Folha de S.Paulo – EDITORIAL
Luiz Inácio Lula da Silva sobreviveu ao escândalo do mensalão. Manteve-se cacique único do PT e conservou apoios na sociedade mesmo depois da ruína provocada pela candidata que afiançou e levou ao Palácio do Planalto.
Alvo de múltiplas investigações de corrupção, liderava com 30% as intenções de voto à Presidência na mais recente pesquisa Datafolha, de junho. Condenado em primeira instância no mês seguinte, manteve-se agarrado ao discurso de perseguido pelas elites nacionais.
Seria prematuro, assim, afirmar que Lula esteja abatido de modo irremediável pelo depoimento em que um ex-ministro da Fazenda de seu governo, Antonio Palocci, confirmou com minúcias o fluxo caudaloso de propinas da construtora Odebrecht para dirigentes petistas, seus aliados e, em particular, seu líder máximo.
Pode-se dizer, isso sim, que até então nenhuma testemunha com tanta familiaridade com as entranhas do partido havia atestado o alcance da corrupção relatada por empreiteiros, funcionários e operadores diversos à Lava Jato.
Ocioso recordar o protagonismo de Palocci no primeiro mandato de Lula, que o alçou à condição de interlocutor preferencial do PT com o mercado financeiro e grandes empresários.
Esteve entre os coordenadores da campanha de Dilma Rousseff, de quem foi o primeiro chefe da Casa Civil. Um de seus papéis —no qual fracassou por durar pouco no cargo–era assegurar que a sucessora de Lula não poria em prática teses econômicas exóticas.
A versão de Palocci para o “pacto de sangue” firmado em 2010 com a Odebrecht —envolvendo propinas de R$ 300 milhões, inclusive as benesses imobiliárias para o presidente que saía— pode, claro, ser mentirosa. Mas não por desconhecimento de causa.
Dizem os petistas que o ex-ministro, também condenado por corrupção, cria um enredo para se tornar delator e ter reduzida sua pena.
Nada disso altera o essencial: a Petrobras e outros setores do governo foram devastados por desvios bilionários e gestões irresponsáveis, e a cada dia é mais inverossímil que tudo tenha se dado sem a anuência, se não a participação interessada, da cúpula do partido.
Alvo da rejeição de quase metade dos eleitores brasileiros, Lula mistura, com retórica agressiva e demagógica, um projeto de candidatura presidencial e uma estratégia de defesa política.
Trata-se de combinação perigosa, ainda mais em um cenário de fragilidade da economia e descrédito das lideranças partidárias. Resta ao país aguardar que a Justiça defina o quanto antes a condição do alquebrado ex-presidente.