Segundo o Censo 2022 do IBGE (https://censo2022.ibge.gov.br/panorama), somos 203,08 milhões de brasileiros, dos quais 98 mil homens e 104 mil mulheres. Desses, 10.570 homens e 27.244 mulheres têm mais de 100 anos. Com 65 anos ou mais, os 22,17 milhões representam 10,9% da população. No censo anterior, de 2010, esse contingente era de 14,08 milhões, ou 7,4% da população. Em 12 anos, uma alta de 57,4%. Vai passando a chamada janela demográfica, segundo a qual nossa população jovem era larga maioria. Daí impõem-se redefinições. Na previdência, no mercado de trabalho, na educação, na saúde, na assistência social. Mas também no plano individual, em nossas mentalidades, nas relações pessoais, inclusive familiares.
Temos a previsão constitucional do art. 230, que impõe à família, à sociedade e ao Estado o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. O Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) cria direitos específicos para pessoas com idade igual ou superior a 60 anos e visa garantir o seu pleno exercício de cidadania e participação na sociedade. Na saúde, garante atendimento prioritário nos sistemas de saúde público e privado. No transporte, oferece benefícios como a reserva de vagas em transportes coletivos, descontos em passagens e gratuidade a partir dos 65 anos.
No acesso à justiça, os idosos têm prioridade na tramitação de processos judiciais. É proibida qualquer forma de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão contra os idosos. Na assistência social, é garantido o atendimento integral ao idoso. As políticas públicas existem no plano institucional. O problema está em sua efetividade. E, sobretudo, nas mentalidades.
Em sociedades orientais como Japão, Coréia e China, bem como em algumas ocidentais como Suécia, Noruega, Canadá e Austrália, as pessoas de maior idade são valorizadas e a elas são assignados direitos específicos. Nelas há uma tradição de respeito pelos mais velhos. Valoriza-se a experiência e a sabedoria associadas à idade avançada. Os mais velhos podem ocupar papéis de liderança e são consultados para orientação. Na esfera pública como na privada. Nesses países, há políticas efetivas de assistência social, saúde e programas para promover o envelhecimento ativo. Nas relações familiares, sobretudo nas orientais, há uma expectativa de que os filhos assumam responsabilidades de cuidar de seus pais idosos. O que também ocorre na África. Lembro de Saleh, um motorista que me conduzia quando trabalhei no Chad. Quando lhe perguntei por que tinha três mulheres, respondeu-me que, valendo-se da poligamia admitida num país de cultura muçulmana, ele tinha mais chances de ter um filho “bien positionnée” que lhe pudesse suprir na velhice.
No Brasil, precisamos dar efetividade às políticas públicas de combate à discriminação das pessoas de idade. No mercado de trabalho, na publicidade e na mídia, com uso de linguagem e imagens que não reforcem estereótipos relacionados à idade. Na educação, eliminando a discriminação na admissão ou tratamento de estudantes com base na idade. Na saúde, possibilitando o acesso igualitário aos serviços. Na cultura organizacional do mundo corporativo, fomentando as contribuições de diferentes grupos etários e combatendo as atitudes negativas em relação aos profissionais de mais idade no ambiente de trabalho. O mesmo vale para as interações sociais e para o discurso público.
A brasileira é uma sociedade emocionalmente adolescente. E superficial. No discurso e nas práticas públicas e privadas prevalece uma ingênua valorização da juventude como um valor em si. Ninguém desconhece que a juventude é um momento maravilhoso das nossas vidas. Temos vitalidade para experimentar o novo, o impulso criativo para inovar e o futuro em aberto. Algumas faculdades físicas e intelectuais estão bem ativas, como mostram as conquistas humanas em teoremas inovadores quase sempre por matemáticos jovens. A valorização ingênua parece estar ligada ao culto à imagem dos corpos, uma tendência superdimensionada pelo farto uso das redes sociais, centradas em fotos e vídeos. Imagética que é alavancada pelos algoritmos manejados pelas big techs. Que nos fazem colar os olhos na tela e às vezes desligar o cérebro. Reproduz-se, assim, um padrão etarista de beleza. A tal “beleza da juventude”. E nas mentalidades esse caldo de cultura reproduz o culto ao “vigor físico” da juventude, sem que se valorize a capacidade que a maturidade nos dá para melhor sopesar as diferentes variáveis de um tema ou problema. Não se percebe que os mais experientes, muitas vezes, operam com equações mentais de mais variáveis. Ainda que inconscientes.
Somos uma nação muito distante das que promovem o envelhecimento ativo. Há muito por avançar em todas essas áreas para que se reduza o etarismo ainda hoje muito forte na sociedade brasileira. E para que nos tornemos uma sociedade menos imatura, mais capaz de forjar um projeto inclusivo de nação.
Maurício Rands, advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford