos iniciando as buscas por pretendentes à adoção. O ganho para as crianças foi enorme“, pontua a magistrada.
Conduzidas pela juíza Christiana Caribé, as audiências de formalização da adoção dos quatros irmãos pelas suas novas famílias foram realizadas através de videoconferência, na manhã da última quarta-feira (1/9). Cada sessão contou com a presença dos casais adotantes; da promotora de justiça do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), Tathiana Barros; e da assistente social da unidade judiciária, Carla Novaes. “As duas adoções proporcionaram uma grande transformação na vida das crianças, garantindo-lhes a vivência em uma família de amor e proteção, cujos adotantes possuem condições plenas de assegurar o sadio desenvolvimento psicossocial dos infantes”, avalia a juíza.
Iara, Pedro, Ana e João
Para o novo pai, Pedro, foi muito forte a emoção ao ver as crianças Ana e João chegarem em sua casa pela primeira vez, principalmente ao observar ambos já explorando o ambiente, com os olhos atentos a todos os detalhes do novo lar. A esposa, Iara, conta que a alegria foi imensa quando eles receberam a chamada telefônica da coordenadora da equipe técnica da Vara da Infância falando sobre a possibilidade dos dois serem pais das duas crianças, mesmo sabendo que uma delas, João, de cinco anos, tem hidrocefalia. Pedro e Iara não fizeram nenhuma restrição quanto a esta condição de saúde de João, inclusive o perfil registrado pelo casal no SNA já contemplava a abertura para a adoção de uma criança com doença tratável. “Para mim, João é uma criança como qualquer outra. A hidrocefalia não o define. Só precisamos de um acompanhamento médico mais próximo”, observou Iara.
O casal afirma que o convívio entre os quatro membros da nova família tem sido de muito aprendizado e evolução. Pedro e Iara enfatizam o ótimo atendimento do Judiciário em relação às suas demandas durante todo o processo de adoção. Sobre o compromisso de manter o vínculo dos dois filhos com os outros irmãos, o casal considera o contato muito importante e necessário. “Ana e João são filhos ótimos, carinhosos e muito espertos, cheios de energia. Não queremos que eles percam o vínculo com os irmãos. E os outros pais são maravilhosos. Aumentamos a nossa família. Temos um bom relacionamento com todos e criamos uma grande família”, pontuam Pedro e Iara.
Luiz, Alessandra, Carlos e Gabriel
A mãe, Alessandra, lembra com muita emoção da alegria, segurança e amor que sentiu com a chegada dos dois meninos no novo lar, ao mesmo tempo em que também recorda da empatia sentida por ela no momento, tendo em conta toda a história familiar trágica que Carlos e Gabriel enfrentaram. “A emoção que senti com a chegada dos nossos meninos ao lar foi como chegar da maternidade. Foi o momento em que me tornei mãe e comecei a vivenciar e pôr em prática tudo o que construímos para acolher os nossos filhos em todas as suas demandas. Para mim, a adoção vai além do desejo de ser mãe. É um compromisso com a escolha que fiz; é doação, dedicação, acolhimento, colo, conforto e muito amor”, disse Alessandra.
O novo pai, Silvério, lembra também dos primeiros contatos com os dois meninos, e conta que, devido às restrições trazidas pela pandemia da Covid-19, o período inicial de aproximação foi intercalado por encontros presenciais e virtuais. Nos encontros, o casal procurou interagir ao máximo por meio de brincadeiras, por observar que de um modo lúdico seria mais fácil conhecer as crianças. Gabriel, o filho mais novo, se mostrou bastante comunicativo e tornou a aproximação mais rápida; já Carlos, o mais velho, demonstrava mais receio de se aproximar, mesmo reagindo bem nas brincadeiras. “Quando os trouxemos para casa, eles já estavam bem aproximados e nos chamando de pai e mãe, e rapidamente reconheceram a casa como o novo lar deles. Logo no primeiro contato, eu senti que tinham chegado os nossos filhos, e assim eu procurei conhecê-los, entendê-los e, acima de tudo, amá-los. A entrada deles em nosso lar animou a vida na casa, a chegada dos nossos dois meninos trouxe uma enxurrada de emoções novas, desafios e aprendizados”, afirma Silvério Luiz.
Atuação da Rede de Proteção à Infância e Adolescência de Jaboatão dos Guararapes durante a pandemia
A Comarca de Jaboatão dos Guararapes dispõe de uma articulada rede de proteção à infância e adolescência. Compõem esta rede sete unidades de Conselho Tutelar, com 35 conselheiros que, mesmo diante das restrições trazidas pela pandemia da Covid-19, seguiram atuando no aperfeiçoamento das ações voltadas para a proteção dos direitos das crianças e adolescentes em situação de risco no município, inclusive fazendo visitas domiciliares quando necessário.
A magistrada Christiana Caribé e a promotora de Justiça Tathiana Barros destacam a importância do trabalho efetuado pelos conselheiros tutelares de Jaboatão, que, mesmo durante essa pandemia, seguiram firmes na missão de zelar pelo cumprimento dos direitos da Infância e Juventude, como previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente. “As adoções só são possíveis porque os casos são levados dos Conselheiros Tutelares para o Ministério Público e deste ao Poder Judiciário. A porta de entrada para a efetiva proteção dessas crianças no Sistema de Justiça é o Conselho Tutelar, que recebe as denúncias, dirige-se até as comunidades, ajuda a localizar parentes, promove os encaminhamentos necessários aos serviços socioassistenciais, desenvolvendo uma atuação fundamental para a manutenção da segurança das crianças e adolescentes que sofrem violações de direitos.”, pontua a juíza Christiana Caribé.
*Nomes fictícios, escolhidos ou autorizados pelos pais