O plenário da Câmara dos Deputados pode votar nesta terça-feira (30) o projeto de lei do marco temporal de demarcação de terras indígenas (PL 490/2007). A proposta determina que somente serão demarcadas as terras indígenas tradicionalmente ocupadas por esses povos na data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.
Em tramitação na Câmara desde 2007, o texto teve sua análise acelerada após aprovação de requerimento de urgência, por 324 votos favoráveis e 131 contrários, na semana passada. A matéria retira a demarcação de terras de povos originários da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e devolve a atribuição ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.
A proposta estabelece que, para serem consideradas terras ocupadas tradicionalmente, deverá ser comprovado objetivamente que elas, na data de promulgação da Constituição, eram, ao mesmo tempo, habitadas em caráter permanente, usadas para atividades produtivas e necessárias à preservação dos recursos ambientais e à reprodução física e cultural.
O relator da proposta, deputado Arthur Oliveira Maia (União-BA), argumenta que o texto busca “deixar claro que os indígenas devem ser respeitados em suas especificidades socioculturais, sem que isso sirva de impedimento ao exercício de seus outros direitos fundamentais”.
“Dessa forma, enxergando os indígenas como cidadãos brasileiros que são, pretendemos conceder-lhes as condições jurídicas para que, querendo, tenham diferentes graus de interação com o restante da sociedade, exercendo os mais diversos labores, dentro e fora de suas terras, sem que, é claro, deixem de ser indígenas”, afirma o deputado.
O texto prevê, entre outros pontos, que é proibida a ampliação de terras indígenas já demarcadas, além de anular a demarcação que não atenda aos preceitos da lei. Os processos administrativos de demarcação de terras indígenas ainda não tenham sido concluídos serão adequados ao que prevê a nova legislação.
“Institucionalização do genocídio”
Em audiência na Câmara dos Deputados, a assessora jurídica do Conselho do Povo Terena, Priscila Terena, citou 156 terras, oito etnias e mais de 80 mil indígenas impactados, em caso de aprovação desses textos. “A aprovação é a declaração do nosso extermínio e o início da institucionalização do nosso genocídio”, disse.
A presidente da Comissão da Amazônia e coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG), afirmou que a proposta facilitaria, entre outros pontos, a grilagem de terras ao permitir obras sem consulta aos indígenas.
“Trata de transformar o marco temporal em lei, com o objetivo de inviabilizar a demarcação dos territórios indígenas; permite a construção de rodovias, hidrelétricas e outras obras em terras indígenas sem consulta livre, prévia e informada aos povos afetados, facilitando a grilagem em terras indígenas”, apontou.
Na avaliação do Ministério dos Povos Indígenas, o texto pode “inviabilizar demarcações de terras indígenas, ameaçar os territórios já homologados e destituir direitos constitucionais, configurando-se como uma das mais graves ameaças aos povos indígenas do Brasil na atualidade”.
Defensoria
A Defensoria Pública da União (DPU) apontou a necessidade de rejeição integral do projeto de lei do marco temporal na demarcação de terras indígenas. A recomendação foi encaminhada pelo defensor público-geral federal em exercício, Fernando Mauro Junior, ao presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL).
Segundo o documento, a Constituição não pode ser utilizada como referência para a ocupação indígena, que tem parâmetros diferentes dos requisitos da posse do direito civil.
“O que se sabe é que o território – quando transformado em terra – é o espaço físico necessário para que determinada sociedade indígena desenvolva suas relações sociais, políticas e econômicas, segundo suas próprias bases culturais. É o elo subjetivo dos povos indígenas com seu território tradicional que permite serem quem eles são e, dessa feita, o espaço tem verdadeiro valor para assegurar a sobrevivência física e cultural, sendo por isso de vital importância para a execução dos seus direitos fundamentais”, ressalta o documento.
Entenda
A tese sobre o marco temporal de demarcação surgiu em 2009, em parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, quando esse critério foi usado.
Atualmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) discute o tema em razão da disputa sobre a Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ. Parte da área de 80 mil metros quadrados (m²), ocupada pelos indígenas Xokleng, é questionada pelo governo de Santa Catarina. O estado argumenta que na data de promulgação da Constituição não havia ocupação na área. Por outro lado, indígenas argumentam que, naquela ocasião, haviam sido expulsos do local.
O procurador-geral do Estado de Santa Catarina, Márcio Vicari, defendeu que a realidade de Santa Catarina é diferente da de outras unidades federativas.
“Há localidades em que a demarcação envolve um latifúndio de um único proprietário, mas, no nosso estado, isso impacta na realidade de centenas de famílias, muitas delas de produtores rurais. Por isso, no dia 7 de junho estaremos em Brasília para, conforme a determinação do governador Jorginho Mello, defender a tese de marco temporal”, afirmou, durante audiência na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc).
No dia 7 de junho, a Corte analisará se há validade ou não do marco temporal em todo o país, o que alcançará mais de 80 casos semelhantes e mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas pendentes.