Responsável pela Operação Lava Jato na primeira instância, o juiz federal Sérgio Moro disse mais cedo que não considera erro o fato de ter divulgado, em 16 de março do ano passado, o conteúdo do telefonema em que a então presidente Dilma Rousseff orienta o ex-presidente Lula sobre procedimentos de sua posse na Casa Civil. O áudio foi vazado, segundo o juiz, porque “havia interesse público na sua divulgação”. As declarações de Moro causaram revolta entre petistas no Congresso, tanto na Câmara quanto no Senado.
“Não cabe ao Judiciário ser guardião de segredos sombrios”, declarou Moro, em evento promovido pela revista Veja em São Paulo do qual participaram personalidades como o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) e o apresentador Luciano Huck.
“Não me arrependo de forma nenhuma. Fiz o que a lei exigia e o que achei que era necessário”, acrescentou o juiz.
Para o deputado Paulo Pimenta (PT-PR), Moro é um “réu confesso” que terá que se explicar na Justiça. Para o petista, que fez as críticas na tribuna do plenário da Câmara nesta segunda-feira (27), o juiz praticou crime ao violar o ditame constitucional que impõe o sigilo a respeito de investigações que abarquem presidentes da República. “Dr. Sérgio Moro, o senhor é um criminoso!
Se o Conselho Nacional de Justiça tivesse coragem, já teria colocado na pauta a representação que fizemos para que o CNJ nos diga se um juiz de primeira instância pode interceptar uma ligação de uma presidenta da República, para que o CNJ nos diga se o senhor pode estar acima da Constituição e divulgar uma conversa privada entre o presidente e dois ex-presidentes ou uma conversa privada da Dona Marisa com o seu filho, como o senhor fez, de maneira ilegal”, bradou o deputado, referindo-se à esposa de Lula, morta em fevereiro.
No Senado, o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), também foi à tribuna criticar os que, em sua opinião, atacam Lula com o objetivo de alijá-lo da disputa presidencial de 2018. “Eu tenho para mim que a Marisa morreu fruto desse processo todo. Ela não aguentou aquela exposição da família dela, a perseguição desse aparato judicial partidarizado e da Rede Globo também, que ali fez uma perseguição à família do presidente Lula. Esse pessoal todo tinha um plano, que era o seguinte: ‘Olha, vamos tirar a Dilma e vamos desmoralizar, condenar o Lula. Vamos colocar o juiz Sérgio Moro em cima e a Rede Globo todo dia’. Aí, o plano deles era que, em dois anos, em 2018, eles elegeriam Aécio Neves ou um candidato do PSDB à Presidência da República. Faziam o jogo sujo agora, porque esse programa que eles estão querendo implantar de privatizações, de reforma trabalhista, de reforma previdenciária, nenhum presidente eleito conseguiria fazer”, discursou o petista.
Plano frustrado
A divulgação do áudio com a conversa entre Lula e Dilma resultou na suspensão da posse do ex-presidente pelo STF, no dia seguinte ao ato presidencial – naquela ocasião, opositores da petista viram na nomeação uma forma de garantir foro privilegiado para retirar Lula das mãos de Sérgio Moro. Levado ao ar em primeira mão pela GloboNews, o conteúdo do telefonema provocou uma reviravolta nos rumos do impeachment de Dilma e levou centenas de pessoas para a frente do Palácio do Planalto no início da noite daquela quarta-feira, em protesto contra a nomeação e contra a própria gestão petista.
Dias depois, o então relator da Lava Jato no STF, ministro Teori Zavascki (morto em janeiro deste ano), fez uma reprimenda pública contra a divulgação, o que levou o próprio Moro a pedir desculpas pelo procedimento. Naquela ocasião, descobriu-se que a divulgação apresentou irregularidades como a inclusão de trechos gravados depois do horário determinado pelo próprio magistrado. Além disso, como apontaram aliados de Dilma, Moro havia ferido a legislação que determina o envio ao STF de todo e qualquer elemento investigatório envolvendo chefes de Estado.
Depois de anulada a posse de Lula, Dilma se viu cada vez mais enfraquecida em sua tentativa de se manter no poder – os petistas avaliavam que, com o ex-presidente na Casa Civil, ele seria capaz de conduzir negociações que acabassem por sepultar o movimento pró-impeachment, que já ganhava as ruas àquela época. Diante da situação, Teori anulou a inclusão dos áudios no conjunto probatório referente ao suposto envolvimento de Lula no esquema de corrupção descoberto pela Polícia Federal na Petrobras, além do envio dos autos a Moro.