Para compreender os impactos do diagnóstico e tratamento do câncer de próstata, é imprescindível assumir que existem fatores biopsicossociais envolvidos. O câncer por si só carrega representações sociais relacionadas à morte, castigo e carma, o que leva o sujeito a contornar o assunto com temor e fuga. Ao câncer de próstata se soma as fantasias relacionadas ao comprometimento da masculinidade diante de seus significados, como virilidade, atividade, produtividade, distanciamento de questões afetivas, ereção e potência sexual.
“A identidade do homem hétero e cis é moldada socialmente em frágeis alicerces, comunicando que a masculinidade não é adquirida logo ao nascimento com a presença do órgão genital masculino, mas que precisa estar sendo constantemente conquistada e afirmada a partir de comportamentos e performances. Isto provoca no sujeito uma necessidade constante de vigília, para que sua masculinidade não escape de si, por exemplo, em lágrimas”, destaca a professora do curso de psicologia do UniFavip, Deysiane Macêdo.
Ela ressalta também que “toda essa construção tóxica de masculinidade acaba por dificultar a experiência do sujeito diagnosticado com câncer de próstata. Este terá primeiramente a dificuldade de chegar aos serviços de saúde para consultas de rotina pois, de modo geral, assumir o lugar de paciente é assumir que podem haver fragilidades neste corpo e que este demanda cuidado. E no que se refere ao exame de próstata existe um discurso de aversão ao toque, difundido através de humor duvidoso, que põe em cheque a heterossexualidade do sujeito”.
No momento do diagnóstico outras questões são colocadas em cheque, tais como o temor à impotência sexual; a ameaça à atividade e produtividade, seja no campo do trabalho ou na liberdade e autonomia dos cuidados cotidianos e claro, o medo da morte.
“Diante de tantos medos e fantasias, a psicologia defende que o acesso honesto dos afetos, significados, angústias e frustrações é o primeiro passo para o cuidado psicológico do sujeito através da elaboração e ressignificação da experiência. Porém as barreiras da masculinidade tóxica dificultam esse processo, onde as fases do luto do sujeito – negação, raiva, barganha, depressão e aceitação – não atingem a aceitação, se aprisionando em raiva e depressão”, explica Macêdo.
A depressão pode evoluir, deixando de ser apenas uma fase do luto e se configurando enquanto transtorno, o que é muito comum em pacientes diagnosticados com câncer, de modo geral. Esta se caracteriza principalmente pela tristeza profunda e avolia, isto é, perda de desejo e sentido, anestesiando o interesse e prazer diante até de suas atividades favoritas. Há também um comprometimento no sono, alimentação e socialização deste.
“Para prevenir e cuidar desta comorbidade é indicado que haja um trabalho em conjunto entre o paciente, a família e a equipe interdisciplinar em saúde. Onde seja promovido um esclarecimento acerca da real condição do paciente, contribuindo para a diminuição da ansiedade e das fantasias. Também é importante que o psicólogo possa acolher com sua escuta qualificada, trabalhando diante da desconstrução dos mitos e estereótipos acerca da masculinidade, promovendo um espaço para que o sujeito e sua família, respectivamente, ressignifiquem sua identidade e os papéis sociais desta pessoa na família”, pontua a psicóloga, que finaliza falando sobre a importância do diálogo.
“A fala é uma belíssima via de elaboração de conflitos emocionais. É indispensável que ela seja utilizada, valorizada e propagada por todas as pessoas e grupos, sem restrições de sexo, gênero ou orientação sexual. O afeto contido e não dito adoece”, completa.